Não se acertam dois coelhos com uma só cajadada

Caetano C.R. Penna
GEMA IE/UFRJ
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3 min readApr 6, 2020

Salvar vidas ou a economia? Ambos! Mas com os instrumentos adequados

O primeiro Prêmio de Ciências Econômicas em Memória de Alfred Nobel foi concedido em 1969 para os economistas Ragnar Frisch (Noruega) e Jan Tinbergen (Holanda) pelo desenvolvimento e aplicação de modelos dinâmicos na análise da economia. Preocupado ao longo de sua carreira com a eficácia das políticas econômicas, com questões distributivas e com o bem-estar social, é por outra contribuição, entretanto, que o holandês Tinbergen ficou mais conhecido.

Nos cursos de macroeconomia das principais faculdades de ciências econômicas, aprende-se sobre o que convencionou-se chamar de “Regra de Tinbergen”. Trata-se de um conceito fundamental em matéria de política econômica: para cada objetivo que se queira alcançar, é necessário ao menos um instrumento de política. Ou seja, são necessários pelo menos o mesmo número de instrumentos do que de objetivos.

O porquê desta regra fica claro com um exemplo clássico: não é possível alcançar simultaneamente os objetivos de minimizar a inflação e diminuir o desemprego (dois objetivos) apenas com a manipulação da taxa de juros (um instrumento). Isto porque ocorre um trade-off: um conflito de escolha. Ao se aumentar a taxa de juros, consegue-se diminuir a inflação, já que se torna mais caro consumir. Mas ao se aumentar o juro, acaba-se também aumentando o desemprego, uma vez que fica mais caro para as empresas investirem e contratarem. Logo, convencionou-se que a taxa de juros deveria ser utilizada como instrumento de combate à inflação, enquanto instrumentos fiscais deveriam ser utilizados para promover o emprego.

Dois coelhos sentados ao lado da entrada da toca, enquanto dois coelhos estão brincando no fundo. Gravura por J. Tookey após J. C. Ibbetson (Wellcome Library no. 40646i)

A Regra de Tinbergen é simples e poderosa. Seu uso já foi extrapolado do âmbito das políticas econômicas, sendo aplicada, por exemplo, na área de política ambiental — quais instrumentos empregar para diminuir emissões de poluentes e incentivar o desenvolvimento de tecnologias alternativas, evitando conflitos de escolha? Na década de 1970, a regulação de emissões automotivas, através da determinação de limites máximos para emissão de gases, gerou um conflito de escolha entre mitigar a poluição ou promover a economia de consumo de combustíveis (foi uma inovação tecnológica que ajudou a resolver o problema — mas esta é outra história).

Em meio à atual pandemia de COVID-19, podemos utilizar a Regra de Tinbergen para refletir sobre como alcançar os objetivos simultâneos de conter a disseminação da doença e minimizar os impactos negativos sobre a economia.

O confinamento domiciliar (lock-down) é apenas um instrumento. Assim, sua calibragem (mais ou menos confinamento) ou escolha de tipo (horizontal ou vertical) não é adequada para alcançar os dois objetivos: se diminuímos precocemente o isolamento, podemos mitigar o impacto na economia, mas perderemos vidas. O “instrumento” do confinamento domiciliar deve ser utilizado para conter o ritmo de contágio de COVID-19, “achatando a curva de disseminação” e salvando vidas.

Para os objetivos econômicos, temos múltiplos outros instrumentos — fiscais, monetários, creditícios e regulatórios. Os economistas devemos deixar as ponderações sobre medidas sanitárias para a classe médica. A nós, cabe propor medidas e instrumentos econômicos para mitigar os impactos e salvar a economia.

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Caetano C.R. Penna
GEMA IE/UFRJ

Professor de Economia Industrial e da Tecnologia, Instituto de Economia da UFRJ