Sobre o dogmatismo e o pragmatismo em tempos de pandemia

João Felippe Cury M. Mathias
GEMA IE/UFRJ
Published in
3 min readApr 9, 2020

Há quem só consiga pensar a agir de um jeito. Esses alguns são aprisionados por dogmas, que nada mais são do que se pensam serem as verdades. Ora, se são verdades, então as soluções únicas quando os problemas se apresentam só podem emergir desses dogmas. Trata-se de uma adesão irrevogável, que acaba por se transformar numa prisão. Note que no lado oposto dessa percepção está a liberdade, aqui, em particular, o livre pensar.

Por outro lado há quem consiga se adaptar aos contextos de ocasião e que acaba por flexibilizar suas linhas de pensamento e ação. Nesse contexto emerge o pragmatismo, que busca reduzir o sentido dos fenômenos à avaliação de seus aspectos úteis, necessários, limitando a especulação aos efeitos práticos.

Fonte: Stanley Kubrick — A Clockwork Orange trailer

Como em outros campos do saber, a Economia possui pensadores dogmáticos e pragmáticos. E justamente em contextos específicos se evidenciam as divergências de timing e práxis de políticas econômicas. O economista dogmático não consegue diferenciar os contextos de normalidade e de crise. Como é aprisionado em uma forma unívoca e verdadeira de lidar com os problemas econômicos ele enxerga as mesmas soluções para os contextos diferentes.

Ocorre, no entanto, que a economia é contexto-dependente. E suas soluções também. Se em tempos de normalidade é possível se guiar pela abordagem das inconsistências temporais de políticas econômicas, em tempos de crise, não. A crise clama por um senso de urgência. E, nesse sentido, o dogmático tem contra si a questão do timing para a adoção de políticas. No caso do combate a uma pandemia o senso de urgência ganha proporções inigualáveis. No momento da crise cada dia que passa pode significar maior vulnerabilidade e maior probabilidade de mortes desnecessárias.

Veja o caso do Brasil. Quem está liderando o processo de implementação de políticas contra a crise é o Congresso Nacional. O timing do Executivo é muito mais lento. Na verdade tem sido passivo em grande parte do tempo. O Legislativo brasileiro tem ocupado o papel pragmático que caberia ao Executivo. Desenhar soluções rápidas e emergenciais para lidar com todos os elos prejudicados pela pandemia. E são muitos problemas e muitas necessidades de apoio.

Uma que já está em curso é a renda básica emergencial, um grande acerto para lidar com a falta de renda dos trabalhadores informais. Os demais planos para auxiliar os trabalhadores formais e as micro, pequenas e médias empresas precisam de maior amplitude e celeridade. As ações do Banco Central para inundar o sistema com crédito são fundamentais. A questão dos estados e municípios ganha enorme proporção devido às brutais perdas de arrecadação. Não há outro caminho: a hora é de gastar. Sim, a dívida pública aumentará. É assim mesmo. Mas é o que precisa ser feito para salvar vidas e evitar o colapso das famílias, das empresas e dos entes federativos.

Num segundo momento, após a saída da emergência em curso, serão necessárias ações de ajuste. Nesse momento as inconsistências temporais de políticas voltarão a ter sua preponderância. O que precisa ser dito de forma clara é que agora é hora de o Estado gastar. Como todo mundo, desenvolvido ou não, está fazendo. Quando a normalidade voltar e o contexto for outro, novas preocupações virão e deverão ser alvo de novas políticas econômicas das autoridades competentes.

O momento e o contexto demandam pragmatismo. A paralisia do dogmático pode acabar por provocar mortes desnecessárias, enquanto a pró-atividade do pragmático trabalha para evitá-las.

Menos dogmas, mais pragmatismo.

--

--