Dylan Hare e o papel da felicidade

Felipe Carneiro
Gente Extraordinária
6 min readApr 4, 2016

Sydney, Austrália. Março de 2016.

Dylan Hare é boa pinta. O cabelo curto aloirado, a mandíbula larga coberta por uma barba por fazer e uma covinha no queixo, os olhos azuis e o corpo rasgado que mais lembra uma aula de anatomia do sistema muscular chamam a atenção das mulheres na praia de Bondi. E olha que em Bondi basta olhar em volta e contar as beldades às dezenas. No dia em que concedeu entrevista ao Gente Extraordinária, por exemplo, o ator-celebridade Hugh Jackman apareceu sem camisa nos telejornais da noite por ter resgatado o próprio filho e um desconhecido naquela arrebentação. Dylan não viu a comoção na praia, pois estava no gramadão que separa a areia da avenida costeira, estudando um livro teórico sobre atuação teatral. Estava feliz. Era um dia bonito, de sol e temperatura amena, e ele estava a poucos metros de casa aproveitando a vista enquanto se aprimorava em seu ofício. Aos 27 anos, ele deixou para trás os dias de personal trainer para perseguir uma carreira no showbiz. Trabalhar para desenvolver sua arte em um cenário como aquele é inspirador o suficiente. “Pra mim, os momentos mais felizes são os mais simples. Eu amo sentar aqui e ficar lendo e acho que sou muito sortudo por poder fazer isso. Não estaria tão feliz se não estivesse trabalhando para atingir meu objetivo”.

Bondi não é muito diferente da praia da Barra, no Rio de Janeiro, ou de Malibu, em Los Angeles. Ainda que o calçadão carioca não tenha um skate park tão legal, nem Malibu conte com piscinas naturais de água do mar, os corpos esculturais e a onipresença de paparazzis a procura de famosos são comuns às três orlas. Além da boa fama, Bondi ainda é a praia mais próxima do centro de Sydney, a cidade mais rica da Austrália. Morar ali é para poucos: são locais e estrangeiros dispostos a bancar uma média de 980 dólares australianos (cerca de 2 600 reais) por semana para um apartamento de dois quartos. É fácil encontrar casas inteiras com jardim por metade desse valor na cidade, desde que mais longe do oceano. “Eu prefiro não deixar que o dinheiro me impeça de fazer certas coisas… meus amigos têm mais dinheiro sobrando para gastar com eles próprios do que eu, mas eles não estão tão felizes com o lugar que moram. Estou disposto a abrir mão dessa folga financeira para poder viver aqui”.

A história de Dylan é um conto hollywoodiano a espera de um final feliz. Ele nasceu em Deniliquin, um vilarejo de 7 500 habitantes a 300km de Melbourne, no sul da Austrália. Teve uma infância caipira sem sobressaltos até se formar na escola sem saber qual seria o próximo passo. “Entrei em pânico quando percebi que meus colegas sabiam exatamente o que queriam e como chegar lá, e eu não. Gostava de esportes, e achei que poderia ser a resposta”. Mudou-se para a cidade grande mais próxima e se formou em Educação Física. No Brasil, Dylan precisaria estudar por 4 anos para conseguir o diploma e estar apto a trabalhar na área. A Austrália tem um sistema educacional diferente, e nas séries equivalentes ao Ensino Médio é possível se profissionalizar em um sem número de ocupações, como chef de cozinha, fotógrafo, cabeleireiro, massagista, contador, etc. Para obter o registro profissional e alavancar outras carreiras, um curso complementar de um semestre pode ser o bastante. Foi o caso de Dylan, que depois de seis meses em Melbourne estava de volta a Deniliquin para ajudar seus conterrâneos a entrar em forma.

A opção não trouxe a satisfação que ele esperava. Foram precisos dois anos para criar coragem e tomar uma atitude a respeito. Talvez “criar coragem” seja um pouco injusto: o problema maior não era o medo do desconhecido, mas o desconhecido em si. Ele não sabia o que fazer com a vida se não fosse seguir trabalhando como personal trainer. Para sair da inércia, fugiu do frio sulista e foi se virar como garçom/barman/crupiê em uma boate de Surfers Paradise, balneário ensolarado da Gold Coast. “Foi a primeira vez que eu morei perto do mar, e eu nunca mais vou morar em qualquer lugar que não seja a praia”. A temporada longe dos pais também iluminou o caminho profissional de Dylan. “Entendi que saúde e fitness são fundamentais para mim, mas não me bastam em termos de carreira. E foi aí que acordei para minha vocação para o teatro”. Fez as malas mais uma vez, e em 2011 chegou a Bondi Beach, em Sydney. Queria se formar no prestigiado Acting College of Theatre and Television, mas desistiu na metade do curso de três anos em favor do Actor’s Centre, escola onde Hugh Jackman estudou quando jovem e hoje é patrono. “O mercado de atores é muito competitivo, não é fácil. Você precisa continuar trabalhando apesar das constantes rejeições. Então é isso que eu faço”.

Seis anos depois de ter chegado em Sydney, a carreira de Dylan não decolou. Seu currículo ostenta mais certificados e diplomas do que peças e filmes. Se não forem levadas em conta as apresentações curriculares, Dylan só teve a oportunidade de provar seu talento na película Drown (Afogado), onde interpretou um salva-vidas, e um piloto de uma série para a TV que ainda não sabe se irá ao ar. A falta de papéis de destaque não abala sua felicidade. “A gente está sempre perseguindo alguma coisa, mas precisa estar contente com o que já tem. Sinto que posso conquistar meus objetivos mais rapidamente e melhor se estiver curtindo o processo de tentar, ao invés de ficar infeliz enquanto não conseguir o que eu quero. Porque aí, mesmo que eu consiga, não ficarei feliz porque já vai estar na hora de buscar o próximo objetivo”. A maneira otimista de encarar a vida veio menos da própria experiência de Dylan, e mais de um professor que ministra palestras de life coaching (algo como ‘treinador de vida’). Dean Carey, o professor, também lhe ensinou que é fundamental se cercar de pessoas com uma atitude positiva para progredir na carreira. “Tive amigos que não têm essa mesma energia. Faço o que posso para ajudar, mas se sinto que estão presos na negatividade e não querem tentar mudar, minha tendência é me distanciar. Amigos vão e vêm, mas os que eu mantenho perto são os que pensam de forma positiva, como eu”. A julgar pelo sorriso constante, as lições de Carey funcionam. Pelo menos para Dylan.

A fixação de Dylan em metas vem de antes disso, é verdade. Aos 8 anos ele já fazia listas de resoluções de ano novo. Não dessas que guardamos na cabeça e que no dia 2 de janeiro já se perderam no esquecimento. As suas são listas escritas em papel, coladas na parede do quarto para serem lembradas constantemente — é sua maneira de visualizar o caminho para a felicidade. O hábito se internalizou de tal maneira que hoje Dylan acredita que tudo o que faz nas 24 horas do dia pode ser dirigido para uma conquista. “Minhas metas estão focadas na minha carreira como ator, então eu as incorporei no meu dia-a-dia. Se vou numa festa, passo o tempo todo observando o comportamento humano; entro no trem e tento aprender os maneirismos das pessoas”. Para manter o estilo de vida, faz bicos em anúncios comerciais para cuecas, fast food, academias e bebidas alcoólicas. Daquelas em que, pelo simples fato de se estar usando cuecas, ou comendo frango frito, ou malhando ou tomando cidra, a vida parece mais simples. E mais feliz.

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