Até onde você já foi por conta do trabalho?

Bruna Talarico
Gente Extraordinária
5 min readMar 2, 2016

Vulcão em erupção? Tiroteio em favela? Mergulho em esgoto?

Uma foca na praia ❤

Foca é o nome pelo qual a gente chama o repórter novato, recém-formado e inexperiente, mas cheio de vontade de aprender e estabanado até dizer chega. Grampos no cabelo, espinhas na cara, óculos deslizando pelo nariz e uma providencial toalhinha na mão para lidar com o suor do calor carioca: eu era, na foto aqui de cima, uma típica e serelepe foca enquanto apurava histórias das praias do Rio pelo Jornal O Dia, lá por 2009 ou 2010. Foi o meu segundo emprego como repórter. Meu primeiro foi no Jornal do Brasil; meu terceiro foi no O Globo. Depois vieram a Veja Rio e o portal iG. No G1, da TV Globo, eu era editora: não ia pra rua nem escrevia matérias. Deu saudades e decidi ~empreender~ e cair na estrada com o Gente Extraordinária.

Mas isso foi no meio do ano passado, e já falei da transição algumas vezes aqui no Medium. O que eu quero contar pra vocês aconteceu na semana passada. O cenário é Vanuatu, um pequeno conjunto de ilhas no Pacífico Sul muito conhecido por sua relação íntima com magia negra, história de canibalismo e presença de um dos vulcões mais ativos do mundo. Escolhemos o terceiro fator como âncora para o nosso trabalho jornalístico e fomos à caça de alguém que pudesse representar o espírito de Vanuatu e tivesse, de quebra, valores e ideias interessantes sobre a felicidade. Chegamos ao Esso, e a história dele vocês leem aqui.

Em Tanna: vizinhos do Yasur

Outro personagem importante para a história de hoje é Winston. Winston é um ciclone categoria 5 — a mais alta na escala de destruição — que devastou Fiji há 10 dias. Estávamos em Nadi, Fiji, quando ele passava perto de Vanuatu. Quando chegamos em Vanuatu, ele acertou Fiji. E quando chegamos em Tanna, uma das ilhas mais ao sudeste de Vanuatu… ele tinha voltado para a área. Sentimos Winston ainda no microavião de oito lugares, que voou aos solavancos enquanto eu soluçava de horror. Voltamos a encontrar Winston na nossa acomodação, uma cabana alugada por um local no topo de uma colina bem perto do vulcão. Nossa vista era nivelada com as erupções de Yasur, o que era demais. O que não era demais era o fato de nossas paredes serem feitas de cangas de praia presas por pregos em estacas de madeira. Imagine ventos de um ciclone como Winston fazendo seu único porto seguro expandir e contrair violentamente em questão de segundos, o tempo inteiro. O vulcão dava uns arrotos a cada 5 ou 10 minutos, e lá iam as cangas voando de novo.

Subimos em Yasur duas vezes. Na primeira noite, às 19h, éramos os únicos lá em cima. Sem sol, a única iluminação vinha da lava e da lanterninha do meu celular. Esso, íntimo de Yasur, nos guiou para o que vou chamar aqui de 'face oeste' (apenas porque era à esquerda do 'lago de cinzas' por onde chegávamos). Na segunda incursão chegamos com alguma luz, às 18h, e entendi o nível de conforto com o qual Esso lida com o fenômeno natural mais aterrorizador que eu já vi: o ponto onde estávamos na noite anterior era um penhasco íngreme para os dois lados, com não mais de um metro de trilha plana e 'caminhável'. Seguimos para a 'face leste' desta vez e, pensei, 'vai ser mais tranquilo agora'. Mas aí veio o Winston de novo.

Algo de mim + algo de Yasur

Uma ventania louca me fazia sacudir mais que as erupções do vulcão, e todos os cinco turistas que estavam ali com um guia desceram na hora. Tentei abrir o rebatedor para direcionar o resto de luz do dia no rosto de Esso, mas ao abrir a mochila todos os meus papéis soltos voaram pra dentro de Yasur. Não conseguíamos usar o tripé. Meu corta-vento me batia tão forte que doía ficar parada para conseguir as imagens. Começou uma tempestade. E foi aí a coisa ficou feia: quando chove perto de um vulcão é inevitável que algum nível de acidez esteja envolvido. A chuva batia pesada e forte, machucava e cheirava mal (já lavei o short jeans que eu usava no dia duas vezes, mas ele ainda está com um cheiro esquisito).

Eu e Felipe não dormimos nenhuma das duas noites que passamos em Tanna. Em determinado momento, quando a tensão e a privação de sono romperam o limite do razoável e começaram a nos deixar abobalhados, rimos de como o jornalismo sempre nos leva até o lugar de onde todos estão correndo. No caso, estávamos na beira de um vulcão em erupção enquanto um ciclone categoria 5 traçava sua rota para a nossa direção. Era para ser memorável. E foi.

Felipe e ~o equipamento~ no 'lago de cinzas'

Como jornalista já estive em tiroteio em favela; já mergulhei em esgoto (duas vezes!) no Rio de janeiro; já entrevistei black bloc foragida numa salinha escura no Centro do Rio… Lembro de uma situação bizarra em que, com pontos por uma cirurgia no ventre, fui mandada para a cobertura de uma enchente sem precedentes em Campos Elíseos, em Duque de Caxias — irresponsabilidade absurda da chefia de reportagem, que me ordenou, e minha, que aceitei. A água vinha no umbigo, e meu companheiro de pauta, o fotógrafo, foi sugado por um ralo enquanto tentávamos chegar às casas de moradores afetados. O jornalismo não é para principiantes — e não fica fácil nem para experimentados. Mas é uma delícia justamente por isso.

Não sabemos até onde conseguiremos ir com o Gente Extraordinária. Mas os lugares pra onde ele nos levou, definitivamente, estão entre os melhores das nossas carreiras.

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Bruna Talarico
Gente Extraordinária

Jornalista brasileira, estudo Media Management em Nova York para encontrar novas maneiras de comunicar o mundo. Co-fundadora do projeto Gente Extraordinária.