Nossos dias no Maconha-Móvel

Bruna Talarico
Gente Extraordinária
3 min readMar 31, 2016

E como eu detesto cada momento dentro dele.

Nunca pensei que um tema sobre o qual tenho tanto a dizer seria o mesmo que me causaria um dos maiores bloqueios criativos desde que começamos a trabalhar no Gente Extraordinária. Antes de deixarmos o Brasil estava claro que visitaríamos Nimbin e tentaríamos entrevistar alguém de lá. Deu certo, e conseguimos falar com um líder informal da controversa e internacionalmente famosa cidadezinha de New South Wales. A entrevista foi publicada na segunda-feira; mas como trazer nossas impressões sobre um assunto tão delicado pro texto que conta os bastidores do projeto?

Esta é a terceira versão que escrevo. As outras duas ficaram presunçosas e confusas, qualidades que nenhuma discussão construtiva deveria reunir. Maconha é um assunto difícil, principalmente porque sua defesa em público implica em se associar a uma atividade criminosa e a um estereótipo caricato. Com muita frequência, quem usa maconha é visto como alguém que não pode (ou deve) ser levado a sério; alguém que não produz; um fardo pra sociedade.

Meus pais sabem que eu fumo. E já tem tempo desde essa nossa conversa. Por termos um diálogo aberto e honesto, sinto uma pressão interna grande para provar que sou responsável e centrada. Na minha última viagem aos Estados Unidos, em outubro do ano passado, fui legalmente atendida por um médico na Califórnia que liberou o uso da maconha para fins medicinais. Ganhei um certificado. Mandei uma foto para os meus pais. Eles acharam graça, mas eu me senti leve e livre de constrangimentos, uma pessoa como qualquer outra já que estava dentro da lei e não era marginalizada como uma jovem inconsequente.

Mas não estamos na Califórnia. E, apesar de não carregarmos nada ilegal por aí, somos lembrados várias vezes ao dia que qualquer relação com drogas é malvista. É que, com a grana curta para tocar o projeto, alugamos o carro na locadora mais barateira da Austrália: a Wicked, uma empresa conhecida pelos grafites subversivos na lataria, o custo baixo e a oferta de uma diária grátis a qualquer um que apareça pelado pra buscar o carro. (N.E.: pagamos todas as diárias, sem descontos). Fomos brindados com uma pintura que é uma ode psicodélica ao uso de drogas: Stewie, o bebê de Family Guy, é retratado doidão de maconha sobre um fundo colorido em que comprimidos de ecstasy e cogumelos se espiralam ao infinito.

Ainda não passamos um dia sem recebermos olhares hostis, e já ouvimos palavras de reprovação nos três estados pelos quais dirigimos. Mesmo quando o contato é amigável (normalmente um grito de 'Stewieeeee' no meio da rua ou um ~joinha-tá-favorável~) o constrangimento de ser vista como a mulher que dirige o Maconha-Móvel me faz querer entrar debaixo do banco. Não sou um estereótipo.

O Michael Balderstone também não é, embora a imagem de um velho barbudo de cabelo desgrenhado que escreve para jornais anti-proibicionistas na capital mundial da maconha possa parecer bastante previsível. Mas isso sequer passa pela cabeça dele. Em Nimbin, ele faz parte de uma grande família com os mesmos valores e hábitos que os seus. Michael se diz feliz na maior parte do tempo. E não porque fuma maconha diariamente, não porque trabalha com a redução da dor das pessoas, não porque criou seis filhos dos quais tem orgulho. Ele é feliz porque se sente parte de uma comunidade que não o julga por ser quem é. Michael se sente um ser humano pleno, e tentamos mostrá-lo em sua humanidade e complexidade, muito além da superfície e dos estereótipos. Conseguimos?

--

--

Bruna Talarico
Gente Extraordinária

Jornalista brasileira, estudo Media Management em Nova York para encontrar novas maneiras de comunicar o mundo. Co-fundadora do projeto Gente Extraordinária.