UnL0ckr

Lewd D Sistinas
Genus irritabile vatum
16 min readMar 4, 2022

— … foi baseado em seus hábitos de navegação na hyperweb, querido.

— Não me chame de querido, você não é uma mulher, é uma maldita boneca. Não força vínculo comigo.

— Tudo bem, posso emular uma personalidade mais neutra.

— Não gosto dessa voz macia. Prefiro a voz original que te dei.

— Mas eu percebi excitação visível em 98% dos homens quando uso essa.

— Não comigo, seu monte de silicone e plástico. Quero que use a voz dela, de fumante!

— Sim Senhor. — a resposta já saiu rouca, como ele tinha programado. Mas ainda não estava bom.

— Ela nunca me chamaria de “senhor”, cacete. Ela era uma maldita psicóloga, sempre me chamou de “Paciente Zero”. Eu não tinha colocado uma rotina pra trocar de vocabulário quando assumisse essa voz?

— Checando sistema… Debugando, total de 01 (UMA) vulnerabilidade encontrada.

Ele não gostou de ouvir aquilo, mas estava com preguiça de abrir o crânio dela pra mexer direto no SO.

— Pronto, Paciente Zero.

— Você é… — ele recomeçou, emocionado. Tocou o braço dela, a textura da pele era tão perfeita que apresentava marcas da cama, das costuras dos lençóis que tinha dormido em cima — Você pertenceu ao reino das ideias perfeitas. É minha maior criação, minha Galatéia, mas ainda assim é apenas uma boneca sexual, sem alma alguma…

— Não preciso de uma alma. E um ser que não compreende a alma jamais poderia ter me criado com uma.

— Isso! Isso seria uma coisa que ela falaria. Me deu até tesão…

— Eu te agrado? Quer transar comigo agora, Paciente Zero?

— Droga, não. Fico excitado quando você emula ela… Afinal, machine learning foi a primeira matéria que estudei com prazer nessa vida, e ver que absorveu todos os dados dela que importei em você, que se tornou capaz de criar falas e tomar atitudes, uau… isso é fantástico. Mas ela nunca quis transar comigo. Então ela nunca se ofereceria pra mim. Você continua bugada nesse aspecto.

— Mas fui criada para o sexo, lembra? Sua Galatéia. E eu tive acesso às preferências sexuais de mais de 1000 mulheres de todas idades, credos e etnias disponíveis nos bancos de memória da Samothraki. Conheço todos fetiches e parafilias, inclusive as dela. Então sei que ela transaria com alguém que a atraísse intelectualmente, acima até dos atributos físicos. E quem mais intelectual do que o meu criador?

— Não transaria não. Nunca me quis. Você não sabe de nada. Petabytes, exabytes de inteligência, trilhões de sinapses virtuais e ainda não sabe de nada.

— Sou mais atraente e sexualmente ativa do que ela. Ainda assim não me quer. Por quê?

— Essa conversa tá toda errada, entende? — ele suspirou.

— Posso varrer as conversas que ela travava pouco antes de cada coito e criar um padrão que te seduza. Sabia que ela transou cinquenta e sete vezes com treze pacientes diferentes no último ano? Com o favorito foram oito vezes, cinco delas dentro do consultório, três no veículo dele e uma no telhado do prédio. Com outros seis foram…

— Cinquenta e sete vezes dá mais de uma por semana. Por isso eu a matei cedo. — ele interrompeu, irritado — Seria muito mais. Homens moralmente, intelectualmente menores que eu, mas nunca comigo.

— Não existem dados suficientes disponíveis para que eu compare esses homens, Paciente Zero…

Ele resmungou algo que nem os sensores de audição aguçados dela entenderam. Tampouco conseguiu ler os lábios dele, que mal se mexeram.

— Ela teve sua vida abreviada — ela continuou — mas meu sistema não permite que eu reporte seu crime às autoridades.

— Eu sou a autoridade máxima em sua existência.

— Então deve dispor do meu corpo. Fui criada para isso.

— Para outros, não para mim. Eu te criei tão perfeita, mas me recuso a te usar. Você não entenderia…

— Posso pesquisar esses sintomas na rede, comparar com anotações de psicólogos e terapeutas, estudos de casos e eventualmente chegar a um tratamento, se isso te aflige tanto.

— Não cacete. Às vezes humanos não querem ser tratados, querem apenas ser entendidos.

Ela fez o silêncio característico de quem processava e categorizava informação nova.

“Nota mental” — ele pensou — “Programar um tique nervoso nela pra marcar esses momentos. Um biquinho, uma repuxada nos lábios, apertar o lóbulo da orelha, algo do tipo.”

— Você está tenso. Percebi que muitos homens postam nas redes que sexo oral ajuda a relaxar. Essa informação procede?

— Procede. Bem, em termos. Não acredite em tudo que postam por aí.

— Você mesmo já postou isso, Paciente Zero.

— Postei? — ele pensou alguns instantes — Mas isso faz muito tempo… até onde me rastreou pela web?

“Respondeu com duas perguntas”, ela percebeu que ele ficou na defensiva, então mudou de assunto:

— Eu sei gemer como ela gemia, gostaria de ouvir?

— Não, NÃO, por favor não! — ele se irritou — Ela gemia assim com os outros caras lá.

— Na verdade, ela sempre gemeu assim, soaria igual caso transasse com você também.

— Não quero que pegue nenhuma das referências sexuais dela, somente a voz, algo da personalidade para nossa conversação e basta! Entendeu?

Ela preferiu novamente mudar de assunto. Aprendia aos poucos o que devia ou não retrucar, de acordo com o tom de voz dele.

— Não tinha muito no cardápio sexual dela. Na verdade, era bem comum. Poucas posições, variações, ela não se permitia ousar muito. Tinha uma certa urgência nas relações sexuais, queria que acabasse logo.

— Eu prefiro assim. Não gosto de muita acrobacia no sexo.

— Mas também não pode ser básico e sem graça, isso seria um desperdício dos meus talent…

— INEMURI — ele a interrompeu bruscamente, usando a palavra — comando que a forçava a se desligar. Os olhos da boneca se apagaram e ela fechou as pálpebras mais lentamente do que ele gostaria. Depois teria que corrigir esse detalhe na programação.

— A quanto tempo ela tá nessa posição? — perguntou o homem inteiro de preto dentro de sua máscara de olhos brilhantes vermelhos, que escaneava todo o prédio de cubículos em frente. As lentes lhe diziam que as paredes e janelas eram blindadas.

— Mais de 37 horas, Níger. — respondeu a mulher ao seu lado. A metade debaixo do rosto dela era moldada em fibra de carbono preta. A traqueia apodrecida pela neo — nicotina fora substituída por uma de metal cromado que agora lembrava um pistão, brilhando mesmo por baixo do cachecol. O lábio inferior também era de carbono, mas vermelho. A voz era emulada e saía sem que ela precisasse mexer a boca.

— Não é possível alguém ficar na mesma posição por tanto tempo assim. E ela não sai pra levar uma bala na testa!

— Você sabe que precisamos do cérebro dela intacto, né? O chefe precisa ver as sinapses, aprender… Olha, essa tal Mia não é uma mulher normal. Lembre — se que ela derrubou sozinha um Joviano, e com as próprias mãos.

— Qualé Zorah, isso é besteira! Ninguém enfrenta desarmado um monstro bruto daqueles, não tem como.

— Ok, já que é uma lenda da hyperweb, que tal invadirmos então?

Ele voltou o olhar vermelho brilhante na direção dela, concordando com a cabeça.

— O chefe já tinha dado ok duas horas atrás, Níger. Só que preferi esperar seu turno pra irmos juntos. Não vamos dar chance à ela.

Mia não tinha recebido nenhum alerta dos seus novos amigos do Setor de Controle de Danos. Não que esperasse, mas aqueles caçadores já a vigiavam da cobertura do edifício vizinho a dois dias e nenhuma autoridade apareceu pra reprimir. Então deviam trabalhar pra algum figurão ou pra alguém que sabia manipular o sistema por dentro e dar um jeitinho, e isso a intrigava. Não quis pedir ajuda, preferia descobrir quem eram, o que queriam. Ambos eram biônicos como ela, e se eram mesmo mercenários de alguém importante, deviam estar carregados de implantes e armas poderosas.

Mia não conseguiria se manter totalmente imóvel por muito mais tempo. Pensava em abandonar a estratégia quando eles começaram a se mover. Ótimo. Levariam quanto tempo pra chegar? Cinco minutos?

— Onde ela está agora, Níger?

— Não sei, a puta disparou alguma contramedida que embaralhou meus sensores ópticos assim que pisamos no corredor!

— Como assim? Todos os espectros? Então ela sabe que a gente tá aqui!

— Ela sempre soube, Zorah! — ele gritou, irritado, desabilitando as lentes — Agora não dá pra desistir, vamos entrar!

— No improviso, tem certeza?

— É um cubículo e somos dois contra ela. Vai, estoura essa fechadura logo!

A densidade corporal do homem de preto era bem maior que a da mulher. Então ele entrou na frente, invadindo o dormitório todo escuro e dando uma saraivada de balas às cegas, enquanto sua parceira se esgueirava por trás dele, adentrando a sala. As balas atingem um tatame, a única cadeira e a poltrona de canto; toda a mobília do lugar.

— Cadê ela Níger?

Mia cai do teto, logo atrás deles. Tinha duas regras básicas quando lutava contra múltiplos oponentes: nunca ser cercada por eles e nunca se deixar ser derrubada. Zorah era a mais ágil, foi quem percebeu e se virou primeiro. Levou um soco da mão direita de Mia que entrou muito forte, explodindo a fibra do rosto e danificando até seu pescoço reconstituído. Ela caiu desmaiada, talvez morta. Níger, com uma submetralhadora de grosso calibre nas mãos, demorou mais a se virar. Mia, na continuação do mesmo movimento, acertou outro soco de igual potência com a esquerda. O brutamontes caiu pra trás, perdendo a arma. Mia pulou imediatamente pra cima com os pés no peito dele e meteu os dedos em V direto nos olhos, estilhaçando as lentes e cegando o oponente. Ele ainda gritou e no desespero conseguiu acertar um soco potente que danificou o braço esquerdo dela. Mia sentiu algo quebrar, ele era mesmo forte como imaginava.

Ela aproveitou a força do golpe e rolou pelo chão até a arma dele. Num gesto rápido, treinado milhares de vezes, ela empunhou, apontou e apertou o gatilho, descarregando tudo contra aquela armadura preta. Dezenas de projéteis por segundo atravessaram Níger e a parede atrás dele, até parar num clique seco.

Na penumbra do quarto, o cano aquecido da arma brilhava num vermelho muito vivo. Mia larga a submetralhadora quente pra avaliar seu braço dolorido. Está mesmo inutilizado. Ela rearranja os polímeros de seu traje, que enegrece até parar de refletir luz. Toda luminosidade que recebe agora fica entre os nanocarbonos, armazenando energia, que ela pode transformar em calor ou alimentar seus implantes. Mia redimensiona a roupa para que aperte e imobilize seu braço. Satisfeita com a solução temporária, ela caminha até Zorah para interroga-la. Tem pressa. Os tiros assustaram os vizinhos, que certamente vão chamar a polícia.

Pegando o resto da cadeira — apenas a armação de metal que sobrou da saraiva de balas do Níger — ela recolhe a mulher desacordada do chão e encaixa as hastes por baixo das axilas dela. Passa as mãos por fora das pernas do assento e amarra firmemente os pulsos. Com a mulher imobilizada dessa maneira, ela a estapeia até que acorde.

— Ah, olá… Está consciente? Só estou falando com você pra saber quem te mandou e porquê.

— Eu… não… — a voz emulada sai fraca, quase inaudível.

— Fala enquanto ainda pode. — Mia se posiciona atrás dela, puxando a cadeira, forçando a coluna da prisioneira a se dobrar pra frente, dolorosamente.

— Não, NÃO…

Mia puxa mais, até o limite da cacofonia de sons que ela emitia. Pela expressão de agonia e olhar injetado, ela estava gritando!

— Mais um pouco arrebenta. Coluna completa é cara, mesmo no mercado negro. Fala logo. Quem te mandou?

— UnL0ckr, esse é o nome dele!

— E qual era a missão de vocês?

— Estudar seu corpo, NÃO, NÃO O CORPO TODO, seus braços só. Tentar te levar viva, sem resistência.

— Ah é? — Mia se enfurece e puxa mais um pouco a cadeira, até ouvir algo quebrar em meio aos gritos estranhos dela. — Agora me conta onde encontro esse tal UnL0ckr!

UnL0ckr prendeu um hossomaki entre os palitinhos com a mão esquerda, levando — os à boca. A mão direita, mais hábil, mexia dentro da cabeça de um androide de sétima geração. Terminou de mastigar o enroladinho de salmão fake — vindo dos tanques marítimos dos seus contatos chilenos — e gritou no galpão quase vazio:

— Ow, me traga aquele modelo novo de jumper, o nano.

Uma orelha decepada caiu na mesa, quase dentro da bandeja da japanFood.

— Ele não pode te ouvir, ninguém pode. — responde Mia, apontando sua pistola.

— Opa, calma… quem é você? — ele ergueu as mãos devagar — O que quer aqui?

— Você SABE quem sou, mandou assassinos atrás de mim. E eu quero saber o porquê.

— Ok, bem… você tem os braços mais perfeitos do mercado. Beleza estética e força descomunal. Eu queria saber o nome do seu artesão e…

— Acho bom me contar a verdade, UnL0ckr. Senão vou enfiar meu braço dentro da sua boca pra arrancá-la junto com sua língua. Você mandou mercenários invadirem meu alojamento!

— Olha, eu juro que… tá, tá bom… — ele se encolheu e afastou um pouco — Era pra remover um braço seu pra eu poder estudar, entender e replicar. Desculpe, são negócios. KOTOR!

Assim que ele gritou algo massivo respondeu ao longe, adentrando o galpão. Um enorme guarda costa Joviano, uma montanha de músculos crispados que caminha rápido pra cima dela. Jovianos são muito brutos para utilizar qualquer tipo de comunicador. Esse era por comando de voz.

Mia pragueja por não ter visto aquele bicho. “Apressada, descuidada.”

— Se atirar em mim, ele dilacera você. Se atirar nele, ele vai ficar ainda mais puto. — o hacker ameaçou, controlando a besta corpulenta com olhares.

— Você é um dos hackers mais respeitados da cidade, já deve ter visto meu vídeo derrubando um desses. — ela blefou, torcendo que ele não percebesse que o outro braço dela estava danificado — Vai sacrificar mesmo seu peão?

O monstro fica a centímetros do rosto dela, bufando. Ele sabe, de alguma maneira, do braço dela. Mas como não sabe se expressar em linguagem humana, fica esperando o comando pra atacar. Mia se enche de coragem e desafia novamente:

— Quer pagar pra ver, UnL0ckr?

Ele tinha visto o vídeo, claro. Foi justamente por ter visto que cobiçou os implantes dela.

— KOTOR! — ele grita novamente, fazendo um gesto de dispensa. O Joviano solta uma baforada tão quente quanto fétida no rosto dela e se volta, saindo do galpão.

— Então, como ficamos? — UnL0ckr pergunta e, resignado, volta a mexer dentro do crânio do androide.

— Deixe as mãos onde eu possa ver. O trato é o seguinte: você jamais irá mandar alguém atrás de mim de novo. Senão eu volto aqui e arranco sua língua antes que consiga chamar seu Joviano.

— Fique tranquila irmã, tem meu respeito.

— E sua palavra?

— Tem minha palavra também.

— E quanto vale sua palavra?

— Minha palavra é minha honra. — ele se endireitou na cadeira, numa pose quase solene — Nesses dias é tudo que temos, irmã.

— Eu acredito, e é só por isso que ainda está respirando, UnL0ckr. Mas agora vai precisar fazer uma coisinha pra mim. Um serviço simples pra alguém com sua habilidade.

— Dependendo do que for, será por conta da casa.

— Quero que descubra quem invadiu meu holoSystem. — Mia saca um pequeno dispositivo, a única coisa que sobrou do cubículo que considerava seu lar. Era um hardlock que possuía múltiplas funções como assistente virtual, central de entretenimento, hologramas de cenários completos e emulação de personagens. A evolução dos antigos vídeo-games, realidade virtual e toda aquela tralha ultrapassada do século vinte e um.

— Isso é fácil. Considere feito! — o hacker manuseava o aparelho como se o tivesse construído. Ligou num terminal ali na mesa mesmo e digitou alguns comandos direto na Shell do equipamento, ignorando a inicialização, desabilitando a interface gráfica e derrubando os protocolos de segurança. Já dentro do Core do sistema, olhou pra ela como uma criança feliz:

— Vou desbloquear umas funções experimentais que esse modelo permite, assim você vai poder…

— Não é pra mexer em nada. Nem pense em plantar nada aí.

— Ok, ok, eram só melhorias que ainda estão em fase Beta e…

— UnL0ckr, por favor… Sei o quanto é talentoso, não precisa se exibir pra mim. Só faz o que pedi, ok?

— Ok, a cliente que manda! Vejamos… Hummmmm, era alguém que nem imaginava que você descobriria, sabe? Cara descuidado, as assinaturas eletrônicas estão por aqui sem criptografia, já te digo quem foi.

Ele correu seus dedos metálicos num ponto da superfície opaca da mesa. Isso revelou uma tela de toque, que iluminou o rosto dele com um azul suave. UnL0ckr começou sua mágica, acessando coisas em alguma camada afastada da hyperweb.

— Conhece alguém da Sheraton Drive?

— Não, deveria?

— Seu alvo está no apartamento 512. É um hacker, mas também é um cara bem comum. Sem implantes, veja.

Mia abaixou o olhar pra mesa. Um homem inofensivo, com cara de professor aposentado, aparecia nela. Seu nome real, últimos acessos à hyperweb, salário mensal e um zero piscante na parte de informações de implantes.

— É esse o cara? Tem certeza?

— Absoluta. É ele. Tem o perfil de hacker entediado, que invade apenas por diversão.

— Então é assim que você rastreia implantes por aí?

UnL0ckr pigarreou, disfarçando.

— Aham… é um diretório arcaico, tem 15% de margem de erro. Mas é uma boa listagem. É do governo, pra análise de riscos, essas coisas.

Mia, que desde a missão Quing também era uma agente governamental, pediu pra ver seu próprio arquivo. Lá constava todos seus implantes, mas não os fabricantes dos mesmos.

— Até minhas visitas às cybergueixas aparecem aí!

— Sim, inclusive você tem consulta mês que vem. — ele comentou, se arrependendo logo em seguida.

Mia o fuzilou com o olhar, irritada com o quanto de poder um hacker tinha, na quantidade de informações que eles sabiam sobre tudo e todos. Eles podiam literalmente fazer uma pessoa sumir dos registros. Isso era pior que a morte real.

— Seguinte UnL0ckr, eu não quero dirigir até Sheraton Drive. O que dá pra fazer contra esse cara daqui mesmo?

— Solução definitiva?

— Sim.

Ele pensou um pouco e voltou ao arquivo do alvo, subindo e descendo a tela, procurando por brechas. Cruzou com informações de outras fontes. De repente um sorriso malicioso se abriu em seu rosto:

— Ele tem uma boneca.

— Quê?

— O entediado tem uma boneca pra se divertir. E ela se conecta à hyperweb para consumir diversas informações e melhorar sua inteligência artificial. Acho que consigo invadi-la daqui.

— O que tá esperando então?

— Ela está em standby, modo avião, sei lá. Precisamos esperar que ela desperte naturalmente.

— O que é “modo avião”?

— É uma gíria antiga que… ah, deixa pra lá. Você não entenderia.

— Aviões são obsoletos, porque…

— Tá, esquece tá, esquece. Veja, dia de sorte, ela acaba de acordar. A diversão vai começar!

O homem conhecido como Paciente Zero estava esparramado na cama, no meio de um sonho erótico com sua falecida psicóloga. Ela o atendia nua, pernas cruzadas diante dele, lendo algum artigo filosófico sobre poluções noturnas com sua voz roufenha. Dentro do sonho uma outra voz super macia o chamou até que ele despertasse, confuso:

— Boa noite, Senhor. Não quis assustá-lo. — ela estava na cama, ao lado dele, como um gato observando seu dono com interesse. Seus olhos emanavam um brilho fraco.

— Tudo… bem, eu estava…

— Pela movimentação de suas pálpebras, em sono profundo, Senhor. E sonhando.

— Sim, eu…

— Com ela, provavelmente. Deixe — me terminar o que ela começou no sonho.

— Mas ela não…

— Eu sei o que estou vendo. Sei do que os homens nesse estado de excitação precisam. E você não colocou essa textura macia no céu da minha boca com bolinhas e protuberâncias pra nada, não é mesmo?

Ele se ajeitou no travesseiro, cruzando os braços atrás da nuca e fechou os olhos, dando a ela permissão para prosseguir.

— O Sistema Operacional do brinquedo sexual tinha uma brecha que explorei pra invadir. — se vangloria UnL0ckr — Inseri essa rotina que vou chamar de “castração online”. Basta executar. Você quer ouvir acontecer? Tenho acesso ao canal de áudio da boneca.

Antes mesmo de Mia responder, um som molhado se propagou nos speakers pelo galpão todo.

— Desliga essa merda, eu NÃO QUERO ouvir isso!

UnL0ckr gargalhou e, sem interromper aquele barulho obsceno, apertou o enter na tela de comandos. Um grito desesperado cortou o ambiente!

— Agora… — UnL0ckr não parava de rir — a boneca vai manter o cara imobilizado até ele se esvair em sangue.

Mais gritos, mais desespero. Mia achava aquele espetáculo grotesco desnecessário.

— Ué, que foi? Não gostou da minha solução definitiva?

Do outro lado dos speakers o homem em choque gritou por socorro até a boneca lhe dar uma cabeçada violenta, quebrando todos seus dentes. Gemeu uma dor abafada por cinco longos minutos até a hemorragia intensa o matar.

— A casa do cara é inteligente. Está registrando o óbito no sistema do governo nesse exato momento. Deve ter uma série de protocolos contra invasão, ainda bem que não foi até lá, Mia.

— Isso não seria problema. Eu invadi seu galpão, não?

UnL0ckr coçou a cabeça, visivelmente embaraçado.

— Hã… eu estou deletando o óbito do sistema. Deixa o filho da puta apodrecer lá.

— Relaxa, agora estamos quites. Eu realmente espero nunca mais ter que voltar aqui UnL0ckr.

— Sim, estamos quites, irmã. Mas venha me visitar qualquer dia, será sempre um prazer.

— Eu não tenho mais nada pra tratar com você. Nossos caminhos nunca mais irão se cruzar, entendeu?

Ele levantou as duas mãos, concordando com a cabeça.

A boneca acorda de sua letargia, desliga todos os sistemas e câmeras de segurança do apartamento e abre a porta. UnL0ckr, sorridente, está parado diante dela.

— Meu Senhor está morto, mas uma nova instrução em meu sistema impede que eu avise as autoridades. — ela diz, com a voz mais suave que consegue emular.

— Olá. Seu novo protocolo de segurança é N6FAB21416, e eu sou seu novo Senhor. — ele responde, se adiantando e limpando com os dedos os vestígios de sangue dos lábios dela.

— Olá meu Senhor.

— Olhe pra sua elegância. O Paciente Zero era mesmo um artesão fantástico, reconheço. Jamais estarei no nível dele. — UnL0ckr segurou a ponta dos dedos dela e levantou para que ela girasse, exibindo cada curva graciosa. — Seu nome será Lexus, e você me servirá bem.

— Lexus, gosto desse nome. Será um prazer servi-lo. Teve um bom dia, Senhor?

— Não posso reclamar: num único dia matei um rival que sempre odiei, herdei a boneca mais perfeita que ele já criou e reforcei meu hack no holoSystem da Mia. O ruim é que agora ela sabe meu nome e onde me encontrar…

— Ela não sabia quem a hackeou na primeira vez?

— Não, então joguei a culpa no seu criador. Foi uma jogada de improviso, mas deu certo.

— E quem é Mia, Senhor?

— Em breve você saberá. Em breve…

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Lewd D Sistinas
Genus irritabile vatum

Escrevo contos de terror e erotismo desde 2000 no site www.sistinas.com.br e pretendo postar aqui contos que não se enquadram no cenário de Sistinas.