Dados do paleomagnetismo da Ibéria e o seu interesse de estudo para o magmatismo e cinética no Cretácico: Novo polo paleomagnetico da Ibéria

Giulia Resta
geologicalthings
9 min readJul 20, 2020

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R. Silva* , E. Font*

*Departamento de Ciências da Terra, Universidade de Coimbra, Portugal

1.Introdução

O movimento da placa da Ibéria ainda é um assunto pouco conhecido e bastante debatido. Uma das maneiras para determinar o movimento das placas é com o paleomagnetismo, no entanto, em questão ao paleomagnetismo da Ibéria no Cretácico não existe muitos polos paleomagnéticos de qualidade devido a limitações como o Superchron de polaridade normal do Cretácico uma vez que dificulta a reconstrução paleogeográfica a partir de anomalias magnéticas marinhas, remagnetização das rochas e escassez de rochas magmáticas. Por estes motivos levamos o estudo de uma soleira localizada em Anços no concelho de Sintra distrito de Lisboa que fica a 10,3 km de Sintra, de modo a fornecer um novo polo para esta temática. Estes novos dados poderão contribuir e confirmar teorias debatidas sobre a história da cinética e do magmatismo da Placa da Península Ibérica.

2. Enquadramento Geológico

O local em estudo situa-se em Anços no concelho de Sintra distrito de Lisboa que fica a 10,3 km de Sintra, e tem por coordenadas Lat 38,87º e Lon -9.31º (Fig.1). A soleira NA está localizada na zona sul da Bacia Lusitana, uma bacia sedimentar Mesozoica, originada por rift, localizada a offshore e onshore na costa oeste da Península Ibérica. A atividade de rift teve lugar desde o Triássico inferior ao Cretácico superior, com rift continental no Triássico e rift oceânico no Jurássico até ao presente.

Em torno de Lisboa, uma série de corpos ígneos do final do Cretáceo invadiu a Bacia Lusitana (Fig. 1), com idades que variam de 94 a 80 Ma (Matos Alves 1964; Matos Alves et al. 1980; Palácios 1985; Terrinha et al., 2003; Miranda et al., 2009; Grange et al., 2010; Miranda 2010; Neres et al., 2014). Estes corpos compreendem lavas, diques, soleiras e lacólitos, os maiores volumes pertencentes ao Complexo de Sintra (84–79 Ma) e ao Complexo Vulcânico de Lisboa. Juntamente com os complexos de Sines (75 Ma) e Monchique (72 Ma), que afloram mais a Sul de Portugal continental, esses corpos magmáticos constituem a maioria da província alcalina do cretácico superior da Península Ibérica, conforme definido por Rocks (1982) (Neres et al., 2014). As formações rochosas do local em estudo ocorrem sob a forma de soleiras intercaladas em calcários do Cretácico superior sub-horizontais ou ligeiramente inclinados com cerca de 10 km de extensão subparalelos ao eixo da cadeia de Sintra-Caneças (ENE-WSW). A sua espessura varia de poucos metros a 150 m. As rochas são negras mesocráticas, porfiriticas, com matriz afanítica cinzenta e com fenocristais feldspáticos abundantes e alguns máficos. A matriz por vezes aumenta de granularidade passando a tipos petrográficos francamente granulares. Por outro lado, também há por vezes a um aumento de fenocristais que dá a aparência granular (Ramalho et al.,1993).

Das soleiras de Anços e Montelavar, destacam-se algumas das características que Alves et al. (1972) descreveram com pormenor: A mineralogia, essencialmente constituída por plagioclases (labradorite), contendo quantidades importantes e variáveis de clinopiroxena (augite). As plagioclases encontram-se, por vezes, zeolitizadas, prenitizadas e orladas de feldspato alcalino. Presentes, também, pseudomorfoses de olivina, analcite, clorite, magnetite e quartzo secundário (que pode coexistir com analcite). Ainda biotite, anfíbola, esfena, apatite, mineral opaco e serpentina (Ramalho et al,1993). As rochas são identificadas como Traquibasaltos segundo a notícia explicativa da carta geológica 34-A.

3. Métodos e materiais

As amostras foram coletadas no campo com um furador para rocha alimentado a gasolina e orientadas com uma bússola magnética. Os tarolos retirados foram marcados com uma reta que corresponde à projeção horizontal do azimute e uma seta que aponta o topo do tarolo, são marcados outros segmentos que indicam a projeção vertical do azimute, estas também apontam para o topo do tarolo. Depois de marcados, os cilindros são cortados no laboratório em segmentos de 2,2 cm de diâmetro e 2,5 cm de altura. Os cilindros que foram analisados para este estudo são AN4, AN5, AN6, AN7 AN8, AN9, AN10, AN11, AN12, AN13 e AN14, e destes 11 cilindros foram analisadas 72 amostras. Após serem cortadas as amostras passam por um processo de desmagnetização em campo alternado (AF). A desmagnetização é feita por passos de 0 até 100 militesla (mT) e em cada passo o magnetómetro mede a declinação (Dec), inclinação (Inc) e intensidade do vetor magnético, com este processo são identificados os vetores da magnetização primária e os da magnetização secundaria. Foi utilizado o magnetómetro minispin (Molpsin Ind.) para realizar estes processos. As Características de Magnetização Remanescente (ChRM) e o seu respetivo polo paleomagnético (VGS) foram calculados a partir dos componentes analíticos de [Fisher 1953] usando o software Remasoft (Agico). As amostras foram analisadas uma a uma calculando o vetor magnético selecionado no passo de desmagnetização de modo a obter o melhor ajuste possível e menor valor de MAD (maximum angual deviation) possível. Na função “Group Statistics” do software foi calculado a média dos ChRM e o seu polo paleomagnético (VGS) (Fig. 2). Para analisar o polo paleomagnético foi utilizado o software Gmap2015, este foi comparado por polos referenciais da Península Ibérica e por polos dos locais PI (Paço de Ilhas) e FF (Foz da Fonte) retirados do artigo de Neres et al., 2012.

4.Resultados

Foram analisadas um total de 72 amostras das quais 53 eram viáveis para fazer a reconstrução do polo paleomagnético. Os valores médios dos 53 vetores calculados (ChRM) são: Dec=347,6º , Inc=43,1º , R= 52,71, K=177,23, a95= 1,5º; a atitude calculada do polo paleomagnetico é: Paleo-Latitude (PLat)= -72,7º , Paleo-Longitude (Plon)=31,6º , a95= 1,5º o que o posiciona no hemisfério sul (figura ). O software também calcula a Paleo-latitude do bloco rochoso sendo esta =25,1º. O polo paleomagnético de AN encaixa-se entre os polos de PI de 88 Ma e FF de 94 Ma (Fig.3), e apresenta uma latitude bastante similar a PI. Estima-se que a soleira de Anços (AN) tenha uma idade que se encaixa no intervalo de 94 a 88 Ma.

5. Discussão

Foi feito um estudo da soleira de Anços em que foram realizadas as medidas e desmagnetização em campo alterado para poder calcular o vetor médio e com ele calcular um vetor paleomagnético que vai ser comparado com um banco de dados já publicado por Neres et al., 2012. A partir do dados obtido conseguimos isolar uma componente magnética com 53 amostras que tem uma direção de Dec=347,6º, Inc=43,1º, R= 52,71, K=177,23, a95= 1,5º e um polo paleomagnetico correspondente com PLat= -72,7º , Plon=31,6º, a95= 1,5º. Um fator muito importante nestes casos é a qualidade dos dados obtidos, e quais as sua evidencias para que esses sejam fiáveis ao estudo. Para que os dados sejam de boa qualidade estes tem de corresponder aos fatores de qualidade Q de Van der Voo (1990) que são: Idade bem definida da rocha e presunção de que a magnetização é da mesma idade; Quantidade suficiente de amostras: N>24, k≥100 e a95≤16; Desmagnetização adequada incluindo a análise em componentes principais (ACP); Testes de consistência que constringem a idade da magnetização; Controlo estrutural e coerência tectónica com o cratão ou os blocos envolvidos; Presencia de inversões; Não ter similaridades com polos de idade mais recentes. Alguns destes fatores não são possíveis de analisar devido às características do local de estudo e outros são questões que se pretendem responder com o próprio estudo, como por exemplo, a idade da soleira. Não existe inversões nos vetores uma vez que se trata de rocha magmática com um arrefecimento rápido. O número de amostras é superior ao mínimo (24), o valor de k é superior a 100 e o valor de a94 é bastante inferior a 16. Nas projeções dos dados os vetores são bem definidos e apontam para o centro, o que indica que é o vetor original. A coercividade das amostras está num intervalo de 20 a 30 o que indica que é um bom sinal, o que sugere que o portador principal dos vetores é a magnetite de coercividade média com uma magnetização bastante estável. O polo paleomagnetico da soleira de Anços foi comparado com um banco de dados fornecido por Neres et al., 2012. Estes dados são polos paleomagneticos da Ibéria com diferentes intervalos de idade definidos. Estes dados foram necessários devido à falta de polos de qualidade da Península Ibérica no Cretácico superior, uma vez que maior parte dos polos existentes foram provenientes de rochas sedimentares que são sujeitas a remagnetização [e.g., Dinarès-Turell and Garcia-Senz, 2000; Font et al., 2006; Gong et al., 2009, 2008b; Jackson et al., 1992, 1993; McCabe and Elmore, 1989; Neres et al., 2012]. Os polos médios de Neres et al., 2012 foram calculados a partir de um conjunto de dados de uma seleção de polos paleomagneticos da Ibéria de 66 Ma a 160 Ma, a partir dai os autores fizeram para cada intervalo de tempo uma média desses polos selecionados e na figura 3 mostra-se esses polos, os círculos desses polos são os intervalos no qual há 95% de probabilidade do polo estar naquela região. Nesta figura (Fig.3) também foi colocado 2 polos de duas soleiras a Foz da Fonte (FF) e Paço de Ilhas (PI), que são bastante similares à soleira deste estudo. Ao representar o polo da soleira de Anços com os polos de Neres et al., 2012 observa-se que estes polos se intersetam, e observa-se também que o polo AN e PI apresentam uma latitude semelhante, estes resultados sugere que a soleira de Anços tenha uma idade no intervalo 94 a 88 Ma. Supondo que se obteve um polo de qualidade e que num estudo futuro se faça datação radiométrica com precisão, este polo pode servir como referência para a curva de deriva da placa da Ibéria no Cretácico e consequentemente estudar melhor a sua sinemática, visto que ainda é um tema bastante debatido. De acordo com Miranda et al., 2010 existe 4 ciclos magmáticos do Mesozoico, e que cada ciclo apresenta vários pulsos. Miranda et al., 2010 dataram vários corpos magmáticos do Cretácico superior e chegaram à conclusão que existe dois pulsos no 4º e último ciclo do magmatismo do Mesozoico sendo estes de 75 a 72 Ma estando representados pelo maciço de Monchique, de Sines e Sintra, e de 94 a 88 que está representado por várias soleiras como a Foz da fonte, Paços de Ilhas e outras tanto por aí espalhadas. Este trabalho de Miranda et al., 2010 veio a desmentir a partir das idades a teoria que o magmatismo do Cretácico era todo de idades de 75 a 72 Ma, e com o estudo da soleira de Anços pudesse confirmar que a teoria proposta por Miranda et al., 2010 seja plausível e que muitas das soleiras fazem parte desse mesmo pulso do Cretácico 94 a 88 Ma.

6. Conclusões

O vetor médio calculado a partir das amostras da soleira de Anços tem direção de Dec=347,6º, Inc=43,1º , R= 52,71, K=177,23, a95= 1,5º. O polo paleomagnetico (VGS) apresenta as coordenadas PLat= -72,7, Plon=31,6º , a95= 1,5º. A soleira de Anços apresenta um intervalo de idade de 94 a 88 Ma. Neste tempo o bloco da Ibéria estava situado a uma PLat=25,10º. A soleira de Anços faz parte de um conjunto de soleiras que originaram num pulso magmático entre 94 a 88 Ma.

Referencias

Neres, M.; E. Font; J. M. Miranda; P. Camps; P. Terrinha; and J. Mirão (2012), Reconciling Cretaceous paleomagnetic and marine magnetic data for Iberia: New Iberian paleomagnetic poles, J. Geophys. Res., 117, B06102, doi:10.1029/2011JB009067.

Neres,M; Bouchez, J.L.; Terrilha, P.; Font, E.; Moreira, M.; Miranda, R.; Launeau, P.; Carvalho, C. (2014) Magnetic fabric ina Cretaceous sill (Foz da Fonte, Portugal): flow model and Implications for regional magmatism. Geophysical Journal International 199: 98–101.

Miranda, R. (2010). Petrogenesis and Geochronology of the late Cretaceous Alkaline magmatism in the West Iberian Margin. Tese de Doutoramento em Geologia, Faculdade de Ciências, Universidade de Lisboa.

Ramalho, M.; Pais, J.; Rey, J.; Berthou, P.Y.; Alves, C.A.M.; Palácios, T.; Leal, N.; Kullberg, M.C. (1993). Noticia explicativa da Folha 34-A (Sintra). Serviços Geológicos de Portugal, Lisboa.

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Giulia Resta
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I do not sing in the shower, I travel through time and space.