O Agente Laranja — o seu uso, seus efeitos durante e após a Guerra do Vietname e duas das possíveis remediações

Giulia Resta
geologicalthings
6 min readFeb 1, 2021

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A Guerra do Vietname e o Uso do Agente Laranja

Matt Rota

Durante a Guerra do Vietname (1955–1975), dezenas de milhões de litros de herbicidas foram despejados de aviões no Vietname pelos soldados estadunidenses como meio de retirar a vantagem dos soldados vietnamitas que se refugiavam nas florestas e também destruir os arrozais de onde provinham as provisões militares. Entre os vários químicos utilizados estão as dioxinas, chamadas de Agente Laranja devido a cor dos seus vapores. O Agente Laranja foi utilizado como desfolhante, porém, as consequências do seu uso vão bem para além do envenenamento de soldados e da contaminação do meio ambiente. As dioxinas causaram e continuam a causar elevadas taxas de abortos espontâneos, deficiências congénitas e diversos problemas de saúde em crianças mesmo que a guerra tivesse terminado há quase 50 anos. Em 1971, quando os EUA pararam de usá-lo na guerra, um total de 18 milhões de vietnamitas já haviam sido diretamente expostos ao Agente Laranja. De acordo com as estimativas vietnamitas, o número de mortos ou que sofreram as consequências a toxina pode ir de centenas a milhares de pessoas.

As Dioxinas e Os Compostos Semelhantes às Dioxinas

Compreendem um grupo de produtos químicos que agem por meio da estimulação do recetor AH que é um fator de transcrição vital nas células. O herbicida mais utilizado na guerra foi o 2,3,7,8- tetraclorodibenzodioxina (TCDD). O Agente Laranja durante a guerra, era produzido a partir das misturas de dois herbicidas, o ácido 2,4-diclorofenoxiacético (2,4-D) e o ácido 2,4,5- triclorofenoxiacético (2,4,5-T).

Estrutura do TCDD, Wikipedia

Estes ácidos agem como reguladores hormonais do crescimento de plantas. Para acelerar a produção, a temperatura foi elevada em cerca de cinco graus, e a altas temperaturas, o cloro presente no composto gerava entre 6 000 e 1 0000 ppm de TCDD a mais do que em condições normais. Outros tipos de dioxinas podem ser produzidos como produtos indesejados de incêndios, incinerações, vulcões e até mesmo da fumaça do tabaco. — Isso pode ser evitado com incenerações a elevadas temperaturas (1.000 ° C ou mais). Essa substância é hidrofóbica, ou seja, não se dissolve na água. Também não é absorvida, e sim adsorvida. A maioria das dioxinas e dos compostos semelhantes são eliminadas muito lentamente do meio ambiente, animais e humanos. Elas são muito mais solúveis em gordura do que em água e, portanto, tendem a se acumular em lípidos ou tecidos adiposos (gordura) e concentram-se ao longo da cadeia alimentar por bioacumulação e biomagnificação em cada nível tróficos, aumentando a partir dos animais produtores aos maiores predadores. A dioxina é descrita como a substância mais tóxica do mundo. Isto significa que até mesmo as menores doses são suficientes para produzir respostas tóxicas. O TCDD é atribuído a um factor de equivalência de toxicidade (TEF) de 1 (mais elevado). A potência e a toxicocinética de outros compostos variam em ordens de magnitude e, portanto, a cada composto é atribuído seu próprio TEF que pode variar de 1 a 0,000 03 (ou inferior para peixes).

Os Efeitos do Agente Laranja

Matt Rota

As dioxinas infiltraram-se na água, no solo, na cadeia alimentar e acumularamse nos tecidos dos vietnamitas, passando de mãe para filho através do leite materno. Os valores mais elevados de dioxinas localizam-se próximas de antigas bases estadunidenses onde o Agente Laranja era armazenado. Os valores nesses locais são elevados até hoje. A eliminação das dioxinas é lenta. A sua eliminação no ser humano adulto ocorre por volta de 7 anos. De acordo com o artigo de Tuyet & Johansson (2001), durante a amamentação, as dioxinas são transferidas da mãe para o bebé que absorve cerca de 95% dessas toxinas presentes no leite. Segundo Tuomisto (2019), as concentrações de dioxinas na placenta estão na mesma faixa do corpo materno ou do leite materno. A Organização Mundial de Saúde refere que a exposição à curto prazo em humanos de altos níveis de dioxinas pode resultar em lesões cutâneas, como cloracne, escurecimento irregular da pele, e alteração da função hepática. A exposição a longo prazo está associada ao comprometimento do sistema imunológico, do sistema nervoso em desenvolvimento, do sistema endócrino e das funções reprodutivas. Dados revelam uma incidência alta de abortos espontâneos, nascimentos prematuros, doenças congénitas, entre outros defeitos deletérios em filhos de mães e pais expostos ao Agente Laranja durante a guerra.

Algumas das Possíveis Soluções Para a Remediação do Meio Ambiente

Matt Rota

Dois métodos a serem referidos é a fotólise e a biorremediação. Tuomisto (2019) refere que o TCDD é sensível à descloração fotoquímica (fotólise). Se exposto à luz solar direta ou à radiação ultravioleta, ele se decompõe em questão de horas. A fotólise utiliza a energia solar para converter a molécula em iões tanto diretamente quanto indiretamente. Estas moléculas são decompostas em dióxido de carbono, água e/ou moléculas orgânicas dissolvidas. O uso de microrganismos para quebrar e metabolizar poluentes orgânicos tem sido estudado há muitos anos. Vários organismos foram identificados com a capacidade de decompor substâncias cloradas, incluindo espécies de dioxinas, como o 2,3,7,8-TCDD no solo e na água. A biorremediação pode ser realizada através de bactérias, fungos, algas verdes e plantas. In situ, a biorremediação pode ser o tratamento mais económico com base em testes de laboratório porque não requer escavação do solo. O estudo de Nakamiya et al. (2005) revelou uma degradação de 50% das dioxinas em apenas 96 horas com a utilização do fungo Cordyceps sinensis.

Cordyceps sinensis, Wikipedia

Considerações Finais

Colour Studies Bob Hambly

As dioxinas são venenos ambientais persistentes e bioacumuláveis que agem por meio do recetor AH, recetor que regula várias funções fisiológicas. Sua ativação inadequada leva a vários efeitos deletérios. O nível de segurança para exposição ao TCDD foi excedido muito para além do nível de segurança durante a Guerra do Vietname. Atualmente, os efeitos dessas altas exposições são observados meio século após o fim da guerra. Atualmente existem inúmeras tecnologias de decomposição de dioxinas, contudo mais estudos e mais financiamento são necessários para melhorar a sua eficácia. Os Estados Unidos da América como país já desenvolvido e responsável pelas emissões de toneladas de dioxinas deve assumir a responsabilidade em financiar o Vietname, que ainda é um país ainda em desenvolvimento, para o controlo destas toxinas libertadas deliberadamente no meio ambiente. A responsabilidade do país também tem de ir encontro com o reconhecimento e o financiamento das famílias afetadas diretamente e indiretamente pelo Agente Laranja que atualmente possuem poucos meios para tratar e sobreviver das consequências da maior guerra química da História.

Referências

Tuomisto, J. (2019). Dioxins and dioxin-like compounds: toxicity in humans and animals, sources, and behaviour in the environment. WikiJournal of Medicine, 6(1), 8. https://doi.org/10.15347/wjm/2019.008

Rathna, R., Varjani, S., & Nakkeeran, E. (2018). Recent developments and prospects of dioxins and furans remediation. Journal of Environmental Management, 223(July), 797– 806. https://doi.org/10.1016/j.jenvman.2018.06.095

Nham Tuyet, L. T., & Johansson, A. (2001). Impact of chemical warfare with Agent Orange on women’s reproductive lives in Vietnam: A pilot study. Reproductive Health Matters, 9(18), 156–164. https://doi.org/10.1016/S0968-8080(01)90102-8

Criado, M. A. (2019, March 16). 50 anos depois, agente laranja continua contaminando o solo do Vietnã. El País https://brasil.elpais.com/brasil/2019/03/16/ciencia/1552710887_506061.html

W.H.O. (2016, October 4). Dioxins and their effects on human health. World Health Organization. https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/dioxins-and-their-effects-on-humanhealth

by. G. Resta

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Giulia Resta
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I do not sing in the shower, I travel through time and space.