Impacte Ambiental Junto à Quinta da Portela, Margem Direita do Rio Mondego (Parte II)

Giulia Resta
geologicalthings
10 min readJun 2, 2021

--

Nota: Se ainda não leu a primeira parte poderá ler aqui. Esta é a segunda parte que consiste no ordenamento do território, comparação do que foi e deveria ter sido feito, recomendações e considerações finais.

Ordenamento do Território

O Ordenamento do Território (OT) é essencial para a organização de uma sociedade. O OT é complexo e possui diversas aplicabilidades para cada tipo utilizador. Os três elementos fundamentais da OT são as atividades antrópicas, o espaço em que se inserem e o sistema em que ambos integram.

Duas características importantes do OT são o objeto e a sua caracterização jurídica. Por exemplo, o Ordenamento é um ato de gestão do planeamento de ocupações, potencialização do aproveitamento de infraestruturas existentes e preservação de recursos limitados. Isto é, gere a relação entre o Homem e o espaço natural/físico. O OT não se limita apenas à gestão do espaço, mas também permite um desenvolvimento em várias escalas entre o presente e o futuro.

Abaixo serão apresentadas quatro vertentes importantes para o Ordenamento do Território que integram a área de estudo.

Estrutura Ecológica

A definição da Estrutura Ecológica da paisagem de um determinado território reconhece os sistemas ecológicos fundamentais e orientadores de uma implementação sustentável da estrutura edificada de forma a promover a biodiversidade em ambiente urbano (Ferreira, 2010). Portanto, é um instrumento de gestão para a proteção e valorização ambiental dos espaços rurais e urbanos, designadamente, a reserva ecológica. A sua conservação e proteção minimizam impactes na qualidade e disponibilidade dos recursos hídricos.

De acordo com (Ferreira, 2010), a Estrutura Ecológica tem por base o reconhecimento dos sistemas ecológicos fundamentais (rede hidrográfica, zona ribeirinha, áreas com risco de erosão, solos de elevado valor ecológico, vegetação espontânea, área de elevada concentração patrimonial), criando um sistema ecológico territorial onde a estrutura seja implementada de forma racional, salvaguardando as áreas ambientalmente vulneráveis e de risco associadas a fenómenos de origem natural e/ou antrópica, através de mecanismos de avaliação que tenham em conta a dinâmica dos processos naturais (cheias/inundações, deslizamentos, erosão, derrame de poluentes, poluição atmosférica, entre outros).

Plano de Gestão das Bacias Hídricas (PGBH)

O Rio Mondego integra o PGBH que visa evitar a degradação, proteger e melhorar o estado dos ecossistemas aquáticos, ecossistemas terrestres e zonas húmidas dependentes dos rios; mitigar os efeitos das inundações e das secas; entre outras medidas (Administração da Região Hidrográfica do Centro I.P., 2012).

Rede Ecológica Nacional (REN)

A REN que, por sua vez, reúne áreas necessárias à conservação da água, do solo e das zonas costeiras (Magalhães, et al., 2017). Devido à elevada suscetibilidade do rio à degradação e aos seus vários papéis para o Homem e para o equilíbrio ecológico, é essencial que existam políticas que o protejam.

Plano Diretor Municipal (PDM)

Em relação as medidas existentes nos PDMs que envolvem o domínio hídrico público para o Município de Coimbra, o artigo 14º, do Diário da República, 2ª série, 141/2017, refere que para os cursos de água e drenagem de águas pluviais:

Os cursos de água devem ser objeto de sistemática proteção, reabilitação e valorização, com o objetivo de promover a capacidade drenante dos sistemas naturais e artificiais, não sendo permitidas ocupações de solo que os prejudiquem. As soluções de drenagem das águas pluviais devem: privilegiar a (re)naturalização e valorização ambiental e paisagística dos leitos e margens dos cursos de água (…). Os efeitos de cheias e inundações deverão ser minimizados através da implementação de mecanismos e sistemas de promoção da infiltração, retenção e aproveitamento das águas pluviais.

Terraplanagem

Em março de 2021 foi realizada terraplanagem (fig. 10 e 11) na zona próxima à Quinta da Portela que varreu uma área com cerca de 66 m² e que abriu um caminho com quase 1 km até a Praia do Rebolim que possui cotas que rondam os 18–22 m.

Fig. 10. Vista panorâmica da área terraplanada (19/04/21).
Fig. 11. Vista da área terraplanada. A. Ocidental; B. Oriental (19/04/21).

A terraplanagem na margem direita do Rio Mondego levantou muita constatação por parte da população devido aos argumentos fundamentados de que esta área faz parte da REN e que cuja limpeza deveria ser seletiva ao invés do arrasamento completo de toda a vegetação ripícola, não respeitando assim a recomendação da APA da manutenção dos 30 metros a partir do leito do rio da vegetação local (fig. 12). Sendo esta constituída por algumas espécies invasoras e nativas. As principais plantas invasoras na galeria ripícola são as canas (Arundo donax) e as mimosas (Acacia dealbata) como pode ser observado no website invasoras.pt. As nativas existentes eram as espécies de salgueiro (Salicacea), amieiro (A. Glutinosa), choupos (Populus), lódão (C. australis), entre outras (comunicação pessoal: PALHAS, Joel, março de 2021). Também foi observado lixo compactado pela terraplanagem.

Fig. 12. Secção oriental da margem direita da área terraplanada (19/04/21).

A retirada da cobertura vegetal e a terraplanagem fizeram com que o talude de 3–4 m (fig. 13 e 14) ficasse ainda mais exposto às ações da precipitação e da água do rio, devido a impermeabilização do seu topo. Com o aumento do caudal expectável nos meses mais húmidos, é de se esperar que a confluência com o Rio Ceira (fig. 15.) aumente a erosão do talude verticalizado, o desestabilizando ainda mais, podendo provocar uma derrocada para o interior do Rio Mondego.

Fig. 13. Talude à margem (na parte inferior observam-se xistos e metagrauvaques e nas zonas intermédia e superior areia, silte e argila) (19/04/21).
Fig. 14. Xisto cinzentoss e metagrauvaques à margem da área terraplanada (19/04/21).
Fig. 15. Secção com direção do fluxo Rio Ceira para o Rio Mondego (Google Earth, abril de 2021).

Segundo o artigo 1º do Decreto-Lei 152-B/2017,

para todo o território nacional e zonas marítimas sob soberania ou jurisdição nacional, o regime jurídico da avaliação de impacte ambiental (AIA) dos projetos públicos e privados que sejam suscetíveis de produzir efeitos significativos no ambiente. As decisões proferidas no procedimento de AIA, incluindo na fase de verificação da conformidade ambiental do projeto de execução, são prévias ao licenciamento ou autorização dos projetos suscetíveis de provocar efeitos significativos no ambiente, nos termos do presente Decreto-Lei, devendo a entidade licenciadora ou competente para a autorização do projeto indeferir o pedido de licenciamento ou autorização sempre que não tenha sido previamente obtida decisão, expressa ou tácita, sobre a AIA.

Quanto à Estrutura Ecológica Municipal, é a interdição do corte ou arranque de árvores folhosas das galerias ripícolas e a artificialização das linhas de drenagem naturais. Para a Área de Inundação são as interdições aterros que interfiram com a passagem de água. Por fim, para Área de Recreio e Lazer o índice de permeabilização do solo deve ser de até 0,10, sendo que para este caso é necessário conhecer o grau de impermeabilização que a terraplanagem causou.

Recomendações da APA

Segundo o artigo 33.º da Lei 58/2005, a limpeza e desobstrução dos álveos das linhas de água é uma das medidas de conservação e reabilitação da rede hidrográfica e zonas ribeirinhas e segundo o n.º 5 do mesmo artigo, estas medidas devem ser executadas sempre sob orientação da Agência Portuguesa do Ambiente. Segundo o mesmo Decreto-Lei a margem para a secção onde está inserido a área de estudo, possui uma margem legal de 30 metros. Segundo a APA, para as margens devem ser evitados, nomeadamente, o corte total da vegetação, impermeabilização das margens, podas devastadoras e o corte da vegetação para o leito, corte total da galeria de vegetação ribeirinha. Ações estas que ocorreram no local. Ao invés disto, uma limpeza seletiva de material vegetal deveria ter sido realizada.

Como esta zona integra a zona urbana, é da responsabilidade do município fazer ações de limpeza que visam manter árvores e arbustos não infestantes nas margens; manter a vegetação dos taludes e a respetiva estrutura radicular; garantir condições de escoamento dos caudais em situações hidrológicas normais e extremas; minimizar o risco em situações de cheias, diminuir os riscos de erosão de taludes e o assoreamento das linhas de água; boa qualidade da água; garantir a biodiversidade; entre outros fatores (Agência Portuguesa do Ambiente, 2014).

Sendo importante reconhecer a necessidade para a boa qualidade da água já que as captações da Boavista, localizam-se à cerca de 2 km da zona terraplanada (fig. 17).

Fig. 17. Ponto de Situação na margem direita do Mondego entre a Praia do Rebolim e a Portela do Mondego (Google Earth, março de 2021).

Muitas das recomendações dadas pela (Agência Portuguesa do Ambiente, 2014) quanto a limpeza que não foram seguidas para este caso foram a realização manual ou com equipamentos de corte ligeiro, de modo a evitar o uso de maquinário pesado; ser realizada antes do período de chuvas; preservar a vegetação autóctone; evitar o corte total da vegetação; evitar a remoção da vegetação fixadora das margens; manter a geometria da secção e não linearizar a linha de água; retirada de material vegetal do leito (fig. 18).

Fig. 18. Restos vegetais no leito adjacente ao local terraplanado (19/04/21).

O que também foi observado na área terraplanada foi que com as chuvas de abril, uma das espécies invasoras (Arundo donax) voltou a persistir no terreno já livre de competidoras nativas como o salgueiro, o choupo, o amieiro e o lódão.

Estudos Futuros

Um futuro estudo seria necessário para quantificar a probabilidade e o dimensionamento das cheias nesta secção para os períodos de retorno de 25, 75, 200 e 400 anos. Para isso, é necessário conhecer os níveis hidrométricos e de caudal com a confluência do Rio Ceira.

Também seria necessária uma análise da condutividade hidráulica para se conhecer o grau de permeabilidade do solo na área terraplanada.

Além disso, seria necessário um estudo de contaminação do solo (verão) e de água (inverno e verão) quanto no verão para quantificar o Índice de Geoacumulação e o Índice de Poluição, também seria necessário quantificar grau de contaminação radiológica que os xistos cinzentos do talude de aterro podem estar a causar por terem afinidade com o urânio.

Proposta de Remediação/Requalificação

As primeiras medidas a serem tomadas seria a limpeza do leito de resíduos vegetais, a retirada dos taludes de aterro de xistos cinzentos. A recolha dos resíduos sólidos enterrados e compactados pela terraplanagem. Implementação de matéria vegetal sobre toda a zona afetada antes do verão. A seguir seria necessário criar um plano de reflorestação da mata ribeirinha com espécies nativas e com variabilidade genética. Para isso, podem ser transplantados espécies da margem esquerda do rio. É necessária a rega contínua das espécies já plantadas e que vão ser plantadas para que possam persistir durante o verão. Também é importante criar e manter um plano de monitorização para verificar o sucesso e insucesso da remediação.

Quanto ao talude de aterro, será essencial o estudo de contaminação referido anteriormente. Se para o caso de não haver contaminações para a água e o solo, mantém-se o talude e estabiliza-se. Ou se para o caso de houver contaminação, escolhe-se a retirada do talude. Para a estabilização do talude podem ser implementadas estacas vivas para fixar e reduzir a exposição do talude à erosão na época de chuvas.

Considerações Finais

Durante a pesquisa base para a elaboração deste relatório houve impossibilidade em encontrar parâmetros udométricos, de escoamento e de níveis hidrométricos antigos e constantes até o presente na base de dados do SNIRH (Sistema Nacional de Informação de Recursos Hídrico), o que fez com que este trabalho fosse baseado predominantemente em pesquisa bibliográfica.

Os trabalhos anteriores de modelação de episódios de cheias do LNEC (Laboratório Nacional de Engenharia Civil) em 2012, foram essenciais para compreender a magnitude das inundações que as cheias podem causar na zona de Ereira.

No mesmo estudo, verificou-se que para as simulações com ou sem sistema de descarregadores, já existia uma elevada vulnerabilidade com a inundação da área de estudo e da região adjacente para um caudal do Rio Mondego de 2 000 m³/s, uma situação que ocorre, aproximadamente, a cada 25 anos. Sendo que com a intervenção realizada na área da Quinta da Portela, este risco aumenta ainda mais devido ao maior aporte de areias e resíduos vegetais no leito devido a erosão favorecida pela terraplanagem e pela maior exposição do talude na margem direita. Outro fator preocupante para o risco de cheias é a adição de areias para a criação da praia artificial do Rebolim.

É com a problemática das cheias que este relatório visa referir a grande importância que é seguir as recomendações dadas pela APA quanto a Limpeza e Desobstrução das Linhas de Água, as recomendações do Plano de Gestão das Bacias Hídricas, o Plano Diretor Municipal quanto ao uso dos diferentes tipos de solo, a Lei das Águas, entre outras exigências apresentadas no Ordenamento do Território como a Estrutura Ecológica e a REN.

Torna-se relevante a responsabilização de quem não obedece as exigências da legislação e o acompanhamento exigido por Lei por parte da APA quanto as intervenções realizadas na margem direita do Rio Mondego, junto à Quinta da Portela para que as propriedades, vidas humanas e o ecossistema prevaleçam. Sendo importante referir que a preservação do ecossistema ribeirinho é importante para o controlo climático, para serviços culturais e o seu valor intrínseco, ou seja, inerente à própria vida de todos os seres vivos.

Referências

Administração da Região Hidrográfica do Centro I.P. (2012). Plano de Gestão das Bacias Hidrográfica dos Rios Vouga, Mondego e Lis Integradas na Região Hidrográfica 4.

Agência Portuguesa do Ambiente. (2014). Limpeza e Desobstrução de Linhas de Água (p. 7).

Alves, E., & Mendes, L. (2014). Modelação da inundação fluvial do Baixo Mondego. Revista Recursos Hídricos, 35(2), 41–54. https://doi.org/10.5894/rh35n2-4

Diário da República, 2.a série — N.o 141–24 de julho de 2017, 5. https://www.cm-coimbra.pt/wp-content/uploads/2018/10/Alteração por Adaptação do PDM — Aviso 8289_2017.pdf

Ferreira, J. C. (2010). Estrutura Ecológica E Corredores Verdes. Estratégias Territoriais Para Um Futuro Urbano Sustentável. Pluris, 267, 12. http://pluris2010.civil.uminho.pt/Actas/PDF/Paper267.pdf

Instituto Geográfico do Exército. (2013). Carta Estrutura Ecológica Municipal.

Instituto Geográfico do Exército. (2017). Planta de Ordenamento — Classificação e Qualificação do Solo.

Instituto Nacional de Engenharia, Tecnologia e Inovação, I. P. (2005). Folha 19-D COIMBRA-LOUSÃ.

Instituto Português do Mar e da Atmosfera, I. P. (2020). Boletim IPMA 04/20. https://doi.org/2183-1076

Laboratório Nacional de Engenharia Civil. (2012). Estudo das Inundações do Rio Mondego a Jusante da Confluência do Rio Ceira.

by. G. Resta

--

--

Giulia Resta
geologicalthings

I do not sing in the shower, I travel through time and space.