Por que a democracia precisa das humanidades?

GEPES/UPF
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4 min readDec 18, 2017

por Munir Lauer

Na obra Sem fins lucrativos: por que a democracia precisa das humanidades, Martha Nussbaum nos apresenta um manifesto, no qual defende as humanidades e as artes como fundamentais para a formação de cidadãos democráticos e participativos, numa sociedade complexa e global. Preocupa-se com os objetivos da educação voltada para o crescimento econômico, que prioriza o ensino de alunos economicamente produtivos, ao invés de indivíduos críticos e cidadãos sapientes e compreensivos. Esse enfoque nas competências lucrativas, para Nussbaum, enfraquece nossa percepção de crítica à autoridade e minimiza nosso apreço aos segregados e aos “diferentes de nós”. E o enfraquecimento dessas capacidades básicas restringe o bem-estar das democracias.

Conforme a autora, estamos sendo conduzidos para bens que nos salvaguardam, nos dão uma “cobertura material”, no entanto, nos afastam da alma (da capacidade de pensar e imaginar), havendo a inibição da faculdade de pensar de modo crítico, da faculdade de transcender as convenções locais e interpelar questões globais como um “cidadão do mundo”, e da capacidade de conjecturar com simpatia, os momentos de dificuldade dos outros. Para a autora, a cultura de grupo que nos envolve e a cultura ampliada das normas sociais e das instituições políticas desempenham um papel importante quanto aos processos democráticos. Uma vez que toda democracia moderna é um espaço social em que as pessoas se diferenciam muito, é imprescindível o entendimento reflexivo de modo pertinente sobre um dilatado conjunto de culturas e nações, percorrendo desde aspectos da economia global até distintas interações nacionais e grupais. Segundo Nussbaum, sem a capacidade de imaginar o outro, não há esperança de suster instituições decentes.

Amparado no modelo de desenvolvimento capitalista, o objetivo da nação deve ser o crescimento econômico, em detrimento da igualdade distributiva e social, da democracia estável, da qualidade das relações de gênero e raciais, das conquistas em educação e saúde, das liberdades políticas. Nesse modelo de desenvolvimento econômico, conforme a autora, o aprendizado ativo socrático e a pesquisa por meio das artes foram menosprezados em prol de uma pedagogia conteudista dirigida, tão somente, a exames nacionais padronizados. O ato de pensar criticamente não seria uma parte destacável da educação voltada para o crescimento econômico. O que se almeja, nesse princípio, são trabalhadores obedientes, tecnicamente treinados para efetivar os projetos de elite. A educação para o crescimento econômico desconsidera as artes e a literatura para a criança, porque não demonstram direcionar efetividade ao progresso individual ou ao progresso da economia nacional. Os educadores do desenvolvimento econômico têm temor e aversão das artes, em razão de que uma percepção refinada e expandida é opositora da estupidez. A estupidez moral é utilíssima para executar programas de desenvolvimento econômico que desmerecem a igualdade. A educação para o crescimento econômico requer, obrigatoriamente, sujeitos que não identifiquem o outro, que assimilem mecanicamente o que o grupo diz, que procedam e vejam o mundo como burocratas submissos.

Martha Nussbaum questiona: “como está se saindo a educação para a cidadania democrática no mundo de hoje?” (2015, p. 121). A resposta não é nada animadora. Para ela, as humanidades são vistas, em grande medida, como desnecessárias, dando a impressão, de ser correto minimizar o seu espaço nas universidades e até mesmo eliminá-las definitivamente. Contudo, mesmo que essas mudanças perigosas sejam, de certo modo, determinadas de fora, não devemos responsabilizar, unicamente, fatores externos à universidade, visto que há também decisões equivocadas internamente. As humanidades encontram-se ameaçadas tanto no lado externo quanto no interno. A imposição em defesa do crescimento econômico, conforme a autora, levou a uma reformulação da educação universitária, tanto no ensino como na pesquisa. De acordo com o modelo voltado para o crescimento econômico, é imperativo querer saber qual é a contribuição de cada disciplina e de cada pesquisador para a economia. O conteúdo curricular modificou o material preocupado em insuflar a imaginação e praticar a capacidade crítica pelo material pertinente à preparação para a prova. Segundo a autora, mencionamos que gostamos da democracia e da autonomia, da liberdade de expressão, do respeito à diversidade e da compreensão dos outros; fizemos alusão a esses valores, entretanto, pensamos muito pouco sobre o que é importante para levá-los à próxima geração e assegurar sua sobrevivência. Absortos com a busca incessante da riqueza, solicitamos, cada vez mais, que nossas instituições educacionais originem geradores de lucro competentes em vez de cidadãos. De acordo com Nussbaum, se essas tendências continuarem, teremos nações com uma massa de indivíduos tecnicamente treinada, que desconhece a crítica à autoridade, e geradores de lucro eficazes, mas com uma mente obtusa. Isso significa, para Nussbaum, “[…] um suicídio da alma. Poderia haver algo mais assustador?” (2015, p. 143).

Referência

NUSSBAUM, Martha. Sem fins lucrativos: por que a democracia precisa das humanidades. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2015.

Nussbaum recebendo o Prêmio Kyoto na categoria Artes e Filosofia

Este texto foi retirado e pode ser conferido com maiores detalhes neste link da Revista Espaço Pedagógico.

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