Leandro Piangers
GEPES / UPF
Published in
8 min readDec 1, 2017

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Sou um professor medíocre, inoportuno e impotente

Sou um professor medíocre. Essa frase causa um efeito curioso de pessoa para pessoa. Geralmente quando falo nisso as pessoas me fitam com olhos arregalados, perscrutando algum sinal depressivo ou tentando descobrir o problema que me levou a falar tal impropério. O mais curioso é a falta de compreensão do que medíocre significa. Medíocre tem o sentido de mediano, de algo que não é necessariamente ruim, mas que também não é excelente.

Sou um professor medíocre. E também, um ser humano medíocre, um pesquisador medíocre. Caso fosse pai, medíocre seria. E não há problema nisso. Se pensarmos um pouco, em boa parte de nossas vidas somos medíocres, somos medianos. Duvido que algum leitor possa dizer que pegou o copo de requeijão de forma excelente nessa manhã ou que manteve em seu trabalho um rendimento de altíssima qualidade durante todo tempo.

É mais ou menos como a felicidade. Ninguém é feliz todos os dias, o tempo todo. Somos felizes por curtos períodos de tempo, mas não necessariamente seremos infelizes no restante do tempo. Somos medíocres na alegria. Mas, por que levanto tantas questões a respeito da mediocridade?

Hoje existe um pressuposto de que tudo deve ser perfeito, tudo deve ser vivido ao máximo, tudo deve estar em um constante ápice, sendo que a maioria também não faz ideia do que é ápice. Bauman (um certo sociólogo que a maioria deveria ler pelo menos uma vez na vida....e que por sinal teve uma fase medíocre) falava muito sobre a liquidez do mundo cotidiano. Não que a nossa vida esteja se transformando em um mingau de qualidade duvidosa, mas sim, de que muito do que se acreditava como sólido e eterno não é mais tão sólido e duradouro. Uma dessas idéias, quem sabe, é a de vida plena. De que todo ser humano tem por objetivo viver uma vida completa, cheia de sentido, onde tudo magicamente se encaixa, onde tudo faz “sentido”.

Nossos pais buscaram esse sonho, mesmo sem perceber. Na realidade, talvez nem ao menos se importassem com isso. Pensando bem, o problema talvez esteja em nossa geração. Percebo que aos poucos nada serve, que muito pouco se encaixa (em matéria de sentido), e o que se encaixa nem sempre é aquilo que desejo. Mas voltemos a mediocridade.

Sou um professor medíocre. Não o sou por não estudar o suficiente, tampouco o sou por quiçá não me importar com o desenvolvimento emocional e cognitivo de meus alunos. Sou medíocre porque não sou perfeito o tempo todo. Na realidade, sou imperfeito a todo momento. Tento sim o máximo possível, chegar na tal perfeição, naquele momento em que diria que a aula finalmente chegou ao seu ápice da qualidade, mas isso nunca acontece.

Não é minha culpa ser medíocre, espero ao menos que não seja. É algo que faz parte de mim, como ser vivo, como participante da sociedade. Tento a todo momento o máximo, mas percebo que quase sempre me contento com o médio e não é incomum terminar algo às pressas dizendo “vai assim mesmo”.

Mesmo Darwin em sua teoria sobre a evolução das espécies dizia que não é o melhor ser que sobrevive e perpetua, mas o que possui uma característica que momentaneamente lhe dá vantagem sobre outro em uma determinada situação. Até na sobrevivência somos medíocres, mas nesse caso medíocres sortudos.

Não quero criar um apostolado da mediocridade. Quero levantar a questão de que, por algum motivo qualquer (escolha um intervalo entre vontade divina e capitalismo moderno) acreditamos que o único trabalho realmente bom é o trabalho de excelência. Algo apenas é bom se for o ápice daquele movimento, sendo que para chegar no topo da montanha o tempo necessário é enorme e o esforço, exaustivo (esse esforço não é medíocre).

Nos faltam bons guias, pois os que conhecemos são medíocres. Não falo de um guia ao estilo dos gurus indianos, sentados em seus tapetes, com um olhar blasé meditando sobre a finitude da existência. Também não falo de professores sentados nas academias que tentam a seu modo transmitir o que sabem para uma plateia mais heterogênea que os grãos de areia de uma praia. Falo dos guias governamentais, que ao invés de servirem como bússola para o trabalho em sala de aula, complicam ainda mais nosso trabalho. Complicam no sentido de que geram itinerários formativos impossíveis pela falta de tempo e estrutura, complicam pois liquefazem o conhecimento ao ponto de estarmos apenas informando alunos sobre “coisas” do que estimulando-os sobre o que é saber. Complicam ao tornar nosso trabalho medíocre quando somos obrigados a usá-los como manuais ou cartilhas informativas ao invés de usá-los como de fato deveriam ser pensados, suporte.

Sempre me disseram que o objetivo da escola é educar o cidadão para que o mesmo possa desenvolver um pensamento crítico. Certa vez um colega afirmou, “como se desenvolve pensamento crítico se não há conhecimento técnico algum?”. Como reflito se nada sei? Como reflito se não tenho nada além de conceitos breves e sumários? Óbvio, não reflito, ou melhor, reflito de forma medíocre. Como o aluno não alcança em sala de aula e na comunidade os conhecimentos mínimos para conseguir participar de um debate, busca opiniões enlatadas por meio de textos do tipo macarrão instantâneo que encontra pela internet ou, pior, por meio de videoaulas, as quais conseguem em certos momentos atingir um grau menor que a mediocridade.

Sou um professor medíocre (acredito que já tenha comentado). Mas também sou um pesquisador medíocre, uma vez que nunca encontrei uma solução para esse problema, tampouco um culpado para os problemas educacionais modernos. Li os metafísicos, os físicos, os positivistas, os iluministas, os pós-estruturalistas, até mesmo os analistas (atualmente procuro um ascensorista, que talvez eleve meu pensamento num passeio de elevador, já que dizem que o pensamento racional é superior)! Nenhum me deu a receita que queria. Óbvio que não dariam, pois não eram medíocres, eram excelentes! Excelentes pois percebiam que a complexidade humana e a educação não poderiam simplesmente ser respondidas com um receituário prescrito em um calhamaço de papel. Os pensadores foram excelentes ao tentar indicar caminhos, sem querer impor o que deveria ser feito.

O medíocre busca um caminho pronto (que está quase lá, mas não necessariamente lá, afinal adoramos que nos digam o que fazer e como fazer). E ainda assim, criticamos (porque também adoramos criticar). Pegamos o livro didático e o criticamos imediatamente por sua falta de coesão. Blasfemamos em relação aos que desenvolveram as leis que permitiram que tal material existisse (olá BCCN). Depois, respiramos profundamente e “damos” a nossa aula, com folhinhas, textinhos, rascunhos, resumos. Afinal o aluno precisa absorver (como esponja) o que dizemos. Se tiver dúvidas consulta o livro, se continuarem as dúvidas, a internet. Caso persistam as dúvidas surgem os gurus das videoaulas, que em suas certezas ensinam mais do que os professores. Percebo que talvez eu seja medíocre e ciumento. Qual o problema de meus alunos aprenderem com outras pessoas? Não é objetivo da educação a independência e o espírito da pesquisa?

Bom, que seja, afinal a mediocridade tem suas vantagens. As escolas amam os professores medíocres, e isso é sério. Todos querem um professor medíocre que "faça" o trabalho, não crie problemas, não "deixe" os alunos ao acaso, nem os force demais. Que seja exigente em relação às avaliações que aplica, mas nem tanto, pois as médias podem baixar demais (olha aí, até com alunos queremos a média). Queremos alunos que mantenham a mediocridade. E aqui somos impotentes, como se medíocre já não nos bastasse.

A impotência é a percepção do desejo de realizar algo e o entendimento que não somos capazes ou de que não nos é permitido realizar tal desejo. Sou impotente quando tento ser ápice, mas apenas alcanço a mediocridade. Sou impotente ao tentar demonstrar aos meus colegas o quanto precisamos caminhar, pois a maioria (salvo poucos) está cansada demais para pensar em mudar. Sou impotente quando desejo mais de meus alunos, pois primeiramente os idealizo como mini-cópias de Einstein (ou Kant), mas percebo que tal desejo, mesmo possível hipoteticamente é irrealizável e perigosamente antiético.

Sou impotente ao recuperar um aluno, pois recupero a nota e não o ser humano (o forço a recuperar sua nota). A nota é um número e números não podem ser excelentes, nem medíocres, apenas nossa visão sobre os mesmos é. Afinal, nós inventamos essas classificações.

Sou impotente pois sou o elo mais fraco em uma cadeia de comando da ordem educacional. Venho depois da escola, dos pais, dos alunos, da direção, da coordenação. Sou ouvido apenas após meus colegas mais antigos, pois a experiência na mediocridade parece agregar um direito de opinião que eu não possuo,....ainda.

Sou impotente na sociedade, pois escuto os discursos com as prescrições de como ser um vencedor, feitos pelos empreendedores (ou coach’s!) em seus receituários televisivos. Eu tento, mas não acontece, continuo medíocre. E todos nós nos sentimos impotentes nessas ocasiões, pois não alcançamos o emprego ideal, a situação ideal, a casa ideal, os filhos ideais, a esposa ideal, o carro ideal, o bairro e a cidade ideal. Não temos o corpo ideal, a cor de cabelo da moda, o gosto em futebol que combine com nossos amigos e familiares. Somos medianos em tudo isso, mas por justiça divina (quem sabe) os outros também se mostram medianos aos nossos olhos.

O problema é quando nos tornamos inconvenientes. Quando tentamos a excelência (a qual ainda não descobrimos o motivo por desejá-la) incomodamos muitos, e a nós mesmos. Mas o que realmente acontece é que percebemos a mediocridade do que vivemos e por causa de algum estímulo pré-condicionado (quiçá na escola ou naqueles novos programas do empreendedorismo) começamos a tentar alcançar a tal excelência. Mas, como somos impotentes não conseguimos e, tentamos discutir com nossos pares, na tola ilusão de que se os convencermos que o ápice é melhor do que a mediocridade, talvez possamos mudar algo. E ali nos tornamos inoportunos. Ao sermos medíocres e impotentes, importunamos outros na esperança que tirem de nós a atmosfera da mediocridade que nos abala.

E em nossa sociedade o que não é normal, normatizado, ou melhor, que não sofreu a normose, é excluído. Se por um momento formos inoportunos, seremos eventualmente perdoados por nossa petulância momentânea. Mas, se insistirmos, aí sim seremos excluídos, formando o grupo daqueles que não são desejados e nem ao menos conseguirão ser medíocres novamente.

Não sei ao certo se existe uma cura para a mediocridade, talvez um novo processo de normose, quem sabe um treinamento de excelência (como com 5a ou 5s ou 5 alguma coisa). Mas, não quero pensar nisso agora, pois pode ser um momento inoportuno.

Este texto foi publicado no jornal Fato Regional, em janeiro de 2018.

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