Por que buscamos tanto o reconhecimento?

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3 min readMay 20, 2018

Comentários sobre o episódio Nosedive de Black Mirror

escrito por Cínthia Roso Oliveira

O episódio intitulado “Nosedive” da terceira temporada da série Black Mirror retrata a busca incessante por reconhecimento que vivemos em nossa sociedade atual. Na verdade, o episódio exacerba a nossa busca por likes nas redes sociais, ao criar um sistema de pontuação no qual cada pessoa pode avaliar os outros através de seu celular e ver a pontuação do outro através de um dispositivo implantado em seus olhos. Lacie, personagem principal do episódio, é uma moça de classe média alta que luta por aumentar a sua pontuação e conseguir comprar um apartamento na Enseada do Pelicano, um bairro nobre. E com isso ser reconhecida. Ela está enredada num círculo vicioso no qual as pessoas para serem reconhecidas precisam ter poder aquisitivo para comprarem uma identidade que seja reconhecida. E para ter poder aquisitivo precisam ser reconhecidas e terem uma alta pontuação.

Lacie postando uma foto de seu “café maravilhoso” que estava intragável, mas que gerou likes

Esse episódio retrata a sociedade líquido moderna explicitada por Bauman. Uma sociedade na qual todos os valores já se tornaram fluidos demais para ter algo firme no qual se segurar. Uma sociedade na qual as crenças e as verdades consideradas absolutas se relativizaram. E numa sociedade assim, na qual a própria identidade se relativiza, precisamos lutar constantemente para criar uma identidade que seja reconhecida. Isso porque nessa sociedade, tudo é considerado mercadoria a ser consumida e que se não for mais útil, deve ser descartada como lixo. Esse é o medo que assombra Lacie e nós mesmos, quando buscamos reconhecimento.

Desesperada por esse medo de ser descartada, esquecida, Lacie busca o reconhecimento a todo custo, à ponto de não ser ela mesma. Para o analista de reputação que a ajuda a aumentar a sua pontuação, isso é ruim, ela deveria agir naturalmente. Para Bauman, em seu livro Identidade, dizer isso é meio dúbio, pois “ser nós mesmos” pressupõe uma identidade fixa a ser descoberta. Mas, ao contrário disso, o que existe é a possibilidade de construirmos uma identidade constantemente a partir das nossas relações com os outros. Entretanto, construir uma identidade é algo complicado, pois temos que lidar com o seguinte paradoxo: precisamos ser livres para nos expressarmos e, ao mesmo tempo, precisamos sentir que pertencemos a um grupo.

E é muito fácil cair nos extremos desse paradoxo, por um lado na ânsia por ser nós mesmos, podemos expressar o que pensamos e sentimos de forma desequilibrada partindo para o confronto com o outro; por outro lado, na ânsia por nos sentirmos pertencidos e aceitos num grupo, podemos nos anular e sermos aquilo que querem que nós sejamos. Lacie escolhe no início do filme o segundo caminho. Perdão pelo spoiler, mas ao final, depois que ela se percebe sem nada mais a perder, ela busca o primeiro caminho. E aí surge outro paradoxo, no momento em que ela está presa, atrás das grades, é o momento no qual se sente mais livre para se expressa, e se diverte com isso.

No entanto, não existe apenas esses dois caminhos mostrados pelo episódio. O caminho que Bauman tenta apresentar é o do diálogo respeitoso com os outros, com as outras culturas na busca de ao mesmo tempo em que expresso meus sentimentos, crenças e valores e escuto as dos outros, também me sinto acolhido por ter acolhido o outro em sua diferença. Esse é o nosso desafio… Será que estamos preparados para esse diálogo? Apesar de vivermos em um mundo tão flexível, será que estamos preparados para ser flexíveis afim de negociar com os outros? Estamos preparados para nos expor e assumir os riscos que essa exposição acarreta?

Esta reflexão foi escrita pela pesquisador Cínthia Roso Oliveira, doutora em Filosofia e professora da Universidade de Passo Fundo.

Abaixo segue um trecho do episódio adaptado para aulas de publicidade:

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