Quando a vaidade toma conta da vida

Altair Favero
GEPES / UPF
Published in
3 min readNov 21, 2017
Vanity por Auguste Toulmouche (1890)

A vaidade é considerada um dos sete pecados capitais ao lado da preguiça, luxúria, avareza, gula, inveja e ira. Certamente é uma das características que marcam o modo de ser de muitas pessoas na nossa sociedade considerada pós-moderna, por alguns autores. O homem pós-moderno, segundo esses autores, vagueia pela vida de fragmento em fragmento, tem dificuldade de encontrar uma identidade duradoura, vive como um “eterno turista”, fica indiferente perante os problemas sociais, é alheio com as injustiças e maldades que cruzam sua existência, possui escassa formação humanística, tornou-se entusiasta da superficialidade, do consumo, da diversão sem limites e da permissividade. Na expressão muito bem cunhada pelo pensador francês Gilles Lipovetsky, o homem pós-moderno vive acometido pelo crepúsculo do dever. No entanto, uma das suas principais características que marcam o modo de ser do homem pós-moderno é a cultura da vaidade.

Mas, o que é a vaidade? Como ela se manifesta na vida das pessoas? Por que constitui-se uma das principais características da sociedade pós-moderna? Como age o vaidoso? Onde reside sua perversidade que causa um desalento moral contemporâneo? Que escolhas e atitudes alimentam a vaidade? Enfim, por que a vaidade é a escolha do caminho invertido na escolha de uma vida ética?

Se formos ao Aurélio, encontraremos a seguinte definição de vaidade: “qualidade do que é vão, ilusório, instável e pouco duradouro; desejo imoderado de atrair admiração ou homenagens; coisa fútil ou insignificante, frivolidade, futilidade, tolice”. Pela definição do dicionário encontramos de imediato diversos traços que levam a indicar a vaidade como característica do nosso tempo e identificá-la como algo negativo que deturpa a busca de um comportamento moralmente aceitável. Alguém pode objetar dizendo que vaidade é algo positivo, pois significa amor próprio, gostar de si, valorizar suas qualidades, cuidar da aparência, buscar a auto-afirmação. Mas é exatamente aqui que reside o grande problema: o senso comum confunde vício com virtude.

Para Yves de La Taille, reconhecido estudioso da psicologia do comportamento moral da Universidade de São Paulo (USP), “o conceito de vaidade é estranho à dimensão moral, pois não faz sentido dizer que alguém é generoso ou justo por vaidade”. Uma pessoa vaidosa costuma atribuir valor a aparências, não a virtudes. Por isso o vaidoso cuida de forma excessiva do espetáculo de si mesmo, pois para ele é “essencial” convergir para si o olhar e a admiração dos outros, exibir e ostentar uma suposta imagem mesmo que temporária e ilusória. Há uma moral heterônoma no comportamento do vaidoso porque reduz o juízo do outro a uma dependência unilateral. O outro, não é reconhecido pela alteridade e sim pela possibilidade de ser um adulador capaz de expressar elogios, um subserviente espectador que aplaude e reconhece a identidade superficial do vaidoso.

Without Me por RJ Poole

Exagero! Nem tanto. Se prestarmos atenção aos constantes apelos publicitários que diariamente invadem nossas vidas, se vasculharmos os diversos conteúdos implícitos que comandam o império do consumo, se analisarmos as razões que levam milhões de homens e mulheres realizarem intervenções cirúrgicas em seus corpos por motivos puramente estéticos, então compreenderemos que a vaidade se traduz na grande marca de nosso tempo. Certamente é por isso que numa das cenas derradeiras do famoso filme O advogado do diabo, quando Kevin Lomax (principal protagonista do filme) pergunta a John Milton (interpreta Satan) sobre as razões que o levaram a tomar decisões moralmente tortas, Milton responde que foi por causa da vaidade, e que este é um dos seus pecados prediletos.

Este texto foi primeiramente publicado na coluna Educação do Jornal Fato Regional, Vila Maria/RS, , v. 98, p. 10–10, 31 ago. 2015.

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Altair Favero
GEPES / UPF

Professor e pesquisador do PPGEDU/UPF, coordenador e colaborador do GEPES-UPF.