A Arte Como Resistência à Violência

Diego Nantes
O Gerador de Van de Graaff
4 min readNov 20, 2017

A história humana é amplamente recheada de mazelas sociais, políticas e econômicas… Desde, por exemplo, os genocídios do Império Romano, passando pelos horrendos extermínios soviéticos e nazistas, até em pleno século XXI o horror apocalíptico da Síria, a evolução da humanidade também se traduz em desgraça. Obviamente não só de trevas os homens e as mulheres vivem… Muito de muito bom já foi criado e inventado, até mesmo para o meio ambiente em si e os outros animais, mas não resta dúvida de um progresso cultural sangrento nas mãos dos seres racionais.

Uma característica extremamente brilhante da arte é a sua relação de oposição a essas trevas. Não importa o tamanho da opressão, coerção, injustiça, violência e intolerância… A expressão artística vai sempre surgir, mesmo que sufocada, para reagir aquilo que dilacera a natureza viva, rica e plena do eu. Essa “luta artística” é uma ferramenta de objeção ao fenômeno desumano em si assim como de tentativa de preservação das quatro categorias do ser, tão brutalmente atacadas durante a barbárie, a citar indivíduo, sujeito, identidade e a subjetividade.

Guernica — Picasso. Créditos: Museo Nacional Centro de Arte Reina Sofía
O bombardeio de Guernica (1937). Fonte: http://www.artinsociety.com/the-shocking-birth-and-amazing-career-of-guernica.html

Pode-se dizer então que a criação é uma espécie de “autodefesa”, mas não só necessariamente do criador em si, mas de todas as pessoas que possam ser atingidas pelo seu conjunto de signos, significados e significantes. A exteriorização da geração é, muitas vezes, um dos últimos pontos de apoio pró-dignidade (mental e/ou física) que os perseguidos possuem. Quando no Brasil, durante o regime militar, muitos artistas realizavam obras com teor (geralmente subliminar) de contestação, inquietação e resistência à ditadura, essa renitência era exemplarmente proposta a uma realidade melhor, para toda a sociedade, em linguagem artística e crítica.

Essa crítica citada é companheira bastante frequente da arte, muitas vezes sendo espécie de motor para sua gênese. O senso crítico-reflexivo alimenta e é alimentado pela música, cinema, literatura, dentre outros, na medida em que pode ser estopim de processo criativo mas que também torna-se cada vez mais saudável com a apreciação de cultura original e espontânea.

A indústria cultural transformou parte da obra da cultura em produto, isto é, em algo objetivado ao lucro imoral, na maior quantidade possível e no menor tempo alcançável. Neste processo, esse parque industrial complexo e enormemente influente tenta abafar ou calar movimentos artísticos reais, de impulsos fazedores oriundos majoritariamente da vontade de expressão, já que esses representam dois perigos a essa malha “usineira”: o Primeiro é a própria e direta concorrência em si, analogamente ao selvagem mercado de bens e serviços; O segundo é o caráter subversivo destes fenômenos, que devido a seu potencial “nutritivo” às subjetividades de seus desfrutadores pode pôr em risco a alienação e reificação (processos fundamentais para o domínio das elites hegemônicas, seja nessa indústria de cultura, na política, na economia… Enfim, no exercício do poder).

O objetivo é claro e cruel: Imbecilizar pessoas para que estas não consigam enxergar o processo hediondo, vertical e exploratório a que estão submetidas, nas mais variadas esferas de suas vidas. E, obviamente, que ainda participem como consumidoras de seu próprio veneno. Há, atualmente, inúmeros casos expostos pela mídia de terríveis casos de corrupção, nos partidos “de esquerda”, nos “de direita”, em instituições privadas, em órgãos governamentais… Somado a isso, há neste país uma brutal escalada da violência e não se vê a arte amplamente contundente sobre esse aspecto como costumava ocorrer no passado.

Acuada e sufocada, a produção artística não superficial (e aliada ao criticismo consciente de luta pelos direitos humanos) é vítima não mais da repressão direta mas sim da vigilância, na maioria das vezes através de vigilantes invisíveis à maior parte da população. A arte precisa se reinventar para continuar a resistir, a revelar, a expor e a conscientizar acerca do mau e do calamitoso. Mas como pode ela se levantar frente a cenário tão impiedosamente montado?

O horizonte é negro, fatalmente, dada a imensa força dominante do sistema vigente. A revolução necessária (que aqui não se refere a socialismo versus capitalismo… A relação é ainda mais complexa) tem como antagonistas indivíduos, organizações e instituições gigantemente aparelhadas até pelo Estado.

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