A Mensag… Digo: O Meio de McLuhan!

Diego Nantes
O Gerador de Van de Graaff
6 min readNov 24, 2017

Marshall McLuhan foi um relevante teórico da comunicação, professor, pensador e filósofo canadense. Seus estudos de caráter filosófico e cultural, acerca das consequências sociais geradas pelas inovações telecom-computacionais, foram precursores. Entreviu, de certa forma, a rede global de computadores quase três décadas antes dessa surgir. É afamado por sua idéia de que “o meio é a mensagem” e pela forja do termo Aldeia Global.

Antes do adentramento em alguns conceitos fundamentais da obra do canadense, faz-se necessário compreender outras noções mais básicas. Afinal, por exemplo, o que seria “meio”? Esse é uma tecnologia de comunicação. Os norte-americanos cunharam o termo medium através do latim e, seguindo a lógica dessa mesma língua, gerando seu plural media. O medium é o “meio que o espírito usa”. Aqui, aliás, cabe uma extrapolação: A palavra correta, em português brasileiro, seria “meio” e não “mídia”. Esse “aportuguesamento” (e não uso do vocábulo já existente) como bem explica a Escola de Frankfurt (que McLuhan não pertence!) é um fruto do imperialismo cultural.

A comunicação depende dos meios e através do jornal, telefone, rádio, televisão, internet, dentre outros, ultrapassa os limites fronteiriços do local onde está sendo produzida. Entre a mensagem que origina-se em Ana e atinge Maria há um meio, e esse (segundo McLuhan) é mais relevante de ser estudado do que a própria mensagem em si. Comunicar gera-se de “comum”. Comunicar é transformar em comum, dividir, distribuir, interligar, associar… É como os seres, diferentes como todos eles são, conseguem se relacionar.

Trata-se aqui de uma relação entre participantes distintos, desiguais, díspares… Um viola as fronteiras, infecta, invade, usando a característica mais ou menos permeável do interesse. Há, nessa viagem de significados, três conceitos básicos para que possa ser compreendida:

O primeiro é a intensidade de conexão/abertura, mediada pelo interesse (que pode ser negativo), empatia, capacidade sociocultural de transferência, identificação, tesão e desejo. Quanto maior a abertura, maior a conexão. O segundo refere-se ao puro e simples fluxo consciente e/ou inconsciente entre as partes. O terceiro, voltando aos Frankfurtianos novamente, é a ideia de massa, isto é, o conjunto de pessoas não lúcidas, vidradas, quase como em transe, parecendo hipnotizadas, “vítimas” de agendas comunicacionais perversas e, em algum ponto, comportamentalistas (relacionadas ao behaviorismo radical norte-americano, por exemplo). Aliás, ainda sobre as massas, as teorias da comunicação “antigas” ignoravam um fator determinante nesse processo alienante, gerador de êxtase superficial e formador da opinião pública: Os manipulados, no fim das contas, deixam ser manipulados.

“O meio é mais importante que a mensagem”. É com esta afirmação, finalmente, que inicia-se a observação de alguns pensamentos centrais do intelectual nascido em Edmonton, Herbert Marshall McLuhan. Primeiramente, focalizará-se a frase “os meios de comunicação são extensões do homem”: Isso revela que os meios são parte integrante do corpo humano. O microscópio é o olho absurdamente ampliado, o telefone analógico a própria voz, os celulares contemporâneos a própria “presença humana”, em seu âmbito audiovisual-. A carne do homo sapiens está ligada, agregada, conectada, até cerebralmente, até mentalmente, aos artefatos tecnológicos. O “corpo humano é ampliado tecnologicamente”, o corpo humano é modificado irreversivelmente pela evolução tecnológica. Neste sentido, numa ideia talvez chocante, pode-se até pensar em meios comunicantes referentes a produtos culturais não tão óbvios nesse sentido, como um carro e/ou uma roda, que, afinal de contas, servem para conectar. Uma faca, sacada em posição ameaçadora, também é um meio de comunicação, assim como o Metrô (que liga e conecta infinitas informações!). Essa arma branca, empunhada de forma intimidadora, possui uma mensagem clara.

“O meio é a mensagem” certamente é sua máxima, sua marca registrada na cultura popular e até mesmo na acadêmica. Isso significa que um ambiente de comunicação é originado por um meio. Quando alguém acessa um celular está conectando-se a um ambiente de comunicação, por exemplo. A grande questão sine qua non é que meios novos geram possibilidades novas. Uma equipe cinematográfica, por exemplo, pode enveredar-se por uma adaptação de um livro… Esse mesmo grupo pode, se quiser, produzir uma sequência de várias películas, de algumas horas cada uma, na tentativa de todas em conjunto refletirem a mensagem do livro. Mas isto é impossível. Mesmo que esses longa-metragens sigam perfeitamente diálogos, tentem reproduzir fielmente personas, aparência e cenários, a mensagem será outra. Mesmo que, num exemplo mais dramático, um livro seja convertido absolutamente fielmente para áudio-livro, a mensagem será mais ou menos discrepante. O meio impacta muito significativamente na mensagem. Aliás, ele é a mensagem. Independente do conteúdo, os meios possuem impactos característicos na percepção do ser humano. O meio repercute na compreensão da “mensagem” e gera efeitos societários, estes últimos sobretudo através da tecnologia moderna e contemporânea (que ampliam o homem, mudam os meios, mudam as mensagens, mudam o próprio mundo).

“Os meios de comunicação podem ser quentes ou frios” é um entendimento importante. Antes, porém, de entrar-se nessa questão faz-se fundamental estabelecer que todo meio é físico e que não há “mensagem pura” nem “meio puro”. A mensagem é dependente do meio e, como já relatado, para McLuhan são quase o mesmo ser, com este hegemônico àquela. Os citados quentes intensificam um sentido desconsiderando os outros, como por exemplo num livro, onde a leitura vale-se dos olhos. Há pouca interação entre o alvo e o meio: O livro já está escrito talvez há milhares de anos e o leitor tem pouco poder de “mudança”, de “conexão de ida e volta”. Os citados frios valem-se de vários sentidos ao mesmo tempo, como por exemplo numa missa ou culto evangélico televisionados onde o alvo “participa” com o emissor. Há um favorecimento, nesse último caso, da interação do destinatário com o meio.

Quanto mais sofisticado algo mais quente ele é. Quanto mais quente algo menos pessoas (em tese) alcançadas. Um livro de Cálculo Diferencial e Integral ou As Palavras e As Coisas (Foucault) são muito quentes, dado seus refinos, suas relevâncias científicas e/ou artísticas. Suas complexidades. A obra “escrita” por um Youtuber (na maioria das vezes, fatalmente, não por eles próprios) é pouquíssimo quente, dada sua muito maior “palatabilidade”, superficialidade, efemeridade.

“Os meios elétricos transformam o mundo numa aldeia global” é, talvez, o conceito mais espantoso tratando-se de seu relevante poder de “previsão” de realidades futuras. A reflexão debruça-se sobre a reunião humana contemporânea como em vilarejos antigos, tribos, bairros. É como se alguns aspectos da antiguidade, transformados, reinventados, recriados, metamorfoseados, estivessem retornando… Como se houvesse um presente e devir parecidos com a época antes das “bolhas” das civilizações (sobretudo causadas pelas diferentes línguas). A humanidade, mesmo que de forma não totalmente afetiva, mesmo que ainda de forma hegemônica, vertical, ou até (em alguns casos) odiosa, se aproximaria mesmo a muitos km de distância, num processo globalizatório em rede. A revolução eletrônica não pararia.

Finalizando seus conceitos mais importantes, há de se relatar as quatro condições intrínsecas dos já famigerados meios para McLuhan: Os sentidos são ampliados pelos meios (características naturais ficam mais sensíveis, mais extensas); Um meio novo obsoleta o anterior; Um meio novo costuma “resgatar” um meio antigo que estava obsoleto (ex: a escrita mitigou a importância da oratória, porém o boom do audiovisual contemporâneo “obsoleta” a escrita e “ressuscita” a importância da oralidade); Um meio novo, ao atingir seu limite, vira pelo avesso, isto é, torna-se outra coisa (outro meio) pela superação da limitação (ex.: máquina de escrever → programas de texto em Máquinas de Turing → Programas de texto em computadores quânticos).

E… UFA!

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