Globalização Vertical, Globalização Horizontal

Diego Nantes
O Gerador de Van de Graaff
4 min readNov 20, 2017

O foco da reflexão sobre a globalização deve residir na “direção” do processo, isto é, na horizontalidade ou verticalidade do fenômeno. Esta diferenciação situa-se na relação de hegemonias entre os envolvidos na permuta cultural, social, política e econômica, onde o horizontal representa a somatização voluntária/orgânica e o vertical a política de domínio.

O sistema globalizante é extremamente complexo e como tal deveria estar incólume a críticas intolerantes, proselistas e excitadas… O que não ocorre. Obviamente que a globalização alimenta os e é alimentada pelos processos hipermodernos imperialistas, os quais potencializam e até geram grande parte das mazelas globais onde — numa escala planetária — pequenos grupos ganham muito e grandes grupos ganham pouco. Aliás, num pensamento histórico, mercantilismo quinhentista, capitalismo industrial, neocolonialismo, capitalismo financeiro… O sistema globalizado citado sempre esteve de mãos dadas com esses capítulos.

O contraponto mais importante sobre o senso comum é o fato de que o sistema cultural expansivo exposto não é, até sua última instância, algo totalmente indigno para ser demonizado. Apesar de estar ligado muitas vezes a procedimentos imorais de exploração, nem sempre seu viés maligno está presente, com horizontalidades bastante possíveis de existirem. Por mais incrível que possa parecer…

A seguir seguem alguns importantes movimentos multiculturais brasileiros, oriundos do saber local miscigenado ao saber global: A Semana de Arte Moderna, influenciada pela vanguarda europeia (Impressionismo, Surrealismo, Cubismo, Expressionismo e Dadaísmo), “tropicalizada” e propositadamente menos academicista e “pomposa” do que as “artes da reacionária elite brasileira” da época; A Bossa Nova, da união do Jazz de Nova Orleans com o samba sincopado carioca; O Tropicalismo, da festa fértil da mistura do samba, do rock, da bossa nova e das artes plásticas ultra mescladas de incontáveis referências; O Rap e Hip-Hop nacionais, com estrutura visual e instrumental amplamente norte-americanizada, mas com a reflexão político-social e o canto à resistência para a realidade desta terra; O quase inacreditável manguebeat, do casamento poligâmico do Hip-Hop, Techno, Rock, ciranda, coco, maracatu, dança de roda… Enfim, da luta (e objetivo alcançado) de horizontalizar o processo por parte da sociedade mais vulnerável em poder econômico e político surgiram estes e muitas mais expressões artísticas.

Não é que os estadunidenses e outros povos dominantes expansionistas se preocupem com esta relação menos opressiva de aculturamento… Muito pelo contrário, suas táticas de domínio quase sempre estão presentes nessa irradiação cultural. Mas se não fosse por esta conversa de culturas, e a brasileira resistindo pra no mínimo a mistura ser mais humana, não teríamos patrimônios como Acabou Chorare, dos novos baianos. Ou Roots, do Sepultura: Obra mundialmente aclamada pela fusão quase psicodélica espiritual de Heavy Metal com música tribal e folclórica brasileiras…

Não se deseja aqui exigir força do oprimido como se fosse uma obrigação. Essa reação já citada, de remodelação da invasão cultural preponderante, é uma ferramenta de luta contra a perda da identidade… Ferramenta esta que infelizmente relevante parte da sociedade brasileira não possui, visto que esta grande parcela já se encontra amplamente ferida em suas subjetividades pela indústria cultural global (e local), em processos alienantes. Aqui entra, sem dúvidas, o papel da educação, que em funcionamento sadio proporciona maior resistência e solidez aos sensos críticos das pessoas, assim como à compreensão de suas histórias, origens raízes. Escudos contra a cegueira sobre os processos exploratórios.

Não há nenhum mal no consumo “puro” por si só de expressões artísticas estrangeiras… Como negar a genialidade mundial de A Kind of Blue de Miles Davis? Ou The Dark Side of The Moon do Pink Floyd? Ou Dune de Frank Herbert? Ou Citizen Kane de Orson Welles? O pilar da compreensão está na apreciação consciente sem a destruição de si. Quem aqui escreve ama, incondicionalmente, por exemplo, Rock Progressivo, Metal Progressivo, fantasia medieval de temática pseudoeuropeia e ficção científica também estrangeira… Mas sem achar isso tudo superior ao que é ou foi produzido com maior brasilidade. Só achando diferente também dos amados Clube da Esquina, Nação Zumbi, Mário Quintana, etc… O perigo mora na imposição de “superioridade cultural”.

--

--