Se eu fosse cartola

Por Pedro Augusto Barbosa Borges, geraldino

Guilherme Macedo Prudente
Geraldinos e Arquibaldos
4 min readNov 14, 2019

--

13/11/2017

“Ainda é cedo, amor/ Mal começaste a conhecer a vida/ Já anuncias a hora de partida/…/ Em pouco tempo não serás mais o que és”. Todas as criaturas conhecem esses versos, mas o que poucas sabem é que foram escritos sobre o rebaixamento do Atlético Goianiense na série A deste ano. O leitor mais apressado pode questionar a veracidade dessa informação: olha, a música foi composta em 1974; o carioca Cartola jamais ouviu falar desse time; a música é em homenagem à filha; etecéteras. Tais questionamentos parecem desconhecer que gênios não respeitam espaço-tempo (Einstein, como exceção, para confirmar a regra). De nada valem comparados à exatidão com que descrevem o que aconteceu com oDragão neste brasileirão — jamais confundir aqui com o habitante local que meça mais de 1,90m. E, já que estou elucidando tudo antes de terminar esta introdução, explico que o “cartola” no título está em minúsculo porque não me refiro ao sambista, mas aos cartolas que mandam no futebol. Continuemos.

Se, na parte de cima da tabela, juristas questionam-se sobre a justiça dada ao campeão, nos pobres, ela mete-lhes sempre o tacape da meritocracia punitiva — logo, o nosso rebaixamento já está sentenciado. Fora que uma lanterna segurada com tamanho esmero, do começo ao fim do campeonato, foi poucas vezes vista na história. Impressionante como o time que subiu campeão da segundona, na qual havia os recém rebaixados Vasco da Gama e Goiás, tenha ido tão mal na primeira divisão. O pensamento que circula, entre galos e hematomas, na cabeça da maioria dos torcedores, é que o motivo tenha sido o total desmanche do plantel vitorioso. A diretoria não fez questão de segurar seus principais jogadores e deu no que deu. E, portanto, a principal questão que pretendo trazer é justamente essa capacidade que os cartolas têm de não se preocuparem com o sentimento das pessoas e ainda ganharem muito dinheiro com isso. Tal constatação não é algo que acontece apenas com o clube da Campininha.

O futebol ainda é o esporte do povo, multidões se envolvem, emocionam, mas continuamos em nada, ou em raras vezes, possuindo poder de decisão sobre o que ocorre dentro dos nossos clubes. Pagamos ingresso, pagamos mensalidade de sócio, compramos a mais nova camisa retrô, compartilhamos em nossas redes sociais — emputecendo quem não gosta — , os marketings feitos para fortalecer a marca (“o time é como uma empresa”, blasfemam) e aceitamos tudo sem dar palpites, pois não temos autonomia de decisões e somos tratados como se fôssemos incapazes de compreender as realidades e contabilidades internas de nossos times, como se elas, de fato, nos fossem reveladas. Então, diante dessa impotência a que somos forçados, uma das frases mais comuns que ouço sair das entranhas do torcedor é “se eu fosse presidente, eu teria feito isso e aquilo”. Aqui, mais uma vez, o futebol é o Brasil em sua essência, o sonho do cidadão é o mesmo do torcedor. Ser responsável pelas decisões de seus líderes, os quais nunca se importam com eles. Mas já que sonhar não paga imposto, ou melhor, não paga entrada, entro nessa e direi o que eu faria se fosse presidente.

Primeiramente, como no segundo parágrafo e já escutei de muitos torcedores, teria me empenhado para segurar os jogadores do ano passado; segundo, no meu primeiro ano de governo, em nome de Deus e da minha família, abriria mão do slogan “o maior campeão brasileiro do centro-oeste”. É algo tão específico, que significa nada. Amanhã, se o Goiás passar o Atlético no número de títulos nacionais, nós seremos o quê? É deveras fraco esse “sei-lá-o-quê do centro-oeste”, o Goiás se diz “o maior do centro-oeste”, o Vila autoconclama-se “o clube mais amado do centro-oeste”. Muito mais significativo, duradouro e forte seria a dedicação a fortalecer a identidade do Dragão com o bairro de Campinas e região, aos moldes do que faz o Rayo Vallecano — é possível de ser feito aqui e ainda proporcionaria benefícios para a comunidade local. A fidelização e as melhorias para o clube seriam maiores. Terceiro, sob minha gestão, os ingressos teriam preços acessíveis de verdade. Certa vez, conversando com um popular no estádio, ele propôs um modelo de administração arrojado: “já reparou o quanto os times jogam melhor quando trocam de técnico? Se eu fosse presidente, todo jogo eu punha um técnico”. Não concordei de princípio e imagino que implicaria em problemas trabalhistas, mas meu quarto ponto é: você, torcedor, seria ouvido e participaria das decisões.

Infelizmente isso é apenas devaneio, pois quem lhes escreve é só mais um torcedor. E os cartolas, Michael, eles não ligam para a gente. Ano que vem, a vida continua na série B. Estaremos lá comprando ingresso de novo, camisa; apanhando; sorrindo quando permitido. Eles estarão nas tribunas, pois não se misturam. E para não dizer que não falei de Walter, muito raro eu culpar jogadores, afinal eles são as pessoas que fazem o que a maioria dos apaixonados por futebol, incluo-me, gostariam de ter feito da vida. Algo que tivemos a oportunidade de tentar (para treinar, bastava uma bola e chinelos), mas fomos inaptos. Ao contrário, ser presidente é algo que geralmente envolve muito dinheiro, poder, política e um tanto de outros elementos de origem duvidosa. Fatores aos quais não temos acesso, provável é que nunca teremos. Mas se tivéssemos, nosso mundo não seria moinho.

--

--

Guilherme Macedo Prudente
Geraldinos e Arquibaldos

Arquibaldo. Geminiano de nascença e corintiano por adoção, mas que recusa qualquer tratamento.