Flanar pelas ruas de Lisboa nos tempos da Geringonça

Redação Geringonça Pt-Br
Geringonça Pt-Br
Published in
3 min readJul 5, 2018
Beco de Santa Helena, Lisboa

Flanar é um verbo que quase não se usa mais. Caiu em desuso. Talvez porque quase não se pode mais flanar pelas ruas das grandes cidades brasileiras sem correr risco de vida, mas no país da Geringonça pode (união das esquerdas que governa Portugal), afinal ele foi eleito um dos mais seguros do mundo.

O verbo flanar vem do francês flâner que tem como sinônimos errar, vagar, vadiar, deambular, divagar, passear, perambular. O poeta francês Charles Baudelaire definia o flâneur como uma pessoa que anda pela cidade a fim de experimentá-la

Lisboa ainda é uma cidade para se flanar. Evitando, é claro, os locais onde abundam turistas do mundo todo. Mesmo assim, pela manhãzinha, é possível flanar pela Baixa e Chiado sem muitos percalços.

É nesse flanar, sentindo a brisa vinda do Tejo, entrando e saindo de ruas, que se depara com nomes que podem soar estranhos aos ouvidos brasileiros, acostumados com a toponímia das ruas nativas dominada por homenagens a políticos, na maioria das vezes sem merecimento. Mas, aos poucos, somos atraídos pelas travessas, becos, calçadas, escadinhas com nomes curiosos. Aliás, o diminutivo tão usado pelos portugueses é de um encanto à parte.

Vista do Tejo desde a Calçada da Graça, Lisboa

Tem as designações óbvias como a Rua dos Bacalhoeiros, dos Douradores, dos Sapateiros, da Padaria, do Forno do Tijolo … Mas Rua dos Fanqueiros? O que é um fanqueiro? Nada a ver com o funk como pode deduzir algum apressadinho. Descobri que fanqueiros são comerciantes de tecidos. E Rua dos Sapadores? Sapador? É o nosso bombeiro apagador de fogo e recolhedor de gatos em árvores. E vai por aí: Rua dos Correeiros, dos Douradores, da Prata, do Boqueirão dos Ferreiros, Travessa das Merceeiras e das Galinheiras (mulheres que vendiam galinhas vivas pelas ruas), Beco dos Agulheiros e muito mais.

Depois vêm ruas que comovem os mais sensíveis e românticos: Travessa da Água-da-Flor, rua da Saudade, das Flores, das Janelas Verdes e do Alecrim (coisa mais linda esse nome de rua!).

Muitas ruas de Lisboa têm nomes curiosos

Num passeio por Alcântara o flâneur pode intrigar-se com a placa da Triste-Feia. A explicação para o nome vem do Dicionário Toponímico de Lisboa e aqui reproduzo: “A origem do nome não é muito clara, mas deve-se a uma mulher triste, e por isso feia; ou feia, e por isso triste.”

E tem ainda o Jardim das Pichas Murchas, um pequeno largo na rua São Tomé, ao pé do Castelo de São Jorge: “Não é um jardim e não tem nada de murcho ou que possa murchar. Mas em tempos este pequeno largo (…) juntava a terceira idade do bairro em plena contemplação. Ora um calceteiro, de seu nome Carlos Vinagre, começou a chamar aquele sítio o jardim das pichas murchas, dada a quantidade de sistemas reprodutores ociosos que se sentavam naqueles bancos. O nome pegou, e nem mesmo uma tentativa da junta de mudar o nome demoveu os populares da zona que defenderam sempre este topónimo.”

Poderia falar da Rua do Sol ao Rato ou das Escadinhas da Porta do Carro, da Rua da Voz do Operário, mas é hora de finalizar lembrando que os lisboetas não se esqueceram dos nossos ilustres escritores: Rua José Lins do Rego (no bairro de Alvalade) e Largo Machado de Assis (no bairro de Areeiro).

Texto e fotos: Irene Nogueira de Rezende

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