Salazar: o construtor de fake-monuments

Redação Geringonça Pt-Br
Geringonça Pt-Br
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4 min readJul 9, 2018
Vista de Lisboa, desde o bairro de Graça. Ao fundo o Castelo de São Jorge

O viajante que chega pela primeira vez a Lisboa se deslumbra com a visão do castelo de São Jorge e suas muralhas medievais dominando uma colina que se debruça sobre o azul lustroso do Tejo. Surge logo a vontade de subir até lá para apreciar um monumento que remonta à Idade Média e, de quebra, ficar de queixo caído com a vista panorâmica. Herança medieval? Só que não!

O castelo foi praticamente construído durante os anos de 1938 a 1940 na ditadura António Oliveira Salazar (1932–1968). O soturno ditador queria dar a Portugal ares de heroísmo e para isso nada como criar monumentos fakes (falsos) para exaltar o patriotismo português, no momento em que se festejavam oito séculos da fundação de Portugal por D. Afonso Henriques, no ano de 1139, e a Restauração (quando Portugal se liberta do domínio espanhol 1580–1640). Nessa época o país se preparava para a grande Exposição do Mundo Português.

Fotografia de 1939 da colina ainda sem as torres e ameias do Castelo de S. Jorge

Inaugurada em 23 de junho de 1940, a exposição foi mais um delírio megalomaníaco de Salazar para legitimar sua ditadura, afirmando o nacionalismo através de um grande evento.

Anteriormente, no local onde hoje se vê o imponente castelo, se encontravam ruínas e instalações militares, até Salazar ordenar a construção das muralhas, seguindo orientações puramente ideológicas e passando por cima da relevância do sítio arqueológico que ali se encontrava e que remetia aos séculos XVII e XVII.

Fotografia de 1939 da colina ainda sem as torres e ameias do Castelo de S. Jorge

Nem a Sé de Lisboa escapou à intervenção de Salazar. Até o terremoto 1755 as torres do templo tinham formato cônico que foram abaixo com os fortes tremores. Nos séculos XVIII e XIX foram feitas várias intervenções que permaneceram até a ditadura salazarista. Para dar um ar mais “histórico” à igreja, derrubaram parte das torres e construíram as ameias (ameias são aquelas torrinhas nas muralhas onde os soldados se escondiam das flechadas inimigas) e a rosácea entre as duas torres que lá estão até hoje dando uma aparência mais medieval, combinando assim com o estilo do castelo de São Jorge.

A primeira foto mostra a Sé de Lisboa antes da reforma de 1939. A segunda como ficou depois da intervenção salazarista

Mas não parou por aí a furor salazarista de “reconstruir” o passado glorioso de Portugal. O castelo que teria pertencido a Afonso Henriques, na cidade de Guimarães, no norte de país, também passou por reformas (existe uma diferença abissal entre reforma e restauração). Aliás, no ano de 1836, as pedras que restavam do castelo quase viraram calçamento de ruas. As autoridades locais queriam aproveitar as pedras do castelo para pavimentar os logradouros de Guimarães. Por um voto a mais os vereadores desistiram do projeto insano e as ruínas escaparam… até a intervenção salazarista. Foram implantadas sobre as ruínas torres e ameias para dar um ar mais “heroico” ao sítio. Mas temos que reconhecer que a reconstrução ficou bem convincente.

Os portugueses mais críticos em relação ao seu passado dizem que autênticas mesmo de verdade só as ruínas do Convento do Carmo, no alto do Chiado. Um exagero, é claro, mesmo porque esse templo é também todo cheio de remendos, deixando o visitante confuso sem saber o que é original e o que é fake.

Ruínas do Convento do Carmo, no alto do Chiado, Lisboa

Salazar, como todo ditador, representou não só um atraso para Portugal, mas um perigo para o patrimônio histórico.

Irene Nogueira de Rezende

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