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O que acontece quando a sua melhor ideia nunca sai do papel?

Gabriel Oro
Ghost Writers
Published in
4 min readMar 29, 2015

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A sua maior convicção virou algo dispensável. E agora?

Se você faz parte do grupo de coitados que se dizem parte dessa comunidade de ilusões compartilhadas que chamamos de indústria criativa, já deve ter passado por isso. Se não passou, é grande a chance de que um dia vá passar. Na próxima terça, talvez.

Designers, músicos, publicitários, artistas, cineastas e vários outros. No geral, por baixo dos delírios de grandeza que nos atingem brevemente todo dia, temos empregos relativamente comuns: uma rotina com objetivos de médio e longo prazo, uma pauta a cumprir e um horário para cumpri-la. Lá de vez em quando, conseguimos fazer algo que realmente nos dá orgulho, orgulho de verdade, um trabalho de qualidade no qual realmente acreditamos. Aquele trabalho que a gente até mostra pros nossos amigos que tem empregos de gente grande. Mas na maioria das vezes, claro, não é assim. A maioria das criações acaba nem saindo, morre antes de deixar a agência/estúdio/empresa. E quer saber? Não tem problema. Em geral, lidamos bem com isso, faz parte do trabalho, estamos habituados, somos profissionais afinal de contas. No caso de escritores, o Christopher Pierznik fez, aqui no Medium, uma ótima análise sobre o que acontece quando seus livros não vendem, que foi uma das inspirações para este texto. Em qualquer área do trabalho criativo, pequenas rejeições são algo corriqueiro e bem assimilado.

Mas aí, tem aquela ideia. Vocês sabem qual é. Normalmente aqueles delírios de grandeza que eu mencionei aparecem de manhã e baixam a bola quando você sai pra comer, percebe que está gastando três dias de vale refeição e vai ter que economizar nos almoços o resto da semana. Mas com aquela ideia é diferente. Eles voltam todos. De repente você vê tudo com clareza, esse não é só mais um trabalho no seu dia, só mais uma pauta a vencer, só mais uma proposta na sua carreira. Essa ideia é boa. Seus olhos brilham, você começa a sorrir sozinho olhando o vazio, o estagiário novo fica assustado e pergunta pros outros qual é o seu problema. Mas tudo bem porque essa ideia é mais que boa. Ela é grande.

Talvez seja a sua melhor.

Aí é que nasce o problema: onde morre a ideia. Existem centenas de possíveis razões pra terem matado-a e provavelmente o motivo escolhido foi bem razoável. Talvez ela nem fosse tão boa assim. Talvez, anos depois, você pare em choque lembrando da vez em que se martirizou por uma ideia idiota. Mas é claro que na hora você não percebe, pois a ideia que dá convicção gera um apego, e essa é também a característica de um bom artista, um bom designer, um bom criativo. Nos primeiros dias, porém, você experencia uma rápida passagem pelos 5 estágios do luto:
Negação: “Eles disseram que não agora, mas quando perceberem o potencial disso vão mudar de ideia”
Raiva: “Cliente de mau gosto, demora um mês pra mandar as alterações do outro trabalho, mas pra reprovar é rapidinho né”
Barganha: “Se eu matar o resto da pauta logo quem sabe posso ficar um pouco mais naquele projeto e fazer eles mudarem de ideia”
Depressão: “Vdm. Vou começar a mandar portfólio”
Aceitação: “Ah numa dessas a gente propõe pra outro cliente um dia. Ou não, sei lá”.

O comprometimento com as próprias convicções, no fim das contas, é um de seus compromissos profissionais mais importantes. É o que vai fazer você ser um grande profissional e também é o que vai fazer você ficar apegado demais a um trabalho de vez em quando. Depois de alguns anos, claro, aprendemos a lidar melhor com a perda. A teoria das 10 mil horas coloca que, para alcançarmos uma performance excepcional em uma atividade, esse é o tempo de dedicação necessário a ela. Acho que depois dessa marca, você provavelmente também vira um expert em lidar com essas perdas. Talvez.
Como o leitor crítico e observador que você é, percebeu que o texto está terminando e eu ainda não dei uma resposta objetiva para a pergunta inicial. O simples fato de termos profissões que permitem criar esse tipo de vínculo com uma tarefa do dia, um item de pauta, resgata os motivos pelos quais escolhemos esse caminho em primeiro lugar. Cada trabalho e cada experiência profissional, positiva ou negativa, contribui de uma maneira única para nossa evolução, nos deixa mais prontos ou, como eu gosto de dizer, mais fortes.

Então, afinal, o que acontece quando a sua melhor ideia morre antes mesmo de nascer?

O que acontece é que uma partezinha de você morre junto. A parte fraca.

Você agora é mais forte.

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Gabriel Oro
Ghost Writers

Escritor, publicitário e apreciador de lasanhas.