Por que as novas gerações não querem mais trabalhar na criação?
Quando a área mais famosa da publicidade perdeu a graça?
Uma das melhores experiências profissionais da minha vida foi proporcionada pela universidade. Há cerca de dois anos, comecei a atuar, aproveitando as horas vagas, como monitor da cadeira de criação publicitária da minha faculdade.
Uma cadeira de primeiro semestre.
Um trabalho simples, organizar exemplos e referências para ajudar os alunos na execução das tarefas, levar briefings de clientes reais e ajudar caso surjam dificuldades para os estudantes. Raramente surgem. Trabalho leve.
Com a primeira turma que trabalhei, a professora da cadeira, minha orientadora, deu uma sugestão. Como os alunos costumavam ter dificuldades em usar os programas de edição gráfica — e como a faculdade não tinha nenhuma aula voltada para isso — sugeriu que eu desse uma aula de direção de arte, introduzindo a utilização básica dos programas. Era minha área de expertise e eu sempre gostei de ensinar, aceitei sem pensar muito.
Durante a aula, mais por curiosidade do que por qualquer outra coisa eu perguntei: quantos de vocês querem trabalhar com criação?
Cinco dos trinta alunos ergueram as mãos.
Uma cadeira de primeiro semestre.
A partir dali, fiz o mesmo com todas as turmas, a última delas poucos dias atrás. Dessa vez foram três alunos. Aquela primeira se mantém a recordista até hoje, sendo que dos cinco é bem provável que uns dois só tenham erguido a mão pra me fazer sentir melhor.
Notem que não parece ser o caso de uma geração fundamentalmente diferente, jovens da geração wxyz que querem ser donos do próprio negócio e inovar 24h ou outros desses rótulos que nós inventamos pra eles. Em geral os alunos não demonstraram, ao conversar comigo, nenhuma resistência a trabalhar em agências, apenas em trabalhar com criação. Aliás, vários deles mostravam interesse em outras áreas, em especial o planejamento.
Por quê?
Se analisarmos a situação do início dos anos 2000, segundo os professores da Universidade, em torno de 80% dos alunos entrava querendo trabalhar na criação. Tradicionalmente é a área mais chamativa para, bom, jovens de 17 ou 18 anos que veem comerciais do McDonalds e se convencem que realmente amam muito tudo isso. Não quero dar a impressão de que muita gente entrava no curso de publicidade ingenuamente, quero dar a certeza. Isso inclusive ajuda a explicar a alta taxa de desistência do curso. Os nomes mais famosos da publicidade brasileira até os anos 2000, os que ficaram conhecidos até fora do mercado, eram sempre criativos, parecia um caminho de maior sucesso, já que os ícones do sucesso na área estavam lá.
Mas não parecia um caminho fácil.
Existe já de muito tempo um imaginário relativo ao trabalho na criação de agências publicitárias, que envolve noites em claro, pizza de janta por conta da agência, fins de semana trabalhados e baixíssimos salários para estagiários. O que esse imaginário não contempla são coisas como banco de horas e recebimento de horas extras. Era visto como óbvio que estagiários deveriam trabalhar quase de graça e essa prática era relativamente bem aceita pelos estudantes, não mais que dez anos atrás. Uma amiga minha costumava lembrar quase saudosa do tempo em que ganhava 250 reais por mês como estagiária, e gastava 300 só no estacionamento próximo à agência. Mas se tem uma coisa que quem entrou na faculdade nos últimos 5 anos faz melhor que qualquer um, é questionar o que é velho. E meu deus como isso é velho.
O que as outras gerações não viam e essa enxerga muito bem é que trabalhar com criação é uma profissão como outra qualquer e deve ser tratada como tal. Se trabalhar até tarde todo dia é uma prática comum em uma área, não querem ser parte dessa área. Ponto. Se vão ter que gastar seu tempo livre na agência e ganhar pouco pra isso, não vão nem querer saber. Eles (realmente) tem mais o que fazer. Na verdade, as gerações mais antigas tem tanto a aprender ouvindo estudantes de primeiro semestre quanto o contrário.
Outro ponto importante para essa análise é: uma das partes mais valorizadas do estereótipo da criação publicitária sempre foram as premiações. Para alguém que tem 17 anos hoje, subir num palco pra receber um certificado de papel de um figurão que provavelmente não sabe nem ligar a câmera do iPhone sem desbloquear a tela inicial não deve ser tão atraente assim. Cannes? Garanto que boa parte deles vai preferir emplacar um vídeo de 1 milhão de views. Com cliente ou não. Pudera não quererem trabalhar com criação em agência, tudo tem estado tão clichê e repetitivo que essa descrição está quase me fazendo questionar a minha própria escolha pelo mercado criativo. Antes essa percepção levava anos, agora já se tornou parte do imaginário popular antes mesmo de entrar na faculdade. E as agências parecem cada uma mais igual que a outra.
Mas será que essa situação é ruim? Nos sete anos em que faço parte dessa realidade, observei um aumento significativo nos salários e na valorização do jovem profissional da área. Apesar disso, nunca foi tão difícil achar gente pra preencher vagas de assistente criativo. Há uma esperança afinal. O mercado se adapta.
Minha conclusão final não vai para as empresas, mas para o estudante que de alguma forma caiu nesse texto: continue assim. Resista a um sistema retrógrado, falido e autodestrutivo. Não se curve ao que gerações menos capazes decidiram que deveria ser um núcleo criativo.
Faça a criação te merecer.
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