5 anos sem Glauco

Gibisauro
Gibisauro etc.
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3 min readMar 12, 2015

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Marcos Candido

Glauco Vilas Boas era diferente de seus personagens boquirrotos. Dono de uma voz episcopal, o cartunista mantinha olhos cabisbaixos mediados por um nariz comprido e um recato do interiorano paranaense.

Nunca aparentava eufórico, mesmo enquanto descrevia seu catálogo de personagens, ou quando tocava o acordeão que ditava o ritmo do hinário da igreja daimista Céu de Maria, em Osasco. Fora padrinho fundador do local.

Enquanto apertava cada tecla do instrumento sanfônico, reluzia a aliança dourada do casamento com a artista plástica Beatriz Galvão. Não era a primeira em seus dedos. Fora casado antes. Raoni Vilas Boas foi o fruto da relação passada.

Assim como o pai, o garoto tinha o mesmo fulgor discreto e traços militantemente parecidos com o de seu genitor. No Santo Daime, Raoni, 25 anos, empunhava o violão. Ele tinha quase a mesma idade de Geraldão, personagem criado por seu pai no início da década de 80.

Com uma irreparável virgindade e habilidade em ingerir todo e qualquer entorpecente, Geraldão servia como caricatura, de vários braços, aos consumidores vítimas de uma lascívia sem freio. Nas mãos de Glauco, claro, isso foi extrapolado a uma perversão cômica, assim como em Casal Neuras e outras de suas criações.

Com habilidade em mesclar assuntos atuais com comportamentos seculares, Glauco foi um dos roteiristas da TV Pirata, satírico exibido pela rede Globo nos anos 80.

Em seu nome também estão livros, uma série animada produzida pelo Cartoon Network e o prêmio de humor de Piracicaba, em 1977, onde tudo começou. À época, Angeli, Laerte, Millôr e Jaguar condecoraram o jovem pelo desempenho crítico em suas primeiras tiras, ainda de traços rudimentares.

Se os amigos cartunistas o viram “nascer”, assistiram sua partida. No dia 12 de março de 2010, Carlos Eduardo Sundfeld Nunes, em surto, disparou contra Glauco e Raoni no mesmo templo onde eles tocavam acordeon e violão juntos. Pai e filho caminharam muitas vezes por onde caminhariam a última vez.

Glauco Vilas Boas tinha 53 anos. Ele morreu na mesma semana em que nasceu e ao lado de quem criou. No dia seguinte de sua morte, todas as tiras da Ilustrada, onde trabalhou por mais de vinte anos, foram publicadas em branco.

Glauco Vilas Boas
⛥ 10 de março de 1957 — ✞ 12 de março de 2010

Foto: jornal O Estado de S. Paulo

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Escavando fósseis de inteligência nos quadrinhos.