Crítica- Dois Irmãos

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4 min readApr 16, 2015

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A adaptação de Fábio Moon e Gabriel Bá para um dos melhores livros brasileiro dos últimos anos

Marcos Candido

Em Dois Irmãos, livro do amazonense Milton Hatoum, a carne é um tecido esponjoso. A alegoria causa desconforto, mas a pele carrega o canal para a atração mais animalesca, de momentos impronunciáveis, dos segredos incautos e do tato de gerações.

É na pele física e metafórica que está o ciúme, o incesto, a violência e o afeto em Dois Irmãos. A pele dos gêmeos, Yaqub e Omar, é idêntica aos olhos, mas carregam um tecer diferente e substancial para que ela não seja uma só.

Na adaptação de Fábio Moon e Gabriel Bá, estas minúcias de Hatoum arrefecem, criando uma narrativa particular sobre uma história de renome na literatura brasileira dos últimos 15 anos.

Salim reencontra o filho Yaqub. Arte: Dois Irmãos (Fábio Moon/Gabriel Bá)

A versão de Dois Irmãos em quadrinhos traz um drama familiar visceral. O ciúmes (quase) incestuoso de Zana pelo filho caçula é menos subjetivo, mais ativo e reconhecível do que no livro original. Salim, pai dos gêmeos, também possui uma volúpia escancarada, com uma postura egoísta e reafirmada ao longo da obra.

A exposição da pele, no sentido mais superficial, se dá pela expressão das faces desenhadas por Bá. Em certos momentos, as informações emocionais do traço favorecem o afeto do leitor com os personagens, mas entregam rapidamente o jogo da dissimulação — ou a pele metafórica — criado por Hatoum. Além da arte, a argumentação faz revelações precipitadas que endereçam mistérios atraentes, mas fáceis de serem concluídos.

Cais amazonense. Arte: Dois Irmãos (Fábio Moon/Gabriel Bá)

A Manaus de Bá e Moon no quadrinhos é mais desmontada do que na literatura. Ao contrário de uma região quase folclórica, a cidade recebe ênfase em seus estabelecimentos e ambientes particulares. Isto cria uma roupagem totalmente nova. Nestes espaços a vida privada, de fato, se manifesta.

Se apela, em algumas ocasiões, algum afeto com a cidade. A intenção soa deslocada, já que é difícil conceder alguma empatia quando o afeto está nas particularidades humanas.

Famíla reunida. Arte: Dois Irmãos (Fábio Moon/Gabriel Bá)

A vida privada é uma característica de Bá e Moon, mas o bucolismo típico deles também se perde, muitas vezes, em meio a necessidade do conflito.

Foram opções, claro, integradas a todas as outras no processo de adaptação. Levar tons mais carregados de emoção, um clímax constante e ambientes mais particulares, transformaram a sutileza da obra original em ações explícitas.

No início de Dois Irmãos, entretanto, existe uma cena com uma quantidade enorme de informações, expressões sensíveis e detalhes que dão uma explicação contextual em apenas alguns quadros absorvidos, naturalmente, pelo leitor. Também há lindas panorâmicas, arquiteturas e alguns quadros geológicos frutos do estudo de campo feito pelos irmãos. Com certeza, dois momentos ápices em suas carreiras.

À plateia paulista no Conjunto Nacional, em São Paulo, o próprio Hatoum afirmou que, diferente dos irmãos quadrinistas, dos protagonistas de seus livros e de qualquer outra comparação, “Dois Irmãos” de Bá e Moon não é uma “obra gêmea” de sua literatura.

De fato, os dois quadrinistas impõe um tom divergente, sensivelmente mais pueril e mastigado que a narrativa de Hatoum. Os irmãos quadrinistas, ao que parece, tiveram mais facilidade ao adaptar o enredo objetivo d’O Alienista, de Machado de Assis, do que a obra cheio de elementos subterrâneos e malícias silenciosas de Dois Irmãos.

No final, Dois Irmãos em quadrinhos é uma trama familiar ferrenha. Um novelão fácil, ainda que intrigue pela sua construção e conflitos comuns.

FIM

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Escavando fósseis de inteligência nos quadrinhos.