Quando eu ficava bem triste eu fazia estes quadrinhos de humor no fim do caderno

Gibisauro
Gibisauro etc.
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4 min readApr 30, 2015

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Marcos Candido

O curso pré-vestibular foi parar em uma sala anexo, espaçosa e com cadeiras que eram cada vez mais desocupadas ao longo dos meses. O ar parecia ácido, minhas pupilas encaravam meus cadarços a todo instante. Eu me sentia muito sozinho. Isso foi em 2012.

Não tinha o menor jeito para física, química, matemática e biologia. Foram matérias negligenciadas no meu colégio público — e completamente desinteressantes para mim.

Enquanto logaritmos eram ensinados, passei a desenhar no fim do caderno algumas histórias expressamente melancólicas, com tom de um humor que era dissimulação da minha própria tristeza.

Pedro Era Bem Burro

O Pedro era um pré-vestibulando em busca do troféu de humanidades da sala. À época, achava que a garotada de Letras e Ciências Sociais cacarejavam algumas mudanças de comportamento como uma afronta a quem eu era — um jovem orgulhoso, mais reacionário.

Então, Pedro era uma entidade de tudo que eu não gostava; uma espécie de CNPJ dos pensamento de esquerda, essencialmente a acadêmica. Apesar de importante, aquelas pessoas tinham limitações bem nítidas. Eram bem jovens, como eu sou e já fui.

O curioso é que eu me identificava, implicitamente, com os Pedros ao meu redor. Há um gabo subliminar e uma confraria natural dos que conhecem filosofia e as expressões artísticas de vários estágios da humanidade, ainda que isso ainda não pague as contas muito bem. É foda.

Bóris, o dinossauro feliz

O Bóris com certeza foi inspirado no Rex do Toy Story. Eu sempre achei o Rex contraído e frágil para um T-Rex. Bóris é ainda mais quebradiço, tem um emocional que o torna feliz quando está triste e triste quando está feliz. Eu não era exatamente assim, só um pouco.

Como eu já provei ao leitor que não sei desenhar, o Bóris é basicamente uma meia acoplado a um pulso humano, sempre de perfil. Eu ia até um parque perto do curso, apreciava as árvores, lia Álvares de Azevedo e me acalmava bastante enquanto o desenhava.

Como não sei manter uniformidade no traço, Bóris sempre emagrecia ou ganhava um pescoço mais alongado a cada mudança de quadro. Eu ria com este dinossauro bipolar, já que o humor é completamente forçado e desproporcional.

Dostoiévskizinho

Por algum conchave dos astros, li “Notas do Subsolo”, de Dostoiveski, no ápice da minha melancolia acadêmica. O livro é um dos mais densos e carregados que já li até hoje. Fiquei arrasado. Achei que nunca passaria em Jornalismo. Estou no terceiro ano de graduação. Chupa, Dosto.

Estes dias do cursinho parecem distantes. Meu ar não inala a mesma tristeza. Eu levo na boa, o Pedro continua bem burro, o Bóris a chorar e eu ainda não sei escrever Dositiekvsi. Ainda há peças inéditas escondidas no caderno de folha reciclada que recebi do governo estadual no ensino médio. Não uso mais caderno.

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Gibisauro
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Escavando fósseis de inteligência nos quadrinhos.