CRÔNICA

CANTAR

Ou “é, eu estava, até te ver aqui”

Giovana Silvestri
Giovana Silvestri

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Mais uma noite. Vai começa. Ainda não. O barulho do bar já era uma música pronta, pra que tocar. Pensa mais devagar porque daqui uns 5 minutos tudo que você vai precisar pensar é na letra dessas musicas. Ajuste. Refrão. Mais uma noite. Vai começa. Ainda não. Olhos cansados, bêbados e impacientes. Suspiro. Ele me disse uma vez que me amava, mas ele estava chapado. I da i. Senta. Arruma ali. Eu estava te dizendo te amo e você ria que nem uma desgraça. Mais uma noite. Vai começa. Sim. Olho uma pessoa que não via fazia anos. Fica longe de mim. Não se aproxima mais não. A primeira nota sempre é a mais difícil depois eu desenrolo e vou. Afinal por que você só me liga quando tá bebado? Continuei a canção. Harmonia. Solos de guitarra já te conquistaram. Será que um dia ainda morro por escutar tanta música? Mais uma noite. Já começou. Eu sempre chego meia hora atrasada nos lugares, no mínimo. E te vejo. Sorrio cantando e isso muda o tom. Mas não me importo. Palmas e assobios. Eu te disse que ia, e eu fui, só por você. Mas é que do outro lado do palco parecia que eu cantava para outra pessoa. Emburrado. Só mais uma cigarro. E outro. E outro. Eu não suporto esse cara. Esquece o Zezinho, meu amor. Não da. E bufa irritado. O que eu fiz. E eu vou lá saber? Joga a bituca fora com raiva. Outra musica. Mais uma noite. Já estávamos quase no meio. De um lado um chora e do outro um me encara bravo. Que eu fiz pra merecer isso, meu deus? Para tudo, perco a respiração, errei uma nota? Duas? Só sei que parei. Acendo um cigarro no meio do som e ninguém se importa. Eles me aplaudem até pelo fracasso. Você é muito bonita, não tem como não elogiar. Mais uma noite. Já estamos chegando no fim. Não te vejo mais. A plateia se foi, só que a multidão está lá. E canto desanimada como se estivesse me lastimando. Que eu fiz? E eu vou lá saber? E acende um cigarro, e outro, e outro. É a última. Estão cantando bis. Não me importo. Mais uma vez e eu choro. Mais uma noite. E acabou. Respiro fundo. Agradeço. Você é demais. Vocês que são. Meu baixista fica mudo porque sabe tudo que rolou de cor, indignado, mesmo com o meu erro. Você precisa confiar em mim, nenhuma pessoa que trabalha com música presta. E recebi cervejas de graça. Como se recusa. E bebo varias. Realmente quem trabalha com música não presta e eu presto? Te mando mensagem. A vida imita a arte. Só então quando respiro o ar frio da madrugada vejo ele saindo do bar. Não deveria ter vindo. Estragou tudo. Me cumprimenta. Ergo uma sobrancelha. Reviro os olhos quando me pergunta se estou bem. Respondi: é, eu estava, até te ver aqui.

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