CRÔNICA

O dia que eu perdi a minha avó

Ou “não sei, só sei que tô tentando descobrir!”

Giovana Silvestri
Giovana Silvestri

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Essa avó eu conquistei com o tempo. Ela não é de sangue não. Eu sempre fui assim, vou adotando os velhinhos, sabe? Não questiono gente de muita idade, porque no final eles estão certos. Professor de idade então, ele sabe do que sabe, do que viveu e do que nem a gente questionou saber. Tem uma senhora que mora perto de casa e ouvir ela por dois minutos faz o meu dia mais feliz… enfim. Ela não é minha avó avó, mas é. O sangue nunca foi laço necessário para me fazer manter uma relação. Sangue é consequência, o que importa é a conexão. Ela é avó dos meus primos por parte de pai e a mãe dos meus primos é irmã da minha mãe. Então, eu e a dona Noêmia não temos laços sanguíneos. Todo dia no meu aniversário ela mandava cartinha escrita a mão. E todo final de ano ela me tratava como se fosse a sua neta de sangue. “Cadê a Giovana?” “A Giovana tá aqui, vó” “você recebeu a minha cartinha?” “Recebi e adorei!” “Toma esses cinquenta reais pra você comprar algo pra você…”. A Dona Noêmia sempre foi uma pessoa ativa e hoje ela tem quase 100 anos, o corpo dela anda bem, mas a mente… Era religioso, todo aniversário eu recebia algo. Toda festa eu era recebida com abraços e perguntas e histórias. Dona Noêmia nunca se esquecia de mim. Eu sempre dizia que tinha duas avós, mesmo nunca tido conhecido minha avó paterna que morreu antes do meu nascimento. Minha vó de coração foi diagnosticada com começo de Alzheimer anos atrás e o dia que eu perdi ela foi quando ela me olhou e disse: “quem é você?” Isso foi no meio de uma festa de família. O meu mundo congelou. Parou. Que saudade da Vó Noêmia! Mas se tem algo que define ela são as suas histórias. Como toda senhora, repete histórias antigas e uma que eu nunca esqueço é de quando uma bala passou de raspão pela perna dela e um homem aleatório na rua ajudou e isso salvou a vida dela na época. Desde então, ela repete: “quem morre de tiro não sente dor”. Minha avó disse, eu não questiono. Quem morre de tiro, com toda certeza, não deve sentir dor. Outra história gostosa de ouvir é de quando ela trocava cartinhas com os paqueras dela. “Eles me mandavam cartinhas muito românticas e eu ia lá e respondia….” Sinto que Dona Noêmia amou o marido que ficou casada por anos, mas o Ciclano sempre aparece nas historias dela. O Ciclano deve ter sido uma paixão na vida da minha avó. Que saudades da Dona Noêmia! Coisa de antigamente, ela guarda. Agora, a frase: quem é você? Doeu demais em mim. Hoje olho ela de forma diferente e até penso em responder: “olha vó, não sei, só sei que tô tentando descobrir.”

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