O relógio bate
Ou “não há mais Walder para ver”
O relógio bate. São dez e quinze. Sobe as dez e vinte. Pausa dez. Pausa trinta. O relógio bate. São dez para a meia-noite. Frio. Chuva. Desconforto. O relógio bate. São meio-dia e meia. O relógio bate. Walder chora. O relógio rebate às 8 horas porque bate uma vez… dentro de uma máquina e depois o ponto é batido. O relógio rebate e bate, Walder fuma, uma vez bate na máquina, outra no ponto e o último no tique-taque do relógio em seu pulso. O relógio bate, Walter apanha: do horário, do trabalho, da mulher e, por fim, da filha que dorme muito após um dia corrido de brincadeiras na escola. Papai, você chega muito tarde. Walder bate, Wilma chora, Catarina dorme. O relógio bate, rebate e são novamente oito horas. Desta vez, Walder não bate com a mão e sim com a voz. Em meio a tanta violência, ele se perdeu… as horas passaram voaram, os dias sumiram do calendário, os meses foram somente mais um número no topo da geladeira. É 2023. Não pode ser, diz Walder. O relógio bate, bate, bate, os dias batem, os anos batem à porta. A agora é batida no ponto, Walder chora. Catarina tem trinta e três anos. Bate e rebate. Agora é rebatida no ponto. Vai e volta, morre. O tempo vira de ponta cabeça, para Walder era somente questão de tempo… o relógio batia, duas vezes, uma no relógio o outra no ponto. Segura Walder, precisa de Walder. E Wilma chora, depois que Walder bate e rebate chorando. Mas o relógio bate. Ele não para de bater. O bar abre, não existem horas, só existe Walder. Bate e rebate, tristeza e bebedeira, calma, são oito horas da manhã. O relógio bate, somente uma vez é necessário bater, não é no ponto, e nem na máquina que faz tique-taque na estação de metrô. Ele bateu pela última vez. Taque. A última vez numa estação de metrô. A primeira vez que Catarina ouviu o tique-taque do relógio de seu pai foi quando eles fecharam a tampa de madeira. Tique-taque, não há mais Walder para ver.