EM CORES

Quarentena

Ou como eu queria poder gritar para aquela menina ingênua.

Giovana Silvestri
Giovana Silvestri

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Nesse isolamento sinto-me mais vulnerável. É como se o convívio com os meus pensamentos estivesse potencializado. Só não me diga que não gosto de ficar comigo. Eu amo. Sou solitude. Mas é impossível negar os monstros agora. Preciso admitir que conheci novos nesse tempo. São dias que parecem meses e semanas que duram anos. Cada hora que passa, em silêncio e em inércia, sinto como se fossem eternas. Quando ouço eles, os pensamentos, me sinto sufocada. Não tem para onde correr. Festas, conversas boas em bares ou dormir de conchinha. Não posso. Tempos difíceis esses em que o afeto se tornou vilão. Se antes me limitava a não abraçar, hoje quase não aperto uma mão. Remorso. Com essa chuva de desamor e solidão, é impossível não se sentir limitada. Consumida. Comprimida. Estagnada. As paredes do meu quarto estão cada dia menores. Minha cama já tem o formato do meu corpo. Queria correr. Fugir para o passado. Abraçar o inesperado e dizer sim para cada pergunta. Te dizer tudo que me neguei. Abraçar sem medo e segurar mãos por tempo indeterminado. Nunca valorei tanto a liberdade. Perder o normal que é ver e sentir. Sinto-me mais só do que nunca. Minha gata me encara com um penetrante. Me questiona porque fico tanto tempo deitada. Não posso negar a falta que o normal me faz. Da rotina corrida e das conversar sem precedentes. Não posso negar a forma como tudo me consome. De como me sinto apática e como tudo demora a passar. Não irei dizer que estou em paz. Porque, para se ter ela, precisa-se de mais. De vento na cara. De sol da manhã. De ruas barulhentas. De barulho de sinuca. De risadas de família. Som de copos quebrando. De pessoas. De lugares. De mãos e braços em volta do meu corpo. De afeto. De amor. Os rostos na tela do computador não suprem minha carência. Os áudios no celular parecem vozes tão distantes. As conversas que tenho não fazem sentido algum. Não tem ninguém aqui. Como queria gritar meu sufoco, meu isolamento e desamor. Correr e perder o ar. Ser queimada por algum cigarro de mãos desatentas em um bar. Ser acariciada com um olhar castanho fogo. Beber e sentir as pernas falharem. Como queria abraçar e sentir que estou segurando o mundo. Tocar estranhos sem preocupação. Beijar os centímetros de uma boca pequena. Ser segurada nos braços enquanto estivesse bêbada. Receber cafuné e não reclamar. Aceitar um lugar para ficar de bobeira. Agora, tantos dias se passam e tudo que desejo parece estar cada vez mais distante, como em uma corrida que quanto mais tento chegar na final, mais se estende a linha de chegada. O que me resta é esperar. Pensar um pouco e refletir sem parar. Até que ponto tudo isso irá se distanciar, se isolar de mim. Com tantas coisas borbulhando em minha mente, penso em mim. No meu eu agora que valoriza cada sorriso de desconhecido na rua, no meu eu agora que espera o sol chegar pela manhã. O meu eu agora eu só pede que tudo volte. O meu eu agora que se nega o medo de amar e assume a coragem de sentir. O meu eu agora que se conhece mais. Relembro do passado e como quero gritar para aquela menina ingênua que não imaginava que estaria aqui e assim. Queria dizer. Só peço que não pense em nada. Só aproveite cada gole que dará em meio as falas sórdidas no bar. Aproveite e deixa os abraços durarem mais de três segundos. Aproveite e faça cafuné, segure a mão de quem você tem dentro de ti. Aprovei e respire esse ar puro, com cheiro de terra e flor. Porque esses instantes, esses preciosos e despercebidos instantes de liberdade acabarão. Eles serão o seu refúgio no futuro. Você só os terá na memória e, por muito tempo, nada substituirá. Como eu queria poder gritar para aquela menina ingênua.

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