É tudo free! A aproximação “não-ideológica” de Bolsonaro com os Estados Unidos

Lucas Gomes
GIROSCÓPIO
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5 min readMar 30, 2019
Bolsonaro e Trump se presenteiam com camisas de Futebol Americano e da Seleção Brasileira (Foto: AFP)

As eleições de 2018 foram marcadas por uma mudança no cenário político nacional com a ascensão do Partido Social Liberal (PSL). Jair Messias Bolsonaro foi eleito como candidato contra hegemônico, levando o PSL, que antes possuía representação mínima no poder, à Presidência da República. Antes um Deputado Federal do estado do Rio de Janeiro, membro do chamado baixo clero da Câmara dos Deputados, teve nos seus vinte e sete anos na casa nenhum projeto aprovado. Entretanto, sua falta de articulação dentro do Legislativo não foi obstáculo para seus eleitores, que desejavam um Brasil acima de tudo, com Deus acima de todos, e o elegeram Presidente do Brasil em sua primeira tentativa. Além disso, o PSL se tornou uma nova força no parlamento, sendo superado apenas pelo Partido dos Trabalhadores (PT) no número de deputados federais, e com o apoio dos presidentes das duas casas — Rodrigo Maia na Câmara de Deputados e Davi Alcolumbre no Senado Federal –, o caminho do governo para aprovação de seus projetos parecia seguro.

Sendo assim, pautas consideradas de urgência pelo governo poderiam ter uma resolução mais rápida, como a Reforma da Previdência. No campo da política externa, havia a expectativa de uma boa relação com os Estados Unidos, já que Bolsonaro se espelhava ideologicamente no Presidente norte-americano. Mas será que a articulação política do Presidente da República se diferencia dos seus últimos 27 anos como Deputado Federal? Quais as consequências de um discurso de aproximação não-ideológica? Como será a relação do Brasil com os Estados Unidos como parceiro econômico, político e militar prioritário?

Algumas dessas questões foram respondidas com a visita de Jair Bolsonaro a Donald Trump. O presidente brasileiro foi ao país norte-americano em busca de apoio em questões econômicas, como a entrada na Organização para a Coordenação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que tem como finalidade o desenvolvimento econômico das nações mais avançadas. A entrada na organização geraria uma narrativa de credibilidade para investidores estrangeiros no País. O Brasil recebeu o apoio publicamente dos Estados Unidos para a entrada no grupo. Por outro lado, o País teve que abdicar do status de país em desenvolvimento dentro da Organização Mundial do Comércio (OMC), que lhe dá maior flexibilidade em vantagens comerciais. Entretanto, caso o País desista desse título dado pela OMC e não haja entrada na OCDE, ele pode perder grau de competitividade e poder de barganha em acordos comerciais.

No campo militar, o Presidente estadunidense também sinalizou positivamente para uma elevação do Brasil ao status de aliado preferencial fora da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN). Se, por um lado, ganhamos um apoio militar efetivo dos Estados Unidos, por outro, com essa aproximação, as relações entre os dois países pode se estender para a participação do Brasil em conflitos em que os EUA esteja envolvido, com o envio de tropas militares, por exemplo. Uma demonstração de um possível engajamento militar brasileiro em conjunto aos estadunidenses é o aluguel da base militar de Alcântara, no Maranhão, caso o Congresso Nacional aprove a decisão.

Como dito anteriormente, as opiniões sobre imigração de Trump e Bolsonaro se assemelham no discurso. O Presidente brasileiro declarou que os imigrantes eram a “escória do mundo” e o norte-americano endureceu as políticas contra a imigração no país, banindo de forma arbitrária a entrada de cidadãos de países da África e Oriente Médio no início do seu mandato. Nesse mês, Trump fortaleceu ainda mais as restrições contra imigrantes anunciando que irão exigir o histórico nas redes sociais para liberação de visto. Bolsonaro, por outro lado, assinou um decreto em que liberava a população de quatro países da necessidade de visto ao viajarem para o Brasil — sendo eles: Austrália, Canadá, Japão e o próprio Estados Unidos. A proposta, que ainda deve ser votada pelo Congresso, divide opiniões. Questiona-se a forma em que Bolsonaro se aproxima dos Estados Unidos e como suas concessões podem se assemelhar a um entreguismo, sem a reciprocidade esperada do país norte-americano.

É importante salientar que o poder de barganha do Brasil nas negociações com os EUA dependem do Congresso Nacional. Sem a aprovação do aluguel da base de Alcântara e o fim da exigência dos vistos, o País terá um número menor de concessões para busca de apoio. Entretanto, sua articulação dentro do parlamento sofre com turbulência e falta de entendimento para a composição de uma base governista forte. As discussões em torno das pautas consideradas principais do governo, como a Reforma da Previdência, já demonstraram momentos de altos e baixos, tensões e polêmica entre seus aliados -, como as declarações de Bolsonaro sobre os problemas pessoais de Rodrigo Maia e as do Presidente da Câmara sobre a falta de articulação do governo. Esse entrave dentro das duas casas pode gerar, assim, o aumento das dificuldades de Bolsonaro nas negociações com os Estados Unidos.

Por outro lado, o apoio dos Estados Unidos em relação a entrada do Brasil nos grupos como a OCDE também pode ser colocado em cheque. Não há certeza quanto ao ingresso do País, apenas um apoio dentre os trinta e cinco países que fazem parte do bloco. Entretanto, caso os decretos de Bolsonaro vençam no Parlamento, os Estados Unidos ganharia um pacote de concessões generosas do governo brasileiro, sem que o País tivesse ainda uma contrapartida concreta. Por enquanto, podemos questionar se o escrete canarinho não está se tornando um vira-latas, como Nelson Rodrigues afirmou que não éramos em 1958, ou se o verdadeiro desejo de Jair é tornar o Brasil uma filial estadunidense, onde Deus está acima de todos, mas ele veste azul e vermelho, e se chama Sam.

O caminho da prosperidade proposto em seu plano de governo parece ser mais difícil que o esperado, pelo menos é o que se demonstra nos cem primeiros dias à frente do cargo. É inegável que a sua equipe e o próprio Bolsonaro demonstram despreparo para o gerenciamento da base governista, mesmo com o Presidente possuindo quase três décadas dentro do Parlamento. Fazer concessões são importantes para receber apoios, contanto que esses sejam concretos, com garantias de retornos. Caso não haja expectativa de retribuição, Bolsonaro resgata a música ‘Aluga-se’ de Raul Seixas, onde é tudo free e vamos dar lugar “pros gringo entrar”. Teremos então uma relação assimétrica, onde o Presidente faz continência à bandeira dos Estados Unidos apenas pelo simbolismo vazio e ideológico, mesmo que ele e seus apoiadores digam que não.

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Lucas Gomes
GIROSCÓPIO

Contos Marginais. 23 anos não passando de um malandro.