A tragédia de Chernobyl e o preço das mentiras

Como a série do momento conta a história do maior acidente nuclear do mundo

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6 min readJul 5, 2019

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#PraCegoVer: Funcionário trabalha no cenário devastado de Chernobyl. (Reprodução: Farofa Geek).

Por Vitoria Jevoux

No dia 26 de Abril de 1986, ocorreu um dos maiores acidentes nucleares da história. O reator IV da usina nuclear Vladimir Ilyich Lenin, mais conhecida como Chernobyl, explodiu. O incêndio do prédio do reator, junto com a liberação de vapor e as substâncias tóxicas do núcleo exposto, formaram nuvens e precipitações. Nelas, existiam toneladas de elementos tóxicos e radioativos, que se espalharam não só pela Ucrânia e Bielorrússia, mas por todo o norte do continente europeu.

Dias após a explosão do reator, a nuvem radioativa atingiu a Alemanha e a Suécia, disparando os alarmes dos centros nucleares e alertando os cientistas sobre um possível vazamento nuclear. A Suécia foi o país responsável por alertar o mundo de que algum acidente nuclear havia ocorrido e que os elementos tóxicos vinham na direção da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS).

Diante da posição oficial do Partido Comunista de que uma catástrofe nuclear seria impossível na União Soviética, o acidente ficou escondido por dezoito dias, até que o presidente Mikhail Gorbachev, pela enorme pressão dos países europeus e dos Estados Unidos (EUA), que havia captado imagens via satélite de Chernobyl, anunciou à imprensa internacional o que havia ocorrido.

O acidente nuclear ocorreu na década de 1980, cujo cenário político-econômico mundial era protagonizado pela Guerra Fria, uma corrida armamentista e tecnológica disputada entre Estados Unidos e União das Repúblicas Socialistas Soviéticas pela hegemonia global. Enquanto a nação americana era pioneira em produção de artigos militares e bélicos, a URSS tinha como a jóia da coroa a produção e desenvolvimento de energia nuclear.

Nos dias atuais, os Estados Unidos e a Rússia buscam fortalecer suas bases relacionais. Embora Donald Trump e Vladmir Putin possuam relações favoráveis, ambos possuem divergências politicas em relação aos conflitos da Venezuela, Síria, Irã e Ucrânia. Além disso, uma denúncia da Central de Inteligência Americana (CIA) sobre a interferência da Rússia nas eleições presidenciais dos EUA em 2016, favorecendo Trump, estremeceu as relações entre os dois países. Donald Trump e Vladmir Putin negam a veracidade das informações.

Justamente neste cenário atual de suspeitas e compartilhamento de informações por políticos e líderes mundiais que o diretor Craig Mazin criou a série Chernobyl. Produzida pelo canal britânico HBO e dirigida por Johan Renck, a série conta a história do “preço das mentiras” e a dívida que elas incorrem com a verdade.

Mazin reproduziu pequenos detalhes dos traços e feições da vida comum de Prypiat, uma cidade norte-ucraniana construída para abrigar os trabalhadores da usina nuclear de Chernobyl, e como este cenário mudou por conta do acidente. O autor mostra o momento exato da explosão do reator e toda a reação em cadeia que ela provocou, desde o chamado repentino do corpo de bombeiros de toda a região até a construção do sarcófago e o julgamento do caso na cidade de Chernobyl.

A série vai além ao explorar os perigos e consequências da radioatividade, um inimigo silencioso e invisível que viaja pelo ar destruindo o sistema imunológico do corpo humano, deteriorando os tecidos e órgãos internos, e contaminando o ecossistema num período curto de tempo.

Chernobyl expõe a negligência e o descaso dos cientistas e dos Apparatchik’s, funcionários do Partido Comunista da União Soviética, bem como os responsáveis pela usina sobre o ocorrido. Enquanto o reator IV liberava uma fumaça radioativa contendo 12.000 roentgen por hora, o equivalente a duas vezes a bomba de Hiroshima, as crianças de Prypiat estavam indo à escola normalmente. Já em Frankfurt, o governo proibiu a circulação de civis nas ruas por conta da alta exposição à radioatividade.

Na série, Gorbachev (David Dencik) convoca uma reunião de cientistas e membros do Partido para discutir sobre Chernobyl, sendo surpreendido pelo professor e físico nuclear Valery Legasov (Jared Harris). Ele afirma que o acidente é pior do que se vê, uma vez que o grafite que revestia o núcleo do reator estava exposto nos destroços do entorno e do telhado da usina, liberando enormes quantidades de material radioativo no ar.

Além disso, o incêndio, que não fora totalmente apagado pelo corpo de bombeiros, precisava ser contido para proteger o núcleo e evitar uma nova explosão que liberaria mais que o dobro de substâncias tóxicas no ar. Assim, Gorbachev enviou Legasov e o Vice Primeiro Ministro da URSS, Boris Shcherbina (Stellan Skarsgard), para Chernobyl. Ao sobrevoarem o reator IV, eles percebem o quão grave foi a explosão.

Chernobyl segue mostrando todos os esforços e tentativas de conter uma nova explosão do reator e impedir que a lava radioativa, formada pelo despejo de areia e boro para conter o incêndio, penetrasse o lençol freático da região, contaminando o Rio Dnieper, que percorria Rússia, Bielorrússia e Ucrânia, até o Mar Negro.

A série deixa evidente a desigualdade entre os membros do Partido Comunista e o resto dos trabalhadores, militares e cientistas no acidente. O Governo omitiu a alta quantidade de radiação presente em Chernobyl, fazendo com que todos os robôs e aparelhos tecnológicos, enviados pelo Partido e outros países para retirar os restos de grafite contaminado, falhassem.

Valery Legasov, diante do perigo da exposição à radiação e da ineficiência dos robôs para limpar o telhado do prédio, solicita ao presidente o envio de soldados, os quais ele chamou de “bio-robôs”, para realizar o trabalho com uma duração de apenas noventa segundos.

Além disso, o Comitê de Segurança do Estado (KGB), órgão de espionagem da URSS, é um agente quase onisciente, onipresente e onipotente na vigilância e encobrimento dos fatos. O presidente da KGB, Charkov (Allan Williams), infiltra espiões em Prypiat para observar as ações de Legasov e Shcherbina e prende a cientista Ulana Khomyuk (Emily Watson) em Moscou, após esta ter coletado informações sigilosas sobre a construção e o funcionamento da usina.

Em suas pesquisas científicas, os dois cientistas percebem que há uma incoerência no caso pela impossibilidade do núcleo do reator ter explodido. O professor descobre que as pontas das hastes de controle do reator eram feitas de grafite, um material mais barato que potencializa a reatividade das partículas de urânio, fator que responsabiliza a União Soviética pelas causas do acidente. Assim, Legasov coloca a sua vida e reputação em risco para expor a verdade sobre Chernobyl.

#PraCegoVer: Chenobyl exibe cena de paciente com ferimentos gravíssimos no hospital. (Reprodução: Metro Jornal).

Chernobyl finaliza com uma licença dramática do autor. Valery Legasov que, na vida real nunca participou do julgamento, explica no tribunal, junto a Khomyuk e Scherbina, acometido por um câncer, toda a cadeia de reações provocadas por falhas humanas que levaram à explosão do reator IV, desde os documentos censurados pelo Governo sobre a própria estrutura da usina, até os erros dos protocolos de segurança cometidos no dia do teste, acelerado por Bryukhanov, Fomin e Dyatlov para entregar o relatório no prazo estipulado pelo Partido.

Ao questionar o Governo sobre o “preço das mentiras”, Legasov é preso pela KGB e questionado sobre suas ações, ao ser relembrado de que ele próprio auxiliava o Partido impedindo a promoção de opositores ao regime. Após ser solto, o professor tem seu trabalho censurado e seus feitos sobre o acidente de Chernobyl creditados a outro cientista. Valery Legasov viveu o final de seus dias confinado em sua casa sob a vigia da KGB, gravando fitas que expunham a verdade não contada sobre a tragédia de Chernobyl. O cientista se suicidou em 27 de Abril de 1988 e suas fitas continuam circulando pela comunidade internacional.

Chernobyl alcançou um sucesso estrondoso, sendo aclamado pela crítica mundial. A série expõe os efeitos fatais da radiação com um forte apelo emocional, visto na história de Lyudmilla Ignatenko (Jessie Buckley), que perdeu seu marido e sua única filha por conta do acidente. Entretanto, esse reconhecimento parece ter incomodado a Rússia. A emissora NTV prometeu criar outra série sobre o evento contando a “verdadeira história”, que engloba uma sabotagem do governo americano na Usina de Chernobyl.

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