O amargo fim de Game of Thrones

Como a maior série de todos os tempos conseguiu decepcionar tanto seus apaixonados fãs

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6 min readMay 25, 2019

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#PraCegoVer: O Trono de Ferro em chamas. (Reprodução: HBO).

Por Carolina Pinheiro

Se no jogo dos tronos ou você ganha, ou você morre, há algo de pendente no desfecho da maior série de todos os tempos. O último episódio de Game of Thrones foi ao ar no último domingo (19) e o burburinho tradicional, provocado pelo seriado nas redes sociais, teve sua última sessão ao vivo. A maneira pela qual o fim foi apresentado aos telespectadores, sobretudo a forma como encaminharam esse fim, provocou a insatisfação de uma massa de fãs. Inclusive, há uma petição online com mais de um milhão e meio de assinaturas para que sua emissora refaça a última temporada com roteiristas “competentes”.

Desde sua estreia em 2011, a série já venceu mais de 45 Emmy Awards, entre outros prêmios, além de entrar para o livro dos recordes por ter a maior transmissão simultânea do mundo. Seu episódio final foi o programa com maior audiência da história da HBO, com 19,3 milhões de pessoas assistindo — sendo 13,6 milhões somente pela televisão. No entanto, seu maior êxito permanece sendo incalculável: Game of Thrones se tornou um dos maiores fenômenos da cultura pop.

O Universo criado por George R. R. Martin em sua série de livros “As Crônicas de Gelo e Fogo” já havia angariado uma legião de fãs pelo globo, mas a adaptação do seu particular cenário de fantasia para a telinha subiu a um outro patamar de sucesso. Desde pessoas nomeando bebês em homenagem aos personagens, passando por inúmeras fanfics, tatuagens, cosplays, bonecos colecionáveis, até as discussões ferrenhas em fóruns online sobre teorias que abalariam os Sete Reinos.

E ao que se deve todo esse sucesso? Principalmente, à sofisticação do desenrolar da trama. Uma vez que a história estava pautada a partir dos livros, os criadores do seriado, David Benioff e D. B. Weiss, podiam conciliar o enredo original com ajustes que acreditavam funcionar melhor na televisão. Ou seja, eles partiam de um material brilhante e só abrilhantaram ainda mais, através dos recursos dramáticos que só um meio audiovisual proporciona. De tal forma que um Universo de fantasia bem desenvolvido, com uma teia narrativa riquíssima, somado a efeitos especiais, interpretações magníficas por atores talentosos e uma produção com orçamento generoso típico da HBO, só poderia resultar em um sucesso estrondoso, como de fato ocorreu.

Infelizmente, à medida em que a história foi se distanciando do direcionamento proporcionado pela obra literária, já que a fabricação de episódios logo superou a de páginas, o grande elemento atrativo da série se perdeu. Se antes o enredo contava com detalhes e sutilezas que envolviam o espectador para que os acontecimentos ocorressem de acordo com a mais engenhosa das parcimônias, depois, passou a desenvolver de forma brusca e cafona os entrelaces dos personagens. Esse processo se agravou nas últimas temporadas, culminando no descontentamento, quase geral, diante do desfecho da trama.

Ao contrário do que vem sendo justificado, o público não se decepcionou apenas porque possuía expectativas impossíveis de serem contempladas. Nem porque alimentaram um favoritismo que excluiria qualquer final que não fosse positivo para quem torciam. As pessoas ficaram frustradas com o processo. Game of Thrones sempre entregou reviravoltas e thrillers épicos ao passo que mantinha o desencadear sofisticado dos fatos, digno de seu sucesso estrondoso. Como esse respeito pela narrativa pôde ser descartado justo na conclusão? Não há nada mais brochante.

Diversos pontos construídos minuciosamente na história ou foram mal resolvidos, ou ficaram sem solução, soltos, apagando todo o seu desenvolvimento. O caso mais emblemático nesse aspecto foi a verdadeira identidade de Jon Snow, o segredo mais bem guardado e perigoso de Westeros. No fim, não fez diferença alguma. Podem argumentar que contribuiu para “loucura” de Daenerys, mas isso não é suficiente. O arco do falso bastardo, arquitetado ainda nos livros, deixou — e muito — a desejar. Inclusive, até arcos exclusivos da série, como a figura do Rei da Noite, líder dos caminhantes brancos, foram mal elaborados no que tange ao desfecho. Ele foi pintado como o grande vilão, o próprio mal encarnado que ameaçava toda a Humanidade; para ser derrotado em um piscar de olhos.

A pressa foi um dos principais elementos que provocaram a perda do encantamento pelo roteiro. No jogo dos tronos, cada aliança, intriga ou intenção era exibida antes do destrinchar dos acontecimentos e essa, sem dúvida, era a beleza da série. Era o que tornava os famosos plot twists tão inesperados. Com um número menor de episódios, a sétima e a oitava temporadas apressaram todo esse encadeamento. Resta saber o motivo, uma vez que a desculpa do orçamento cai por terra quando se lucra mais de 2 bilhões de dólares. Reza a lenda da petição online que o motivo da pressa seja a suposta incapacidade dos criadores-roteiristas de continuar levando a história adiante sem perder a qualidade…

Devo dizer que algumas conclusões não foram totalmente sem sentido. Bran no trono, Sansa reinando independente no Norte, Arya perseguindo o desejo de desbravar o Oeste — declarado ainda na sexta temporada –, e até Jon se juntando ao Povo Livre para viver sossegado no lugar onde foi mais feliz. O raciocínio é compreensível, já a execução se fez, no mínimo, medíocre. A fraqueza da construção dos enredos finais não faz jus ao que Game of Thrones representa; o que justifica as queixas do público.

Quando falamos em Daenerys Targaryen, a não queimada, mãe dos dragões, quebradora de correntes, entre tantos outros títulos, falamos em libertação. É verdade que a personagem passou as oito temporadas lutando para chegar ao trono, porém seu discurso e sua prática sempre apontaram para uma revolução, na qual o sofrimento e a exploração de inocentes era inaceitável. Não havia margem para ela dizimar a população inteira de Porto Real, ainda mais após a rendição da cidade. Poderia existir base para isso? Poderia. Mas não foi feita. Como já explicitado, as peças do jogo dos tronos sempre se conectaram de forma minuciosa, e não artificial, como nesse caso.

#PraCegoVer: Daenerys olha para seu exército após tomar a cidade de Porto Real. (Reprodução: HBO).

Outro esplêndido personagem, Tyrion Lannister, teve seu arco narrativo destruído quando não só passou a ser literalmente bobo, como se esqueceu do ódio mortal que nutria por sua irmã, Cersei. Ela que, por sua vez, correspondia o ódio, nutrindo-o desde quando eram crianças, chegou a poupar a vida do irmão mais de uma vez nessas últimas temporadas, por motivo nenhum. O terceiro irmão Lannister, Jaime, também teve sua evolução reduzida a pó quando abandonou tudo para reencontrar sua amada gêmea, que já havia enviado um mercenário para matá-lo. Sem falar na morte do casal, realizada da forma mais insossa possível.

Não me atrevo a listar todas as pontas soltas, nem todos os arcos destruídos ou ignorados, já que o que mais tem na internet são blogposts de fãs indignados com tais desleixos. No momento, procuro me ater à vulgaridade da construção dos finais de personagens tão ricos e complexos. Jon Snow apunhalando a Khaleesi, sua amada, porque Tyrion conseguiu convencê-lo durante alguns pouquíssimos minutos? Bran, agora o Quebrado, que já havia renegado o poder por ser o Corvo de Três Olhos, sendo escolhido como Rei e ainda se vangloriando ao dizer “por que você acha que eu cheguei até aqui”? Os Dothraki e os Imaculados, além de se multiplicarem de forma desconhecida, apenas assistindo a todos esses fatos após sua Rainha ter sido assassinada? E Drogon queimando o “símbolo” da série? Imaginem se todos esses pontos fossem construídos como nos bons velhos tempos!

É fato que o desfecho deveria ter sido melhor desenvolvido. O descontentamento não está relacionado à completa falta de sentido, mas sim à elaboração, em última instância, precária. Com a destruição do Trono de Ferro, o seriado encerrou a jornada pelo poder que originou seu enredo. Como fãs, só nos resta apreciar esse momento histórico na cultura pop e lembrar que Game of Thrones continua sendo a maior série de todos os tempos. Sabemos que não há final mal roteirizado que anule toda a excelência transmitida nesta última década. Que venham os últimos livros! Que venham os spin-offs! Pois a noite continua escura e cheia de terrores.

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