Por que devemos lutar contra o desmonte na educação do Brasil?

O corte de verbas afeta diretamente o ensino público brasileiro. Quais as consequências imediatas pra a educação do Brasil?

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6 min readMay 11, 2019

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#PraCegoVer: em protesto contra a corte de verbas para o ensino público, uma mulher aparece levantando uma placa, com os dizeres ‘Ciência não é gasto’. (Foto: Carla Caniel/Destak)

Por Lucas Gomes

No último dia 27 publicamos o texto ‘Ensinando a regredir’. Nele, analisamos as ações do ex-ministro da educação, Ricardo Vélez Rodriguez, além das críticas feitas pelo governo Bolsonaro em relação à Paulo Freire, patrono da educação brasileira desde 2012. No entanto, dias após a publicação, novas medidas foram tomadas — agora pelo novo chefe da pasta, Abraham Weintraub.

No dia 26 (dia anterior à nossa publicação), o Presidente da República, Jair Bolsonaro, revelou em um tweet que o Ministério da Educação (MEC) estudava descentralizar o investimento em matérias de ciências humanas, enfatizando filosofia e sociologia. A insatisfação gerada pela notícia foi instantânea. Weintraub, entretanto, rebateu as críticas alegando que o Japão, país que possui uma das maiores economias do mundo, recomendou às suas universidades que “fossem priorizadas áreas estratégicas e que fossem cortados investimentos nas áreas de humanidades e ciências sociais”. No entanto, mesmo que algumas instituições tivessem anunciado cortes, a resposta foi negativa, sendo considerado um ato “anti-intelectual” por reitores e o governo japonês teve que voltar atrás na sua decisão.

As disposições relacionadas ao ensino superior brasileiro, entretanto, não pararam por aí. No dia 30, o Ministro da Educação declarou que o MEC cortaria a verba de universidades com baixo desempenho acadêmico. “Universidades que, em vez de procurar melhorar o desempenho acadêmico, estiverem fazendo balbúrdia, terão verbas reduzidas” — declarou Weintraub. O anúncio teve como seus primeiros alvos a Universidade de Brasília (UnB), a Universidade Federal da Bahia (UFBA) e também a Universidade Federal Fluminense (UFF). Curiosamente, as três estão entre as 50 melhores universidades da América Latina. A UFBA, inclusive, saltou 41 posições (de 71º para 30º) no ranking em apenas um ano.

Novamente, houve retaliação. O corte de verbas poderia afetar diretamente as universidades em campos fundamentais do desenvolvimento acadêmico, como o de pesquisas. Além disso, o uso de ideologia para retirar investimento das instituições é considerado inconstitucional. Diante disso, o MEC alterou a sua decisão. Agora, não apenas as três primeiras universidades terão bloqueio na verba, e sim todas as instituições federais. No dia 3, Bolsonaro justificou o corte como uma ‘realocação de recursos’, na qual a verba bloqueada das universidades seria investida em educação básica. Apenas um dia depois, foi anunciado um congelamento de 2,4 bilhões de reais no ensino básico.

Economicamente, o Brasil não está em seu melhor momento. Medidas de austeridade podem auxiliar governos a ajustar suas economias. No entanto, a queda no investimento em serviços básicos, como educação, são o melhor caminho?

O País investe menos em todas as etapas de ensino — do básico ao superior — que a média entre todos os países membros da Organização para o Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), onde estão as nações com maior grau de desenvolvimento do mundo. O Brasil, mesmo sendo uma das 20 maiores economias do mundo, não conseguiu entrar na organização. Mesmo assim, instituições como a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), fundada há quase 100 anos e uma das mais bem colocadas no ranking de melhores universidades da América Latina (9º em 2018), sofreu um bloqueio de verbas de 141 milhões de reais. Em nota, a faculdade declarou que isso pode significar o comprometimento de suas atividades no segundo semestre de 2019.

As universidades públicas possuem papel fundamental para a produção de pesquisa do Brasil. Com 87 das 100 instituições que mais publicaram artigos científicos entre 2014 e 2018, o ensino superior é também responsável por 95% das publicações. Entre 2011 e 2016, foram mais de 250.000 artigos produzidos. O impacto dos estudos estão diariamente nas nossas vidas, seja direta ou indiretamente. A descoberta da camada pré-sal, por exemplo, é fruto do trabalhos no campo da pesquisa científica. “A agricultura brasileira sofisticou-se e aumentou sua produtividade, epidemias, como a do vírus da zika, são enfrentadas por grupos científicos de grande qualidade.” — declarou Luiz Davidovich, presidente da Associação Brasileira de Ciências (ABC).

A queda nos investimentos em educação pode significar a interrupção de sonhos. Se nos primeiros anos do século XXI, o número de pessoas entrando no ensino superior aumentou, com a redução de gastos no ensino público, o caminho pode se tornar cada vez mais difícil. O corte de verbas pode atingir outros campos, como de programas sociais e bolsas de estudo, tornando o ambiente acadêmico ainda mais elitista. Antes de ser eleito, Jair Bolsonaro afirmou que o jovem brasileiro tem “tara” pelo ensino superior. Mesmo que todos os seus filhos em idade adulta sejam formados em universidades, o Presidente acredita que os brasileiros devem buscar apenas diplomas do ensino técnico. Para muitos, no entanto, um certificado no ensino superior pode significar mais do que apenas uma conquista acadêmica, como também uma conquista familiar. Muitos dos novos graduados são os primeiros membros da família a terem completado essa etapa — alguns com pais que sequer completaram o fundamental.

Se por um lado o governo retira investimentos da educação, o Ministro da Economia, Paulo Guedes, faz o caminho inverso. Sua empresa de investimentos, a Crescera, espera levantar 500 milhões de dólares em private equity, ou seja, adquirir fundos para investir em empresas com notável nível de desenvolvimento e consolidação no mercado, mas que ainda não possuem capital aberto, isto é, que ainda não estão listadas na bolsa de valores. Segundo Jamie Cardoso, co-diretor executivo da Crescera, Guedes pretende investir entre 50 e 300 milhões de reais em cada uma das empresas, tendo como alvo os setores da saúde, educação e consumo. Para completar, sua irmã, Elizabeth Guedes, é presidente da Associação de Universidades Particulares (Anup) e uma das líderes do combate a expansão do ensino gratuito.

Bolsonaro foi o candidato escolhido pela maioria da população por ser contra o establishment. Ao menos era isso que ele e seu projeto de governo afirmavam. Isso pode — e deve — ser facilmente refutado. Como um candidato que nada contra a maré tem apoio majoritário da classe empresarial?

A urgência, no entanto, fez com que o novo Presidente fosse escolhido sem ao menos debater sobre os temas essenciais ao brasileiro em rede nacional. Sobre educação, seu carro-chefe era combater a “ideologia de gênero” nas escolas, acabando com o uso do chamado “Kit-Gay”. O problema é que não havia utilização do material nas escolas, nem a tentativa de impor uma “ideologia”. Existem problemas maiores. O ambiente escolar é, em algumas situações, o único local em que as crianças conseguem se alimentar. Falta comida em casa. E ainda existem o que nem ao menos conseguem vagas nas escolas públicas.

No último texto, destaquei a evolução do número de estudantes com diploma de ensino superior, além dos formados no ensino médio no século XXI. Isso é fruto do aumento de políticas voltadas para educação e de ação afirmativa, como cotas sociais e bolsas de estudo. E a educação, primordialmente, é o nosso passaporte para o futuro. A falta de conhecimento da importância dela fez com que o Presidente eleito fosse Bolsonaro, mesmo com outras 11 opções. Mesmo que o segundo turno tivesse um professor como alternativa.

Escolher um deputado que esteve 28 anos no Congresso Nacional — e não teve força de articulação política suficiente para aprovar um mísero projeto de lei — como o novo Presidente da República é um risco que 55 milhões de pessoas assumiram. Alguns, no entanto, já sentem o peso da decisão. A falta de articulação é visível em menos de 150 dias de governo. As decisões são feitas em retalhos. Primeiro se fala algo absurdo, e depois se corrige com outra decisão tão contraditória quanto. E essas decisões não afetam somente a oposição, afetam também os eleitores de Bolsonaro. Mesmo com o argumento do governo de que há uma doutrinação dentro das universidades públicas, parte dos seus eleitores veio de lá.

Muitos de nós fazemos parte de uma geração que viu novas portas serem abertas. O que era um sonho distante, difícil de alcançar, tornou-se realidade. Conseguir um diploma proporciona uma nova história para famílias que nem ao menos tiveram a oportunidade de completar a escola, mas viram seus filhos graduados em grandes universidades públicas. Em um dos países mais desiguais do mundo, vitórias como essa dão esperanças. Acabar com esse sonho significa fechar portas. É descartar o passaporte de um futuro brilhante para muitos que venceriam as mazelas e dariam uma nova vida para eles e suas famílias. É a prova de que não há desejo de progresso por parte do governo. É o apagar das luzes do País do futuro, que parece voltar ao passado a cada dia.

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