Como e por que uma profissional sênior deve se envolver em programas de mentoria

Juliana Carvalho
Goiabada
Published in
11 min readFeb 22, 2021

Escrito colaborativamente por Renata Motta e Juliana Carvalho.

Muitas profissionais seniores costumam sentir dificuldades quando precisam orientar colegas em suas carreiras. Afinal, mentorar é uma atividade que requer muita improvisação, flexibilidade e não há cursos que nos ensinem a fazer isso. Neste post, contaremos como criamos um processo de mentoria na Guava, mostraremos um pouco do processo em si e os aprendizados que tivemos após um ano de prática.

Começar em uma carreira ou em uma empresa nova é sempre desafiador. Se você é uma profissional sênior, talvez isso tenha acontecido há 10, 15, 20 anos. Mas é provável que você ainda lembre das várias questões que surgiram ao longo da sua carreira: onde posso melhorar? Será que estou no caminho certo? Sou boa o suficiente? O que me aguarda no futuro? Em que área devo focar? Questões muitas vezes frustrantes e que talvez ainda estejam te acompanhando.

Conosco não foi e nem é diferente. Mas além dos nossos vários privilégios sociais, nós sempre contamos com a orientação de pessoas experientes ao longo da nossa trajetória no mercado de trabalho e na academia. E foi esse acompanhamento que nos ajudou crescer profissionalmente.

Arriscando uma definição, o processo de mentoria é uma das formas de acompanhamento de profissionais dentro ou fora de uma empresa, com o objetivo de evoluir habilidades ou ajudar a definir e alcançar os próximos passos da carreira. Identificamos que implementar um processo de mentoria na Guava poderia nos ajudar tanto a aumentar a satisfação das pessoas quanto a incentivar o crescimento profissional das envolvidas, e aqui iremos compartilhar as principais reflexões que este processo trouxe.

Por que uma profissional sênior deve se envolver em programas de mentoria?

Antes de responder a essa pergunta, vamos definir rapidamente o que é ser uma profissional sênior na Guava, porque sabemos que existem diferentes entendimentos desse cargo entre empresas.

De forma geral, espera-se que uma pessoa neste cargo seja referência técnica na sua área e tenha uma maior influência com a camada gerencial. Além disso, já com um bom tempo de carreira, ela possui uma visão macroscópica do produto e maior autonomia para liderar projetos e colegas.

Pelo pequeno porte da Guava e por sua intenção de manter uma hierarquia horizontal, os profissionais seniores são incentivados a participar na construção e melhoria de cultura e processos, muitas vezes trabalhando lado a lado com a liderança formal (sócios, gerência da empresa e liderança de times) para atingir esse objetivo.

Profissionais seniores conseguem se relacionar com as frustrações do dia-a-dia de trabalho e também com as ambições de carreira, e possivelmente já tiveram experiências de superação de algumas destas questões. Logo, é natural que eles tenham potencial para fazer a ponte entre o que a empresa espera do time e o que as pessoas querem para sua carreira.

Sabemos que melhorias podem vir de qualquer pessoa, com qualquer experiência. Se você acredita que um processo de mentoria pode beneficiar sua empresa, recomendamos que você tome essa iniciativa, independentemente do seu cargo. Mas profissionais mais experientes devem saber que influenciar cultura, melhorar processos e compartilhar conhecimento são atividades esperadas desse cargo.

Além desta visão mais pragmática que justifica a participação de pessoas seniores em programas de mentorias, lembramos que a troca de conhecimento e experiência entre o time é uma prática desejável em qualquer empresa. É uma forma da pessoa sênior evoluir habilidades comportamentais e técnicas, já que a mentoria é uma via de mão dupla: traz aprendizados e desafios também para quem mentora.

Como uma profissional sênior deve se envolver em programas de mentoria

Quando já existem programas de acompanhamento na sua empresa

Um processo de mentoria sempre será único pra cada empresa e pra cada pessoa. Mas descobrimos que ele se torna bem mais fácil quando existe uma base a ser seguida.

Se a empresa em que você trabalha já possui programas de acompanhamentos em geral (como onboarding, treinamento técnico de novos funcionários e até mentoria), ótimo. Você pode começar a se envolver mais neles, e quem sabe propor melhorias para o futuro. Procure conversar com colegas para descobrir como você pode fazer parte desses programas.

Quando um programa for criado do zero

Começamos a buscar referências sobre programas de mentoria, mas não encontramos um manual. E nem deveríamos, afinal, não existe uma receita de bolo para isso. Você provavelmente vai desenvolver seu próprio processo, já que cada contexto é único, mas compartilharemos aqui como foi o nosso passo-a-passo para quem sabe te ajudar a implementar uma proposta para sua empresa.

  1. Apoio
    Quando entendemos como as mentorias poderiam beneficiar a Guava, levamos essas informações para a gerência e tivemos permissão para testar soluções. Se seu caso for parecido com o nosso e você queira tomar a iniciativa de criar esses programas, lembre-se de vender essa ideia a outros colegas, à gerência, ao RH ou às pessoas influentes na empresa. Assim, além de encontrar a vontade política necessária, você terá um grupo de interesse e não precisará fazer tudo sozinha.
  2. Auto-conhecimento
    Depois de ter o suporte da empresa e das colegas, começamos pensar no que poderíamos oferecer, e isso requer um bom auto-conhecimento. Quais são as habilidades que domino? O que entendo sobre o mercado na minha área e sob perspectivas dele pro futuro? Qual a minha disponibilidade no momento? Mapear essas questões nos trouxe consciência sobre o conteúdo que estávamos dispostas a ensinar, sobre nossas limitações e também nos ajudou a aumentar a compatibilidade entre mentoras e mentorandas.
  3. Rascunho do processo (que funcione no seu contexto)
    Depois de entender nossas forças e limitações, partimos para o esboço do que seria um processo piloto de mentoria na Guava. Incluímos definições, objetivos, quantidade de horas a serem usadas, sugestão de frequência de encontros e mais alguns detalhes. Pensamos em roteiros para as conversas com mentorandas também, que mostraremos a seguir.
  4. Recrutamento
    Só depois de ter um processo rascunhado e com roteiros pré-estrutados, recrutamos as pessoas para serem as primeiras mentoradas do programa. Começamos conversando com quem poderia se beneficiar a curto-prazo com um acompanhamento individual, seja para aumentar a satisfação com a empresa e incentivar retenção, seja pela vontade de evoluir algumas habilidades. Também recrutamos outras mentoras interessadas em testar o processo.
  5. Aplicação do processo
    Tivemos as primeiras mentorias com duração variável entre 6 meses e um ano, cada uma com duplas (mentora e mentoranda) e objetivos diferentes. Dessa forma foi possível testar diferentes abordagens e ver em funcionamento aquele processo definido inicialmente.
  6. Avaliação do processo
    Com as mentorias finalizadas, começamos a avaliar o resultado delas e os aprendizados que tivemos ao longo do processo. Esta avaliação pode ser feita em 4 eixos: avaliação da mentora, da mentoranda, do processo e do resultado da mentoria.

Detalhes do nosso processo

Para ilustrar melhor o que significa “rascunhar um processo”, mostraremos os roteiros e algumas premissas que criamos para a mentoria aqui na Guava.

Mapeamento Inicial

É importante lembrar que precisamos sempre alinhar as expectativas da empresa com os interesses profissionais dos funcionários. Por isso, montamos um roteiro de alinhamento de expectativas para ser usado nos primeiros encontros.

Colocar tudo isso em um papel traz uma visibilidade importante dos objetivos, e eles serão consultados ao longo de todo o processo de acompanhamento.

Vale dizer que raramente esses objetivos (pessoais e da empresa) estarão perfeitamente alinhados, e é normal. Se a pessoa mentorada tiver um desejo de seguir um caminho muito distinto da empresa, isso precisa ser tratado com sinceridade. Nossa sugestão é que se foque nos objetivos em comum.

Mapeamento inicial do que pode ser trabalho nas mentorias

Com essas perguntas, é possível identificar pontos de insatisfação da mentoranda e também definir os objetivos a serem trabalhados no processo de mentoria.

Definição do pet project

Nós acreditamos que desenvolver um projeto durante o processo de mentoria ajuda a fixar e a praticar as habilidades que serão trabalhadas, e por isso incluímos a criação de um pet project (projeto de estimação) em nossa proposta de mentoria.

Reflexões para escolha do pet project

Esse projeto pode ser um desafio técnico relacionado a desenvolvimento de software, pode ser uma pesquisa, e por que não a construção de uma palestra? Ou quem sabe uma estruturação de um novo processo. A definição desse projeto depende dos objetivos da mentoria.

Acompanhamento

Com as expectativas alinhadas, projeto definido e uma rotina de encontros estabelecida, criamos também um roteiro de acompanhamento. Ele nos ajudou a constantemente checar a satisfação das pessoas, entender suas dificuldades e a criar um vínculo de confiança entre mentoras e mentorandas. Além de, claro, acompanhar o projeto e orientar os próximos passos ou discutir conteúdos teóricos relacionados ao projeto. Lembre-se também que pessoas aprendem de formas diferentes, e talvez o projeto ou a forma de ensinar/aprender precisem ser modificados algumas vezes.

Definições para acompanhamento dos pet projects

Registro dos encontros

Um outro passo que achamos importante é a criação de uma espécie de ata de reunião, um registro das atividades previstas para o encontro atual e para o futuro. Além disso, mapear o que foi discutido e registrar observações e insights foi extremamente útil para ter visibilidade da evolução das pessoas ao longo do processo.

Sugestões para registros de atividades na mentoria

Vale lembrar que é papel da mentora criar um ambiente de confiança e garantir confidencialidade dos temas tratados nos encontros. Recomendamos que esse registro seja mantido pela mentora e que só seja acessado pela mentora e pela mentoranda. Caso temas relevantes para a empresa apareçam nas discussões (e vão aparecer), é também papel da mentora pedir autorização para compartilhar essas informações com a gerência.

Aprendizados

Ficamos muitos felizes com os resultados e com a evolução das mentorandas, mas como todo novo processo, sabíamos que não teria como acertar tudo de primeira. Listamos aqui alguns pontos que podemos melhorar para as próximas mentorias.

Pontos de melhoria no nosso processo

Falta de métricas de sucesso
Nesse primeiro momento, nosso objetivo principal foi tentar melhorar as inseguranças das pessoas menos experientes e fazer com que elas crescessem na carreira. Mas acabamos deixando o processo muito subjetivo. Como não sabíamos bem o quanto duraria nem onde poderíamos chegar, acabamos não criando métricas de sucesso para cada acompanhamento. Definir esses pontos no começo da mentoria nos ajudaria a saber quando parar e reavaliar os objetivos, além de ter algo mais estruturado para apresentar ao restante a empresa.

Falta de acompanhamento da gerência da empresa
No começo das mentorias, a gerência nos deu liberdade para testar o que achássemos melhor, mas acabamos sem envolvê-los no processo como gostaríamos, já que um pontos da mentoria é constantemente alinhar objetivos da mentoranda com os da empresa. Uma formalização do processo poderia nos ajudar nisso, como por exemplo fazer uma apresentação mostrando as evoluções das pessoas ou envolver os mentores nos momentos de avaliação das mentorandas.

Falta de troca entre mentores
Estávamos muito animados em começar a mentoria e foi um processo muito único em cada uma delas, mas também tiveram muitos aprendizados em comum que poderiam ter sido compartilhados entre os mentores.

Mentoria técnica x Mentoria de carreira

Também nos deparamos com outro desafio não previsto em nossos roteiros iniciais: saber lidar com as diferenças entre o acompanhamento focado em melhorar habilidades técnicas e o que tem como objetivo ajudar a definir os próximos passos da carreira da mentoranda. Presumimos que essas duas coisas andam juntas, mas percebemos que nem sempre isso é verdade.

Se a pessoa já tem mais clareza sobre quais habilidade ela quer evoluir, faz pouco sentido questionar sobre carreira com muita frequência. A depender da habilidade, serão necessários menos encontros e o planejamento será mais pragmático. É provável que o pet project seja similar a um desafio técnico encontrado em projetos em que trabalhamos dentro da Guava.

Por outro lado, quando existem dúvidas em relação à carreira e aos próximos passos dela, é menos explícito o caminho a ser percorrido na mentoria. É um processo de descoberta, que requer uma comunicação muito aberta, com objetivos que serão definidos ao longo do processo.

Avaliação final

Também aprendemos que uma fase importante ao final do período da mentoria é fazer a avaliação dela. Inicialmente, a gente esperava entender se a gente ia conseguir atingir os objetivos definidos na primeira reunião com a pessoa mentorada. Mas, ao final do primeiro ano de mentorias, vimos que existem outros pontos a serem ponderados por nós e pela gerência.

Pensamos posteriormente em 4 eixos de avaliação: avaliação da mentora, da mentoranda, do processo e do resultado da mentoria.

Ritual de encerramento

Descobrimos que um ritual final pode ser muito útil para fixar o conhecimento, avaliar o percurso como um todo e criar um marco no processo para as pessoas envolvidas e para o restante da empresa. Uma coisa que fizemos intuitivamente foi recomendar a uma mentoranda que desenvolvesse uma apresentação final, contando como foi o processo, as lições aprendidas e como a mentoria influenciou sua vida profissional. A apresentação foi feita para outros membros do time e foi importante para dar visibilidade do esforço que foi feito ao longo de um ano, além de deixar explícito a todos que novas responsabilidades poderiam ser confiadas à mentoranda.

Próximos passos

Por aqui, já implementamos algumas melhorias em nosso processo e estamos a caminho da consolidação da cultura de mentorias na Guava. Além disso, expandimos o programa de mentoria para fora da empresa, oferecendo acompanhamento gratuito para pessoas que fazem parte de grupos de minorias sociais.

Esperamos que compartilhar a nossa experiência seja útil para outras pessoas que, assim como nós, acredite no crescimento individual e troca de conhecimento como parte essencial de um crescimento profissional saudável.

Recapitulando

  1. É importante que profissionais seniores participem de processos de mentoria, seja por estarem mais aptos a construir pontes dentro da empresa, seja porque melhorar processos e criar cultura faz parte das suas atividades.
  2. Cada mentoria é única, mas lembre-se de compartilhar aprendizados do processo com os outros mentores sem compartilhar assuntos sensíveis e confidenciais.
  3. A mentoria é sobre a pessoa mentorada, evite repassar suas frustrações ou impor sua visão de mundo.
  4. Pessoas aprendem de formas diferentes, esteja preparada para testar técnicas diferentes.
  5. Procure sempre registrar possíveis ideias de melhorias pro futuro.
  6. Divirtam-se ao longo do processo :)


Este conteúdo foi criado inicialmente para uma palestra no evento The Developers Conference — Edição Online — São Paulo, em Agosto de 2020.

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