O éthos do design na Guava

Sérgio Fontes
Goiabada
Published in
7 min readNov 13, 2020

éthos. s.m. conjunto dos costumes e hábitos fundamentais, no âmbito do comportamento (instituições, afazeres etc.) e da cultura (valores, ideias ou crenças), característicos de uma determinada coletividade, época ou região.

Dos fatores atribuídos como responsáveis pelo sucesso ou fracasso de uma organização, os holofotes normalmente focam na estratégia, no mercado, na execução… mas pouco se fala sobre a cultura institucional. E isso não poderia estar mais errado.

A cultura se confunde com a própria identidade de uma organização: os valores, as crenças, e as atitudes do coletivo que, conscientes ou não, agem como um só. É a linguagem silenciosa, subliminar, que todos falam e entendem. E quando os valores coletivos se unem aos individuais, têm enorme potencial de fortalecer o senso de pertencimento das pessoas ao ambiente—o que é um enorme ganho pra cooperação—e também de motivá-las. É daí que vem sua relevância: pode ser uma poderosa força motriz para atingir objetivos e reter talentos.

A cultura se confunde com a própria identidade de uma organização (…) É a linguagem silenciosa, subliminar, que todos falam e entendem.

Na Guava, os blocos fundamentais de nossa cultura foram cimentados na própria fundação da empresa. Queríamos um lugar sem os vícios perniciosos que encontrávamos no mundo corporativo de software e design. Desejávamos um ambiente leve, que incentivasse a autonomia intelectual e criativa, sem jamais abrir mão da colaboração; do aprendizado constante, onde o conhecimento pudesse transitar livremente entre as mais diversas equipes.

Porém, de todos os valores acima, nada nos move mais do que nosso zelo quase obsessivo pela qualidade, tanto de nossos produtos quanto da nossa vida. Estamos aqui pela jornada, não pelo destino. O que nos move é a satisfação de resolver problemas complexos—e resolvê-los bem—sem deixar nossa saúde pelo caminho.

O éthos e o design

O éthos é um subconjunto de uma cultura. É a tradução mais específica sobre como a gente pensa e faz design. Se a cultura é a linguagem silenciosa que toda a organização fala e entende, o éthos é a gíria, o dialeto.

A Guava é um estúdio pequeno por opção. Assim, compartilhar valores basilares sobre a prática (craft) é fundamental para termos uma boa sinergia. De alguma forma, todos bebemos um bocado da mesma fonte: o Manifesto Ágil. Preferimos um produto funcional à uma documentação detalhada; pensamos em processos enxutos e flexíveis; e optamos pela constância das pequenas entregas semanais ao invés dos enormes lançamentos semestrais.

No design, esses valores se fundem—muito que naturalmente—na figura generalista. Atuando da pesquisa à execução, a designer generalista é alguém que conecta os insights com todas as atrizes e fases da construção de um produto digital.

Designers, do começo ao fim

Nós, designers, somos uma ponte entre usuários, negócios e tecnologia. Sabemos como transformar descobertas de pesquisa em funcionalidades; entendemos os objetivos do negócio e os conectamos às necessidades de seus usuários; conhecemos os limites e potencialidades de tecnologias e frameworks, agilizando as tomadas de decisões.

Nós, designers, somos a ponte entre usuários, negócios e tecnologia.

Generalistas…

Buscamos um bom nível de proficiência em todas as etapas de design—generalistas—mas sendo especialista em uma delas (também conhecido como “T-shaped”).

Generalistas são um perfil profissional bastante polêmico. Primeiro, porque foi bastante visto pelo mundo corporativo como uma faz-tudo, sendo uma mera mão-de-obra barata. Os famosos unicórnios. Segundo, porque é comum associar este perfil ao peculiar ornitorrinco, que faz de tudo, mas nada direito.

Sejamos francos: ninguém nasce uma generalista, tampouco é fácil montar um bom time com essas aptidões. Nem todas as profissionais têm este perfil. Compreensível.

Normalmente, alguém se especializa em uma área do design para então construir sua carreira em UX. Temos profissionais que começaram como excelentes ilustradoras, pesquisadoras, designers gráficos, de interação, e até front-ends, mas que também — com a prática e a aprendizagem constante — evoluíram em outros aspectos do desenvolvimento de um produto digital. Conhecimento não é um jogo de soma zero.

Em nosso contexto, as vantagens se sobrepõem aos pontos ruins. Uma equipe de generalistas tem mais flexibilidade de alocação para projetos novos. Como dissemos acima, somos pequenos por opção. Em um time enxuto, esta filosofia profissional faz bastante sentido.

…e complementares

Na Guava, cada projeto conta com duas designers, e costumamos montar equipes que se complementem em suas especializações—uma experiente com outra mais iniciante, uma expert em pesquisa com uma mestra em design gráfico. Por baixo disso, nosso processo é simples o bastante para ser flexível quando preciso.

Quando precisamos de uma especialista, sempre há alguém da equipe pronta para ajudar. Nos orgulhamos de nossa práxis de constante troca de conhecimento e colaboração. Sempre iremos puxar nossas colegas pra cima.

Nos orgulhamos de nossa práxis de constante troca de conhecimento e colaboração. Sempre iremos puxar nossas colegas pra cima.

Camila e Moisés, aparentando bastante interesse, observam a tela do computador no colo de Juliana, que está sentada.

Dinâmicas para designers

Toda semana a gente se encontra para trocar figurinhas sobre dificuldades e bloqueios que estamos enfrentando nos projetos; isso leva a muitas pequenas colaborações informais, troca de materiais e, principalmente, criação de empatia e espírito de grupo.

Falando em dinâmicas: temos o Clube de Leitura, onde discutimos artigos e livros; promovemos workshops e palestras sobre técnicas de design em eventos internos chamados de Rodada Técnica; incentivamos a Mentoria, reuniões 1:1 na qual acompanhamos nossas colegas para desenvolvimento pessoal e profissional.

Por fim, mas não menos importante, nos reunimos para trocar feedback sobre desafios enfrentados (aqui chamada de Rodada Crítica), onde buscamos, de maneira estruturada, trocar ideias e avaliações sobre um problema específico dalgum projeto. A crítica é parte importante na maturidade de nosso trabalho, pois não só aprendemos com a experiência de outras equipes, mas também podemos impactá-las positivamente, mesmo não atuando diretamente.

Colaboração máxima

Muito além de uma palavra da moda, encorajar a colaboração entre diversas equipes traz benefícios tangíveis e bastante perceptíveis. Quanto mais democráticas as decisões, mais as pessoas se sentem incluídas; quanto mais se dialoga, mais se desenvolvem as soft skills; quanto mais se compartilha a visão e objetivos de um produto, menor a necessidade de documentação. Acima de tudo, fortalecemos uma perspectiva menos industrial e mais humana do processo.

(…) fortalecemos uma perspectiva menos industrial e mais humana do processo.

Faces de uma mesma moeda

Dentro de um projeto, a relação designer–desenvolvedor se inicia cedo. Começamos a trabalhar juntos desde a construção do briefing. De um lado, designers focados nos usuários, do outro, desenvolvedores na tecnologia. Diferentes faces de uma mesma moeda, mesmo contexto.

Existem questões que transcendem a uma especialização: onde o negócio se encontra, pra onde deseja ir, quem é o público-alvo, e de que forma a tecnologia pode impactar a ambos. Manter toda a equipe no mesmo patamar nos permite construir um conhecimento e linguagem compartilhadas sobre os desafios. Também amplia nossa empatia e senso de pertencimento. Aliás, poucos sabem tão bem as regras de um negócio quanto os desenvolvedores—afinal, tudo que é projetado se reflete no código.

Uma moeda gira. Em um dos lados, um símbolo de programação; em outro, uma lâmpada acesa, simbolizando criatividade.

Designers codam?

Sim, nós designers codamos um pouco. Assim como todo bom designer de cadeiras conhece à fundo as propriedades e possibilidades da madeira e alumínio, por exemplo, achamos que é nossa obrigação entender as potencialidades de nossos materiais— no nosso caso, o HTML (semântica e hierarquia) e CSS (aparência). Às vezes até JS (interação). Em outras palavras: matéria-prima.

Saber código (e também Git) é uma excelente maneira de diminuir a distância para os desenvolvedores, e nos permite ser mais agéis em modificações e melhorias no produto.

Livre-trânsito de ideias

Partimos do princípio que, munidos das informações e do suporte corretos, toda a equipe — do júnior ao sênior, do designer ao desenvolvedor — é capaz de propor (e executar) soluções interessantes para problemas únicos.

O livre-trânsito de ideias e ponderações é fator crucial para a criatividade e multidisciplinaridade. Não nos permitimos entrar em zonas de conforto de autoridade baseadas em cargo. Todos são livres para questionar decisões, e o aprendizado ocorre em via de mão dupla.

O livre-trânsito de ideias e ponderações é fator crucial para a criatividade e multidisciplinaridade.

Queremos desenvolver experiências fluídas, instintivas, em cima de tecnologias modernas e robustas. Um produto incrível é feito de inúmeras decisões e debates; e para isso é necessário ter um ambiente que permita este fluxo e choque de ideias; que seja acolhedor ao diferente e ao inusitado.

Ferramentas são meios, não fins

Sabemos que as ferramentas nos possibilitam criar artefatos incríveis e têm muita influência em nossa prática de design. Mas nós temos uma visão agnóstica quanto a elas: defendemos que cada profissional deve usar a que seja mais proficiente e achar mais adequado. O importante é termos a noção de que ferramentas são apenas meios para atingir objetivos — e nunca o objetivo em si.

O importante é termos a noção de que ferramentas são apenas meios para atingir objetivos — e nunca o objetivo em si.

Eis um grande resumo de nossa cultura—ou éthos—do design na Guava, e um pouco da motivação por trás de cada um desses princípios.

Ao longo de dez anos, conseguimos ajudar na criação de um ambiente de trabalho que empodera a autonomia, mas encoraja a colaboração; que prima pela transparência e franqueza, sem abandonar a leveza e respeito; que nos faz sentir plenos e importantes, em todas as fases do desenvolvimento de um produto digital. E nos respeita como seres humanos.

Dos post-its ao CSS, o design hoje está no éthos da Guava.

Saudações à Juliana e Chico Carvalho (que não são parentes) pela ótima revisão; e Moisés Neto e Filipe Soares pelas belíssimas ilustrações. Muito obrigado!

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