O filho da puta

Robson Felix
Gotas de Prazer
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19 min readMay 28, 2021

Era o início das férias coletivas, recesso de final de ano. Os famigerados dez dias entre o natal e o ano novo, mais precisamente dia vinte e quatro de dezembro, véspera de Natal. E eu já não sabia mais o que fazer para me livrar do tédio. Havia três dias que eu não saía de casa. Eu estava aflito, ansioso, angustiado, tentando não pensar em nada. Porém, minha mente continuava trabalhando. Um turbilhão de vozes e informações dissonantes me aturdiam. Havia, em minha cabeça, algo parecido com o pregão da bolsa de valores, nos áureos tempos analógicos. Estava claro que eu precisava relaxar. Mas, como faz?
À esta altura da minha vida nada mais era tão engraçado como antes: nem o álcool, nem as drogas, nem as situações arriscadas em que eu me colocava. Eu ainda usava alguns aditivos químicos, mas já me questionava quanto ao valor do chamado uso recreativo. Nada era tão recreativo, assim. Na realidade, eu estava numa fase mais junk do que nunca. Transitava por uma melancolia absurda e não sabia ao certo se atribuía esse sentimento às drogas ou se elas eram somente mais um sintoma da tristeza que escorria como visgo pela minha alma, como um pedido de socorro silencioso. Eu estava descrente de tudo e de todos, duro, embrutecido, animalizado. Definitivamente o romantismo das drogas havia ficado no passado. “Agora só restou comércio", dizia eu para mim mesmo tentando me convencer de que em algum momento tudo aquilo havia sido diferente. Mas,era fato que há muito tempo ninguém mais sabia ao certo o que usava. Os atravessadores misturavam a cocaína com um pouco de tudo: ansiolíticos, pó de mármore, polvilho antisséptico, maisena e tantas outras coisas. De cocaína mesmo não havia nem vestígio. Algo equivalente a uma cabeça de alfinete em cada grama de pó branco. Ainda mais o pó do asfalto. Todos sabiam disso e continuavam cheirando. Eu começava a me sentir muito pouco inteligente, diferentemente do tempo da descoberta do pó. Eu sempre necessitei ser convencido intelectualmente das coisas. Falar que a droga é ruim é uma inverdade. Ruim é o cigarro, que nem onda dá, era esta a minha usual retórica. Agora eu já caminhava com o pó para o mesmo processo interno de reflexão com relação ao cigarro. A cada teco eu me sentia como se o enfisema se aproximasse mais um pouco de mim.Um hábito nada inteligente, onde o resultado era visível. A bebida não era minha droga de preferência, mas ao menos me dava um barato, uma onda. Mas, o álcool, à esta altura funcionava em mim apenas como um complemento às drogas. Algo como um lubrificante social da cocaína. O fato é que nada mais me dava àquela antiga sensação de entorpecimento, aquele adormecimento bom, aquele arrefecimento da angústia da vida que outrora eu sentia. De qualquer maneira, eu sabia que naquele momento era necessário fazer alguma merda para relaxar, senão eu iria explodir de tédio. Eu estava a ponto de enlouquecer.Algo como um lubrificante social da cocaína. O fato é que nada mais me dava àquela antiga sensação de entorpecimento, aquele adormecimento bom, aquele arrefecimento da angústia da vida que outrora eu sentia. De qualquer maneira, eu sabia que naquele momento era necessário fazer alguma merda para relaxar, senão eu iria explodir de tédio. Eu estava a ponto de enlouquecer.Algo como um lubrificante social da cocaína. O fato é que nada mais me dava àquela antiga sensação de entorpecimento, aquele adormecimento bom, aquele arrefecimento da angústia da vida que outrora eu sentia. De qualquer maneira, eu sabia que naquele momento era necessário fazer alguma merda para relaxar, senão eu iria explodir de tédio. Eu estava a ponto de enlouquecer.

Mas, o quê me traria novamente a sensação de ausência de mim?

Com o tempo eu me dava conta de como minha vida perdia o sentido sem a rotina do trabalho. Eu odiava finais de semana, feriados e férias. Talvez tivesse relação com o fato de eu nunca mais ter tentado reconstituir uma família desde que me separei de Andressa. Eu tinha alguns relacionamentos, mas quando ficavam mais sérios eu simplesmente pulava fora. Há alguns anos minha preguiça emocional havia me afastado de qualquer relacionamento afetivo mais profundo. Eu havia me fechado completamente para o amor, o que tornava minha vida fora do trabalho um absoluto vazio. Mas, até aí tudo bem. “Envelhecer deve ser mesmo assim”, eu tentava me convencer. A perda dos contatos sociais não se deu só pelo avançar da idade, mas sim pelas drogas e o caminho desregrado que eu havia tomado. Eu me afastei das pessoas com minhas próprias pernas. Fato! Afastei-me dos amigos caretas, por vergonha das drogas. E nos doidões, parceiros de drogas, eu não podia confiar chamá-los de amigos. Talvez por tudo isso, eu não gostasse do Natal. E não era para menos. Eu ficava irritado com toda aquela pressão social e comercial que nos empurram para a ideia de qie devemos ser felizes e perdoar os outros, todas aquelas baboseiras hipócritas. “Isso é fruto da culpa judaico-cristã. Eles enfiam goela abaixo essas baboseiras para vender mais presentes no Natal. A massa amorfa é mesmo bovina. Uma boiada indo em direção ao matadouro.”, resmungava eu impaciente, andando de um lado para o outro do meu conjugado minúsculo, com um cigarro entre os dentes.

Será que algum traficantezinho do asfalto estava de plantão na véspera de Natal? Trambique, o meu traficante preferido, certamente não estaria na pista. Ele respeitava demais essas datas religiosas. Até mais do que respeitava o dinheiro. Mas, não custava nada tentar. Quem sabe o frisson da droga me distrairia. Qual nada. Todos com os dillers estavam fora da área de cobertura. Tudo bem, pensei. Foi então que cheguei a conclusão de não era de droga que eu precisava. Não era isso que iria distrair meu tédio. Apenas iria aumentá-lo. Além do mais eu estava com preguiça de aguardar, ficar ansioso, ficar tenso aguardando, aguardar mais um pouco, negociar, escolher o produto, fingir intimidade para disfarçar o movimento dos transeuntes, pegar a droga e ir para casa tenso, achando que estou sendo perseguido por alguém, até conseguir usar a droga. Não, não. Cansei só de pensar. Na pior das hipóteses eu perceberia, tarde demais, que o "avião" não voltaria, enquanto dentro de mim, eu já tivesse disparado o gatilho absurdo do desejo. Eu já conhecia este processo. Senti que precisava mesmo era me livrar de certa angústia física, porém exercícios saudáveis estavam fora de cogitação.

Foi aí me veio um estalo. Eu precisava era de sexo! Era isso! Diagnostiquei meu desejo sem dar margem a erros. Mas não era de qualquer sexo que eu precisava. Eu precisava de um sexo sórdido, sujo, baixo. Precisava do odor da lama fétida, do chorume dos líquidos corporais de pecadores. “Que se foda o Natal.”, retruquei a uma parte de mim que tentava me lembrar de que era época Natalina.

Apostei comigo mesmo que não seria difícil. Afinal, eu estava em Copacabana e com algum dinheiro, em função do décimo terceiro salário. Quem não conseguisse fazer compras no submundo de Copacabana com dinheiro no bolso era “mulher do padre”. Tudo em Copacabana é delivery, vinte e quatro horas por dia, o destino certo do turismos sexual e lisérgico. Havia almas com tabuletas de preços nas costas a dar com o pau – com o perdão do trocadilho infame.
Mas, e a merda do Natal? Capitulei. Talvez o natal fosse mesmo um problema. O Natal é a única data em que todos os segmentos da sociedade respeitam, até as mais sórdidas profissões a respeitam, como traficantes e putas. No fundo todos, ou quase todos, têm uma família para onde voltar. Até os contraventores. E todos querem posar de boas pessoas em busca de alguma salvação celestial, após a morte, mesmo depois de todas as merdas que fizeram em vida.
Eu disse todos querem?
O certo seria dizer que todos queremos.

Eu já conhecia, quase, todos os esquemas de sexo e drogas de Copacabana. Por isso, resolvi que iria dificultar mais um pouco a missão. Eu não queria nenhum esquema rotineiro ou conhecido. Queria algo novo, diferente, inusitado. Eu desejava correr o risco da frustração. Queria ir mais longe possivel da minha zona (opa!) de conforto. Talvez eu desejasse algo mais impessoal, sem tanto contato físico, como aquelas cabines insalubres que ficam transparentes ao tilintar das moedas de um real para que, ao menos por um minuto possamos ver mulheres ainda com algum pudor de serem putas de verdade para trocarem fluídos corporais com seus clientes. Ou quem sabe, assim como eu, elas não gostem tanto do contato físico. Talvez não queiram correr o risco de alguma ressaca moral no day after. Ou tenham medo de algum castigo divino.
Não.
Talvez eu precisasse de algo mais hard, mais impessoal ainda. Quem sabe alguma coisa na linha das termas? Não! Termas, não. Na verdade, o que eu desejava era que a vida me sabotasse meus intentos na origem de sua geração. Eu não estava emocionalmente forte o suficiente para filtrar meus impulsos doentios e nem para lidar com a ressaca moral que qualquer ato insano de satisfação imediata de meus desejos inconfessáveis, pudessem me trazer.
Xeque-mate.
Por outro lado, já sabia, por experiência própria, como me esquivar das sabotagens que a solidão pudesse me armar, só me faltava vontade de transgredir.
Quem sabe eu seja, na verdade, o mais romântico dos homens?
Talvez o que eu estivesse mesmo sentindo era a falta de uma família.
Talvez... talvez... caguei!, concluí de imediato e saí saindo de casa.

Ao chegar à Hilário de Gouvêa com Nossa Senhora de Copacabana olhei para o outro lado da calçada e percebi que a loja das cabines sórdidas estava fechada. Sorri, quase, me dando por satisfeito. Mas, eu me conhecia o suficiente para saber que eu não desembainharia a espada se não fosse para usa-la. A questão é que eu não sabia se queria mesmo alguma sordidez sexual no Natal ou um abraço carinhoso do Papai Noel. É, talvez fosse isso o que eu desejasse secretamente. Um abraço, um carinho, um chamego. Mas, eu ainda não conhecia outro caminho para ganhar um abraço, além do sexo. O sexo era o caminho mais conhecido para saciar minha carência, para chegar até a minha alma. E o sexo pago evitaria o constrangimento de dar explicações sobre minha carência a quem quer que fosse.

Ao olhar a loja fechada da Hilário de Gouvea achei que talvez fosse um sinal divino. Tanto pior, pensei com minha vozes internas. Quanto mais a vida me sabotasse, mais fundo eu chafurdaria na lama. Esse era o meu lema e meu destino. E naquele dia estava disposto a rolar na lama. Em qualquer lama. “Foda-se o Natal!”, ri de soslaio e atravessei a rua em direção à praia. Contornei a Praça Serzedelo Correia até a rua de trás, paralela à Nossa Senhora de Copacabana. Sabia que ao lado do restaurante Corujinha, havia um lugar fétido, baixo nível, de prostituição barata. Tipo ‘vinte mangos’ uma chupada. Era disso que eu achava que precisava. Cheguei a subir alguns lances de escada quando me dei conta do estranho silêncio do lugar. Resolvi descer sem tentar abrir a porta da esperança. Aí já era demais. O lugar era muito sórdido para uma véspera de Natal. Depois dessa quase desisti de meus intentos. Mas, porque deveria desistir? Só porque era Natal? Eu estava de férias e tinha a grana do décimo terceiro nas mãos, caralho. E ninguém para visitar nesta época do ano. Enfim, nada para fazer. Saco! Sentia uma ponta de melancolia dos tempos em que me distraía mais facilmente com a solidão das drogas, com o sabor do álcool. Houve uma fase em que qualquer merda me distraía. E sem nenhuma culpa. Sem nenhuma ressaca moral. Mas, agora não. Havia algo de errado em mim. Eu não costumava penar tanto para realizar meus intentos mais sórdidos. Não em Copacabana. Antigamente eu tinha uma rede de relações do submundo para me atender, com um cardápio de baixaria para escolher. Eu estava realmente ficando velho. Mas, tudo bem. O Leão perde os dentes, mas não perde os instintos, filosofei.

Passei em frente a alguns outros lugares conhecidos. Mas, evitei olhar diretamente para os prédios para não ser tentado a entrar. E me frustrar novamente. Agora eu estava ficando realmente puto. Queria algo novo, diferente, surpreendente. E nada. Eu queria novidades – se é que existem novidades no que tange a mais velha profissão do mundo.
“Claro que existem...”, pensei alto “...sexo pago é que nem droga. Todo dia inventam alguma nova modalidade”.
Resolvi mudar de tática. Passei em uma banca de jornal e comprei dois jornais populares. Talvez os classificados daqueles jornais sanguinários iluminassem minha mente confusa, em busca de alguma diversão.
Abri o jornal logo na parte dos classificados dei uma rápida olhada ali mesmo na rua.
Levantei a cabeça, olhei para os transeuntes e fiquei constrangido por um instante. Parecia que todo mundo podia ler minha mente doentia e perceber meus intentos nem um pouco nobres para aquela véspera do Natal.
Não.
Aqueles bastardos, parasitas corados e gordos, não podiam ler minha mente. E mesmo que pudessem, não o desejariam fazê-lo. Estavam todos pensando no que dar de presente para seus irritantes filhos-únicos-tiranos, ou envolvidos em um diálogo insano com seus smartphones. “Que se fodam todos eles!”, resmunguei por entre os dentes. Não era isso que me incomodava. Era a minha culpa que arranhava a minha mente. Seria a minha culpa que entregaria minhas intenções para aqueles parasitas? Aqueles cornos eram tão otários que poderiam até pensar que eu estava à procura de um apartamento em plena véspera de Natal. Esses párias acreditam em tudo mesmo, desde que não corram o risco de se aborrecerem. Mas, se ainda assim eles descobrissem meus intentos obscuros, eu pularia em cima deles e esbofetearia suas carinhas rosadas com força e gritaria com um dedo em riste: “É isso mesmo. Quero comer a gostosa da tua mulher, seu corno”.
Mas que merda.
Eu estava viajando aquela hora do dia.
Eu estava realmente ficando velho. “Fodam-se os párias”, esbravejei como se fosse acometido de Touret.

Eu precisava de foco.

Abri o jornal ali mesmo na rua, e dei uma rápida olhada. Queria saber logo se havia alguma coisa interessante entre os escombros daquelas manchetes ou se precisaria comprar algum outro jornal. Dei um pequeno sorriso de canto de boca quando percebi poucos, mas alguns relevantes anúncios de putas nas edições natalinas daqueles jornais de merda. Anúncios que prometiam aplacar as minha angústias.
“Que putas vagabundas são essas que não respeitam nem mesmo o Natal?", gargalhei internamente com o trocadilho que havia produzido sem intenção.
Resolvi segurar minha ansiedade e "ler" o jornal mais detalhadamente em casa. Queria me deliciar com as "notícias do dia" no recanto do meu llar. Afinal, o melhor da festa é esperar por ela. A espera é sempre o melhor truque do mal. O frio no estômago é que é a verdadeira transgressão.

Fui andando pela Barata Ribeiro em direção a minha casa, pensando se eu realmente precisava daquela transgressão. Aquilo já estava virando uma novela mexicana. E eu sabia como acabaria. No final seriam apenas cinco minutos de prazer e menos duzentos reais em minha conta. Havia algum tempo que eu me sentia como um serial killer nos momentos que antecediam o crime. Eu tentava dissuadir a mim mesmo, queria evitar a ressaca moral, mesmo sabendo que já não havia mais volta para a minha loucura. Àquela altura eu precisava concretizar meus intentos sórdidos. Eu precisava de ‘sangue’.

Andei ainda uns vinte minutos até chegar em casa, no começo de Copacabana. Eu estava babando pelos cantos da boca, como sempre acontecia quando esperava por sexo pago ou por drogas. A espera era definitivamente mais excitante do que o objeto de desejo em si. Seja lá qual fosse. Assim como a conquista era a melhor parte de uma relação. Será que era assim com todo mundo? Eu precisava pensar melhor neste tema. Fiz uma nota mental: “Porque é tão difícil lidar com os desejos humanos? Porque não podemos apenas viver sem o peso dos desejos proibidos ou de sua inevitável culpa?”, filosofei meio que de sacanagem, para passar o tempo, quase chegando ao prédio em que morava.

Já no conforto do meu lar, quase rasguei o jornal de tanta ansiedade. A melhor parte ainda estava por vir: o contato telefônico. Ah, esta parte mexia com a minha imaginação. Este era o fator decisivo na escolha da profissional do sexo perfeita. Esta era a parte racional do impulso irracional que eu sentia naquele momento. O momento da ligação era a materialização do imponderável. Eu me deliciava com cada cena que eu - ator e diretor de mim mesmo - me proporcionava. O eu diretor de mim mesmo era rígido, como um Hitchcock. Eu precisava refrear meus desejos. Ou não. Eu precisava lidar com o meu ego de forma a dar limites a mim mesmo. Tudo bem, pensei, mas não hoje. Hoje eu não desejava nenhum limite. Definitivamente, hoje eu não lutaria contra os meus impulsos. Afinal era Natal e eu merecia um presente. Trataria aquele dia como se fosse uma despedida dos impulsos sórdidos, mas eu pensaria melhor nisso depois. Talvez, como em uma dieta restritiva, eu pensasse nisso apenas na segunda-feira seguinte. Ou no ano seguinte. Naquele momento eu queria mesmo era a lama. Não queria discussões filosóficas com meu lado mais babaca, careta, racional.

No jornal as opções eram poucas, mas existiam. Termas, profissionais liberais, algumas com privê e outras delivery. Eu iria dar preferência as que tivesse um discurso de massagista. Em minha cabeça frágil eu idealizava aquelas sessões de massagem que via na TV a cabo com pedras, cristais e incensos. Fantasiava que ao final de cada sessão de massagem havia um final feliz. Este era a grande queixa das fisioterapeutas sérias. Todas eram confundidas com prostitutas. As garotas de programa prometiam massagens tântricas que na verdade se resumiam a sexo pago. Imaginei que o discurso da massagem as ajudassem a lidar melhor com a culpa, além de inflacionar e qualificar o cachê. Ao menos estão elaborando melhor o discurso da prostituição hoje em dia. Mas, eu estava mesmo era gostando de fantasiar e não havia, quase, nenhum mal nisso. Era apenas mais uma atitude bandeirosa de que eu queria colo e não sexo.

Lembrei-me que, certa feita, eu precisei de uma massagista profissional, pois eu havia dado um jeito no pescoço. Eu abusava do pó e vivia com torcicolo por dormir de mal jeito. Até hoje não sei ao certo se era porque dormia que nem una pedra ou era algum efeito colateral da própria cocaína. E como o hábito de casa se leva a rua, procurei uma quiropata no jornal. Seção de massagens, claro. Encontrei uma que prometia massagens de todos os tipos e ao telefone foi a que me pareceu mais séria. Fui ao seu encontro. Realmente ela resolveu meu problema no pescoço com massagens de todos os tipos, que incluía ficar de pé sobre minha coluna. Aliviado da dor insuportável que se enraizava até o nervo ciático eu estava feliz comigo mesmo pela escolha certeira daquela querida senhora idosa de cabelos brancos que mais lembrava minha avó. Foi quando ela me surpreendeu ao final da sessão com uma voz lânguida. Eu ainda com os olhos fechados, saboreando a ausência de dor, ouvi assustado quando ela disse: “Então, como quer seu complemento? Com a boca ou com as mãos?”. Saí de lá com a sensação que havia sido violentado por alguém da terceira idade. Mas, é claro que eu não recusei a oferta do final feliz, já que estava incluído no preço. O mundo capitalista nos dá essa estranha sensação de que estamos ganhando algo quando tudo está embutido no preço. Afinal, não existe almoço – nem boquete – grátis.

Eu divagava pelo meu passado sórdido, quando a primeira ‘massagista’ para quem eu liguei atendeu. Mas, sua voz passava uma indiferença de quem parecia que estava me fazendo um favor. Não isso não. Isso me dava mais raiva que tesão. Não queria que ninguém me mostrasse o quão sórdido eu era de fato, que me esfregasse na cara o quão fodida e infeliz era a minha vida. Afinal quem estava fazendo favor era eu ao remunerar o seu ‘amor’ raparigueiro. Desliguei na cara dela.
A segunda era mais convincente. Porém, tinha um esquema complicado: telefonar quando chegasse à rua e coisa e tal. Desconfiada demais, pensei. Eu é quem deveria estar desconfiado. Desliguei também. Nada disso me empolga. De qualquer forma, eu não queria me colocar em nenhum tipo de risco. Esses esquemas geralmente passam uma sensação de insegurança. “Porque deveria confiar em alguém que não confia em mim?”, pensava eu enquanto acendia um baseado.
Quase desistindo, finalmente atendeu, na minha terceira tentativa, uma que se dizia mestre em diversos tipos de massagens. Ela tinha a voz de uma mulher de meia idade, confiável, que me lembrou aquela minha experiência com a vovozinha. Na verdade era uma voz metálica, de fumante inveterada. Ela passou o endereço todo e deixou escapar um aviso. Algo como: “Estamos abertos somente até 15h em função do feriado natalino”. Isso me soou como algo extremamente profissional. Afinal, era realmente véspera de Natal e ela ainda estava atendendo. Seria falta de respeito se ela não fechasse cedo num dia como aquele. Inconscientemente eu já a tinha eleito. De qualquer forma eu não queria ficar procurando, ligando. Decidi que seria ela a contemplada pela presença vip do meu pau. Talvez Eu a tenha escolhido realmente por força da memória afetiva da jovem senhora que resolvera o meu problema de coluna/ pescoço e ainda havia me dado o brinde de um final feliz de gengiva. Talvez pela pressão do horário, sei lá - como nossa mente é confusa, não é? Por via das dúvidas ainda fiz mais algumas tentativas de contatar outras profissionais displicentes, que mais pareciam estar na praia ou em uma mesa de bar. Mas, o que eu esperava na véspera da merda do Natal? Não havia realmente uma escolha. Era aquela da voz com enfisema pulmonar ou nada. Quem sabe o abraço dela fosse bom? Com sorte ela seria boa de massagem.

Chegando ao endereço informado ainda pensei em desistir, mas àquela altura a curiosidade era maior do que o tesão. Se é que algum tesão pudesse resistir àquele prédio caindo aos pedaços, sujo e decadente do Largo do Machado. Talvez fosse apenas a minha tristeza que o percebesse assim. Sempre que eu me colocava nestas situações pensava na força que me movia até a lama. Sexo era apenas um motivo superficial. Se eu arranhasse um pouco mais a superfície da minha motivação o que será que encontraria? Solidão? Melancolia? Depressão? Curiosidade? Angústia? Tédio? Talvez fosse minha alma muito sensível que me colocasse, de vez em sempre, naquelas situações estranhas. Quem vai saber? Definitivamente não era hora de pensar nisso.

O edifício era comercial, o que resguardava um pouco minha integridade. Se encontrasse alguém poderia sempre dizer que eu estava indo ao dentista. Se bem que não. Nenhum dentista que se preze teria consultório naquele prédio de merda ou atenderia na véspera do natal.

Sexto andar.
A porta era um pouco diferente das demais, mais suja e mais mal ajambrada, denunciando aos mais atentos que aquela era a porta de entrada para a luxúria. Ao chegar fui recebido por uma senhora de aparentemente 55 anos de idade e de cabelos amarelos.
“Tudo bem...”, pensei “...é o que temos para hoje.”.
De qualquer forma, não havia mais como recuar. “O mundo é para os fortes”, balbuciei mentalmente a cada passo que eu dava para o inferno. Ela perguntou se era eu que havia acabado de ligar e eu balancei a cabeça, constrangido, como um menino sapeca. Era um conjugado minúsculo separado em cubículos por divisórias de Eucatex, o que fazia tudo ficar muito mais apertado. Entrei por algo que se assemelhava com uma recepção. Refeito do susto reparei numa mulher jovem e peituda, que nada falou, sentada num sofá ao lado da porta completamente vestida como se estivesse na antessala de um dentista. A mulher mais velha de cabelos amarelos me mandou entrar em um dos cubículos que já iriam me atender. Eu entrei no cubículo. Tirei as roupas e deitei-me de costas. “Já eu que estou no inferno, que venha logo o capeta me dar um abracinho que estou carente.”, pensei resignado. Qualquer coisa, se tudo piorasse, eu diria que o que eu desejava era realmente uma massagem, e dispensaria, gentilmente, o ‘complemento’ do final feliz. Se tivesse, ao menos uma chance. Passados uns cinco minutos surgiu na porta àquela mulher que estava completamente vestida como na ‘antessala do dentista’. Ainda estava vestida e disse com voz lânguida: “Todas já se foram e só fiquei eu, tudo bem?”
Parecia até aquele comercial de refrigerante. Claro que podia ser Pepsi, pensei. Qualquer coisa era melhor do que aquela velhota. Ademais ela era bonitona, mignon com cabelos até a bunda, seios grandes e fartos, porém desproporcionais ao seu corpo baixo e esguio. Eu disse que sim, timidamente, e ao mesmo tempo, com a cabeça de cima, medindo a moça de alto a baixo.
“É por essas e outras que não devemos ter expectativas na vida.”, refleti e sorri com minha conclusão, enquanto me virava de costas novamente. Ela, quase, constrangida disse que iria se trocar e já voltaria para me atender. Perguntou se ele queria tomar um banho o que eu recusei na mesma hora. Respondi que já o havia feito, em casa e que o que eu desejava apenas relaxar um pouco.

Quando ela voltou apenas com um top pude reparar, em detalhes, a beleza rara daquela profissional do sexo. Ela era delicada, sem ser frágil. Proporcional. Não devia ter mais do que 21 anos. Mas, seus seios destoavam. Eram enormes, desproporcionais. Saltavam do top. “Porque será que ela ainda está de top”, eu me perguntei mentalmente. Resolvi fingir que não havia reparado em seus dotes e me concentrei em seu toque. Digo, na massagem. Ela era carinhosa, mas com uma boa pegada. Intuitiva ou autoditada na prática de massagem ela conseguiu perceber que eu não estava tenso. Foram quase trinta minutos de massagens de um total de sessenta contratados. Ela havia passado no teste da massagem e de quebra havia conseguido recuperar o meu tesão, perdido pela busca incansável pelo prazer sórdido. Eu ainda fingindo que queria apenas massagem enquanto a mão da mulher já resvalava em meu saco. Perguntei disfarçadamente se podia virar de frente. À esta altura estavam nós dois já babando pelas mucosas de tanto tesão. Foi quando ela lançou a seguinte pérola, já de olhos revirados:

- Eu sou uma vaquinha, tenho leite.

Eu a olhei meio sem entender a senha e ainda com os olhos semisserrados perguntei:

- Como assim?

- Tenho leite - ela repetiu - tive filho recentemente e ainda estou amamentando. – disse enquanto lambia os meus lábios e enfiava sua língua em minha boca.

Meus olhos brilharam. Meu pau latejou como se eu o sexo ainda fosse um mistério para mim. Eu não podia acreditar que a sorte havia me sorrido daquela forma. E passei os outros trinta minutos a que tinha direito dentro dela, de frente. Mamei sofregamente os seios daquela mulher como um bezerro faminto. Agradeci o presente que Papai Noel havia colocado em meu pé de meia. Eu queria um abracinho e ganhei colo e mamadeira. Percebi que tudo o que eu precisava não era sexo e sim de um carinho quente de uma mãe postiça.

Depois daquele dia foram outros sete dias na cama. Os médicos não chegavam a nenhuma conclusão. E como sempre acontece nesses casos, eles nem se dão ao trabalho de se aprofundarem nos exames e generalizaram o diagnóstico dizendo tratar-se de uma virose. Mas, eu já tinha meu diagnóstico. Não havia sido a sorte que havia me sorrido. E sim a solidão, puta velha safada e sem dentes. Eu não consegui me levantar da cama para ver os fogos do réveillon. Mas, tudo bem. Eu já havia brindado com leite humano a chegada do ano novo com uma semana de antecedência.

Quanto ao meu diagnóstico?

Eu estava resignado.

Na melhor das hipóteses eu padecia de uma maldição terrível, por ter secado todo o leite do filho da puta.

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