Pontos Cegos — Andrea
01/08/04
“Hoje, em particular, estou muito mais sensível.
Talvez seja por isso que eu tenha tido a ideia de escrever algo sobre a nossa história de amor.
Talvez para um dia dar tudo isso para ele.
Talvez para, com esse ato, conseguir entender o que aconteceu com nossas vidas, o que aconteceu comigo, o que aconteceu com ele.
Talvez com isso, eu me sinta menos infeliz.
Quem sabe, até mais forte ou simplesmente mais humana.
Tudo começou com aquela noite de loucura. O que seria apenas mais uma noite de bebedeira e diversão — pura diversão — se transformou na minha maior felicidade. E também — talvez até por isso — na minha maior dor.
Quando acordei e me deparei com aquele corpo ao meu lado, entrei em pânico. Como tirar aquele homem do meu quarto sem que ninguém percebesse, sem que ninguém o visse? E afinal, quem era aquele homem? Como eu tinha tido o desplante de levar um homem que eu nem sabia quem era para a minha própria casa? Para o meu quarto?
De repente ele acordou. E naquela boca maravilhosa nasceu um sorriso. O sorriso mais bonito e carinhoso que eu já havia visto. E o que era aquela voz? Parecia música para os meus ouvidos. Principalmente para o meu coração. Não existia mais dúvidas, nem depressão. Eu estava encantada. Quanto tempo que eu não interessava por ninguém? Meses? Não… anos! Não. Talvez uma vida inteira. Sim, porque ultimamente meu coração estava endurecido como uma pedra. Eu não queria mais me envolver com ninguém. Meu lema era curtir, aproveitar a vida.
Mesmo encantada, eu consegui falar que ele tinha que ir embora sorrateiramente, fugido e sozinho. Falei que eu não tinha a coragem de acompanhá-lo até a porta. O que os empregados poderiam pensar. E os vizinhos? Imagina? Não…
Apesar da minha indelicadeza, algo dentro de mim me dizia que ele havia gostado de mim e eu não estava nada indiferente a isso. Eu ainda estava atordoada. Eu tinha muitas dúvidas, não desejava me envolver, pois eu estava vivendo uma ótima fase, trabalhando com amigos, fazendo o que eu mais amava, voltando para o meu meio, finalmente. O meio da moda me recebia de braços abertos e eu precisava dar a ‘cara para bater’, profissionalmente falando, fazer contatos, seduzir e ser seduzida, enfim… eu precisava da liberdade para viver esse meu momento, há muito esperado.
Mas, toda a vez que eu ouvia aquela voz ao telefone — tenho que confessar — meu coração balançava.
Começamos a sair. Uma, duas vezes. E na terceira vez ele fez um jantar com velas espalhadas pela casa. Foi uma noite de muito carinho, nos beijamos e fizemos amor como se fosse a primeira vez, todas as vezes. Descobrimos músicas de amor juntos, criamos trilhas sonoras, nos apaixonamos e transamos várias e várias vezes, de muitas e muitas formas (sempre maravilhoso).
Eu sabia que era correspondida, eu sentia isso em cada beijo, em cada afago, em cada palavra que ele me dizia.
Passamos a dormir juntos todos os dias. Eu era tão feliz que comecei a ter medo de tanta felicidade. Será que eu merecia ser tão feliz? Eu não estava acostumada com tamanha felicidade, não podia ser verdade. A vida sempre me deu tantas rasteiras, que essa felicidade toda me dava medo. Mas, eu sentia o amor da parte dele. Me entreguei. Entrei de cabeça, corpo e alma e me transformei em outra pessoa. Uma pessoa melhor, mais bonita, mais paciente, mais humana. No meio desse amor — hoje tenho esta a consciência, mas naquele momento eu não via assim, se não eu não teria continuado aquela relação — ele começou a me mostrar suas outras personalidades. A primeira vez foi quando eu sugeri de irmos a um restaurante japonês. Escutei como resposta que isso era um programa muito íntimo, que não era para nós, que havíamos acabado de nos conhecer. Como assim acabado de nos conhecer? Já tínhamos uma relação de dois meses...
Eu fiquei ‘passada’. Se fosse hoje eu desmoronaria, choraria até meus olhos incharem. Mas, naquele dia fiquei, apenas, boquiaberta. Eu achava que japonês era justamente o contrário do que ele estava me dizendo. Era um lugar perfeito para se começar uma relação. Fiquei muito triste, mas achei que não era motivo para não levar nossa relação adiante. Três dias depois ele me convidou para irmos ao Azumi — o melhor restaurante japonês do Rio de Janeiro, segundo ele. Fiquei super feliz e falei algo tipo “nossa?, passamos tão rápido assim no teste de relacionamento?”
Pra quê fui cutucar a fera? Nossa, o homem ficou enlouquecido, virou um bicho. Disse, gritando, que ele não estava fazendo isso por mim, que nunca fazia nada pensando em ninguém, muito menos em mim que ele havia acabado de conhecer. Esbravejou para eu parar para pensar que o mundo não gira em torno de mim.
Mais uma vez eu fiquei forte e levei para o lado da grosseria, apenas. Ele deve estar mau-humorado, lembro de ter pensado na hora. O clima melhorou durante o jantar (realmente maravilhoso) e ficamos numa boa a noite toda.
Hoje a coisa toda se desconcertou. Talvez o problema esteja comigo. Talvez eu é que tenha mudado. Talvez eu tenha feito da fraqueza estado de espírito, o meu mundo. Por isso criei este diário, pois acho que estou ficando louca. Ou melhor ele está me convencendo de que estou ficando louca. Então lendo o diário no futuro, posso me lembrar de como os fatos realmente aconteceram.”