Pontos Cegos — Andrea

01/09/04

Robson Felix
Gotas de Prazer
5 min readAug 13, 2016

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“Acordamos bem.

Até que, depois de tomarmos um café preto, na hora de escolher a roupa de trabalho dele, deu merda.

Nessa hora ele foi mais grosso (truculento? duro? indelicado?) do que de costume.

Ou eu acordei mais sensível e emotiva, hoje.

Não, sei, realmente, dizer.

Mas, é fato que as grosserias dele foram suficientes para me dar aquela vontade de chorar, que já estava se tornando rotina em nossa relação, ultimamente.

Nota mental: tenho que parar com isso (essa coisa de nó na garganta), URGENTE.

Eu só me fodo, com isso.

E, é lógico que ele percebeu que eu estava mais sensível.

Eu nem o levei até a porta, como faço sempre.

Fiquei deprimida, na hora.

Já sacando que uma bad viria, me arrumei rapidamente e fui dar uma volta de bike na orla.

O que foi uma ideia maravilhosa, voltei revigorada.

Tão revigorada que, nem sei ao certo o porquê, me deu uma vontade louca de ligar para aquele calhorda, logo que eu coloquei os meus pés em casa.

Ele não merecia esse carinho.

Afinal, tinha sido mais uma vez estúpido comigo, sem razão.

Liguei, assim mesmo.

Claro, que ele foi indiferente e indelicado, como sempre.

Ele nunca demonstrava emoção.

Ainda mais no trabalho.

Ele deve ter ficado com muita raiva por eu ter chorado logo pela manhã ou qualquer observação repressora e repressiva desta monta, com relação ao meu jeito de ser, à pessoa que eu sou.

Ele me odeia.

Passei o resto do dia em casa, deprimida, chorando, por essa relação de amor e ódio que me corrói até as entranhas.

Será que eu preciso ter dor para conseguir algumas migalhas de prazer?

Será que eu sou uma pessoa tão ruim assim?

Pois é de tristeza e de (muito poucas) alegrias que eu vivo, dia após dia (dentre outras coisas mais glamourosas, é claro).

Mas, quem ele pensa que é?

Aquele pobretão.

Mas, quer saber?

Ele não é a única coisa que existe em minha vida, não.

Viu, seu moço?

Se me encher muito o saco contrato um garotão bem pirocudo para me castigar, viu.

Isso, se ele me maltratar hoje, tá fodido.

Só vou dar mais essa chance, hoje, pra ele me fazer feliz.

Senão mando tudo pro caralho!

Vivo sempre com medo de como o monstro vai chegar do trabalho, à noite.

Minha ansiedade têm estado à mil e com isso tenho bebido mais que o habitual, é fato.

Mas, tenho malhado bastante também, cuidado da mente e do corpo, viu?

Mereço as minhas tacinhas, pois também sou filha de Deus.

E se a coisa apertar muito, tomo logo uns rivotrilzinhos amigos, que ninguém é de ferro, não é?

E agora com o hábito de escrever, sinto que vou encontrar o meu caminho de volta.

Será que serei escritora?

Ai, meu Deus.

Ele vai rir muito quando encontrar esse diário.

Ou será que vai me castigar mais ainda?

Será que riremos juntos lendo essas intimidades (mesmo que não estejamos juntos)?

Ou será que o MONSTRO queimará o arquivo vivo?

Desculpe, querido diário, mas eu me perdi…

… onde eu estava, mesmo?

Ah, comecei a beber e a escrever esta história, bem cedo.

Logo assim que ele saiu.

Eu como estou frágil, já viu, não é?

Quanto mais escrevia, mais fundo eu ia dentro de mim, mais eu chorava, mais eu sofria, mais...

Quando ele chegou, eu já estava bêbada, drogada e prostituída.

Além de estar em um estado emocional deplorável.

Falei para ele que eu estava mal por causa do meu pai e tals, mas (eu não sei se ele é muito espertou ou se eu dei alguma bandeira), logo ele desconfiou que era por causa de suas grosserias matinais.

Só sei que o monstro cresceu numa proporção que até agora estou perturbada, tentando entender quem é realmente essa pessoa que dorme ao meu lado.

O homem me escrachou, me humilhou, me arrasou como nunca antes, você tinha que ver.

Ele disse que ia embora daqui de casa, de vez…

…disse que não tinha história nenhuma comigo…

…que ia voltar para faculdade para conhecer umas gatinhas…

…que queria curtir, que a gente poderia até dar ‘umazinha’ de vez em quando, mas de forma avulsa…

…que ele estava ‘agitando’ um emprego lá em São Paulo, só para não ver a minha cara…

…disse que ele não tinha sonhos, planos, nada, comigo…

Eu fiquei como?

Que nem o recruta zero fica depois que o sargento sei lá o nome dá uma mijada nele.

Depois de seu banho — eu na sala, estava totalmente dilacerada, atordoada — ele me disse que era tudo mentira, que falou tudo da boca para fora.

Ele me disse que, às vezes, precisava ser mais duro para eu crescer, cair em mim, sair do chororô, do mimimi…

Ele já veio sem toalha, de pau duro, colocando na minha boca enquanto as lágrimas caiam.

Fizemos amor.

Não, fudemos (com U, mesmo) como loucos, à noite toda.

Teve até beijo na boca.

Enquanto ele me humilhava, agora sexualmente eu pensava:

E a minha depressão?

E tudo o que eu escutei, perplexa, como se o estivesse vendo pela primeira vez?

Será que realmente era tudo mentira dele?

Será que pode existir alguém assim como ele, tão perverso?

Será que ele tem algum problema mental, de fato, diagnosticado?

Será que ele tem já foi internado?

Será que ele sente prazer em me ver sofrendo, fica excitado em como eu me submeto aos seus caprichos?

Será que ele é tão louco assim, arriscando perder a mim e todo o dinheiro do meu pai?

Será que é isso? Ele só quer o meu dinheiro?

Eu dou…

… me fode assim todos dias, que eu te dou todo o dinheiro do mundo, me fode, seu puto…

Essa última frase eu não consegui segurar e gritava como uma louca enquanto eu mijava de uma forma ensandecida, encharcando os lençóis.

Quando eu o conheci, eu tinha vergonha de ter ejaculações, como um homem.

Foi ele quem tirou essa neurose de minha cabeça e me fez valorizar esse fato, pois, dizia ele, eu jamais poderei fingir orgasmo.

“Você é o orgulho do verdadeiro macho…”, dizia ele, logo no início de nossa relação, “Com você o homem pode dormir sossegado, tendo certeza de que fez bem o seu trabalho…”

Um verdeiro cavaleiro, não acha, meu querido diário?

A verdade, se há uma verdade, é que ele realmente tem algum tipo de prazer em me humilhar, em me rebaixar, em me fazer sofrer, até eu não aguentar mais.

O outro lado da moeda dessa merda de verdade, é que eu tenho orgasmos múltiplos toda vez que ele me humilha,me rebaixa, me faz sofrer, até eu não aguentar mais.

Eu me mijo vestida.

E ele sabe muito bem disso.

Que merda de feitiço é esse que esse filho da puta me fez?

Preciso descobrir urgente.”

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