A importância da correta definição e utilização da prioridade na condução de projetos e iniciativas

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Acredito que muitos já ouviram falar ou já empregaram o adjetivo do inglês versado como “hard-working” que em português seria algo como “trabalho duro”, “trabalho extremamente dirigido e aplicado”, “trabalho diligente”, “trabalho árduo” e demais variações. O conceito original de hard-working é bem objetivo: produzir bastante. Produzir mais e mais e era a melhor maneira de alimentar nossa família, pois poderíamos mensurar a quantidade de cereal que foi plantado e colhido ou quantas peças de metal foram produzidas.

Hard-working, dessa maneira, significa (significava) mais trabalho, mais demanda, mais atividades, mais tarefas, mais iniciativas ou mais projetos. Produção!

Utilizando muitas vezes apenas essa abordagem, organizações tendem a demandar que seus colaboradores produzam e entreguem bastante, a toda hora e pior, o mais rápido que eles puderem. Nessas situações de hard-working, embora os colaboradores já estejam repletos de carga de trabalho, mais demanda brota, mais afazeres estão por se realizar e chega-se a um ponto que se depara um turbilhão de iniciativas ou projetos sendo executados ao mesmo tempo.

Dessa maneira, ao se tirar uma fotografia das demandas, iniciativas ou mesmo projetos, muitas vezes se constata que nada ou pouco está sendo entregue e o que será concluído é continuamente postergado, pois novas prioridades surgem, afinal, a organização tem muitos clientes ou partes interessadas e não devemos frustrar nenhuma delas. A equipe envolvida nesse panorama acaba por ter um sentimento de não completude em suas atribuições, pois além de tudo isso, ainda temos que, seus projetos são erroneamente monitorados com indicadores ou instrumentos que medem percentuais de execução onde não se consegue, por exemplo, mensurar o esforço daqueles restantes de 5% (de 100%) execução de um rol de pacotes de atividades. É aquele sentimento de se chegar ao final do dia e ter trabalhado bastante, tantas reuniões, tantas coisas, tantos encaminhamentos, mas, de concreto? Quase nada.

Quem nunca passou ou já ouviu falar de situações como a retratada?

Circunstancias como essas levam ainda aos gestores e equipes de projetos a produzirem e deliberarem um exótico modelo de priorização que, verificado com zelo, na verdade não significa mais nada do que prioridade baixa, média e alta. Contudo, essa tríade muitas vezes não satisfaz e se evolui para algo como prioridade 1, prioridade 2, prioridade 3, prioridade 4 e prioridade 5. Entretanto, na prática, quando se tem esses excêntricos modelos de priorização, tende-se a ter todos nossos projetos como prioridade 1, ou seja, a mais alta prioridade. Como se não bastasse, evoluiu-se ainda mais e para algo do tipo como prioridade 1+ , prioridade 1++, prioridade 1+++ e assim sucessivamente.

No final, chega-se a um diagnóstico conhecido como quando não se tem prioridade, tudo é prioridade. Decorre, portanto, que os colaboradores ficam numa contínua troca de contexto (task-switching) de modo a sempre ter algo a fazer, mas nunca entregando nada (ou entregando precariamente).

Particularmente gosto muito de utilizar exemplos do cotidiano e fazer sua correlação com os casos da vida corporativa. Explanemos um exemplo para àqueles que gostam de ler. Vamos lá! Você sai de casa e vai ao shopping. Ao chegar lá e ao passar defronte de uma livraria famosa, você percebe que há uma arrebatadora promoção.

Na compra de 2 livros, o segundo sai com 20% de desconto. Na compra de 3 livros, o segundo sai com 25% de desconto e o terceiro com 35% de desconto! Oportunidade bem interessante, não?! Então, você que é esperto, compra três unidades, cada um de um tema diferente. O primeiro livro tem 400 páginas (livro A); o segundo, 240 (livro B); e o terceiro, 200 (livro C). Depois, tão logo chega em casa, você decide que vai começar a ler um deles.

Daí, indago: Qual dos três será o primeiro livro? Quando você vai começar a ler o segundo? E o terceiro?

A não ser que sejas um exímio leitor, que não é o meu caso, por exemplo, você não conseguirá intercalar os 3 livros ao mesmo tempo. Conjecturemos que você consiga ler a uma taxa de 1 página a cada 3 minutos (independentemente do tema). Estipulemos ainda, que você tenha a disponibilidade contínua de 2 horas de leitura por dia. Considerando o seu desempenho de leitura e a características de cada livro, teríamos o resultado retratado na Tabela 1 abaixo.

Perceba o que para o livro mais longo, você levaria em torno de 10 dias para completá-lo. Para o livro intermediário, 6 dias e para o livro menor, seria o tempo de 5 dias. Então, por qual livro você iniciaria? A, B e C?

A resposta vai depender de inúmeros fatores e cabe a cada um definir. No caso hipotético, a resposta poderia depender do valor que o conteúdo (conhecimento) do livro te dará naquele determinado momento.

Poderia ser o livro A, sempre embora, possas ter mais esforço para completar ele, mas se sua prioridade fosse obter aquele tipo conhecimento o mais rápido possível, cabe por ele começar. Todavia, se todos os livros, apesar de terem temas distintos, apresentarem o mesmo valor para você, por qual deles começar? Digamos que você delibere ler em sequência e na ordem ABC. O gráfico abaixo retrata, utilizando a estratégia sequencial ABC, a quantidade de dias necessária para ler cada um dos livros. Ao todo, você, em 21 dias, conseguiria ler todos os livros.

Já para a sequência BAC, temos uma diferente distribuição. Percebe-se nessa sequência que você já teria um resultado efetivo com apenas 6 dias, pois você já encerraria um dos livros. Entende-se, nesse caso, que a sequência BAC já contém um valor mais elevado do que a anterior. Porém, essa estratégia ainda tem o inconveniente de só finalizar o segundo livro no 16º dia.

Já para a sequência BAC, temos uma diferente distribuição. Percebe-se nessa sequência que você já teria um resultado efetivo com apenas 6 dias, pois você já encerraria um dos livros. Entende-se, nesse caso, que a sequência BAC já contém um valor mais elevado do que a anterior. Porém, essa estratégia ainda tem o inconveniente de só finalizar o segundo livro no 16º dia.

Para a sequência BCA temos um resultado bem mais favorável do que os dois cenários anteriores, pois no 11º dia você já encerraria 2 dos 3 livros da sua meta. Se cada livro representar 1/3 da meta (independentemente da quantidade de páginas), você teria concluído 2/3 do total e tudo isso em um prazo bem menor, por exemplo, do que o Cenário 1.

Então, por que não utilizar a sequência CBA? Afinal, o livro C é àquele que tem a menor quantidade de páginas e, portanto, o que menos tempo levará a conclusão. Obviamente, após ele, o que entraria como prioridade seria o livro B. O livro A, por sua vez, por ser mais longo, teria a prioridade última de leitura.

Nesse prumo, a sequência ABC será a que te dará menor valor ao longo de 21 dias, pois em 10 dias, só terias adquirido conhecimento de apenas 1 livro. No 11º primeiro dia, terias iniciado apenas o 2º livro. Sob outra perspectiva, como dito, se seguires a estratégia CBA, no 11º dia, terás adquirido o conhecimento de 2 livros e de dois temas diferentes!

O que esse simples exemplo nos traz?

Para tudo é preciso a definição de prioridades e essa definição tem que fazer sentido para o momento que a estamos definindo. A definição de prioridade não é fixa, ela é transitória, é volátil e mudará quantas vezes for necessário no curso de ação do projeto ou da iniciativa que estamos por conduzir.

Quais as premissas, as atividades executadas e a definição de prioridade que o leitor fez para encontrar o menor cenário nesse exemplo?

  1. Analisou o tamanho de cada livro
  2. Estimou o esforço de leitura utilizando seu histórico de leitura
  3. Definiu a quantidade de tempo que poderia ler por mês
  4. Definiu como frequência que leria todos os dias, independente de finais de semana
  5. Definiu como premissa que qualquer um dos livros lidos traria a ele o mesmo valor independente do tema abordado
  6. Ao final, descobriu que uma sequência era a mais vantajosa

Se, por algum motivo, o livro mais longo trouxesse mais valor para ele, certamente seria por ele que a leitura teria iniciado. Uma estratégia de execução das atividades, pacotes de atividades ou projetos é diminuir o tamanho deles para poder executá-los aos poucos. É o famoso dividir para conquistar. Se acontecer, por exemplo, algum imprevisto que te impeça de ler exatamente no 10º dia e esse problema só te permita voltar a ler em 2 dias, utilizando a estratégia ABC, você não terá completado nenhum dos três livros.

O que ocorre muitas vezes nas organizações?

O que ocorre é que na maioria das vezes um simples exercício como esse não é realizado e tem-se, por vezes — sem nenhum critério objetivo ou mediante critérios altamente “matemáticos”, mas sem valor — a leitura indiscriminada de livros ou a condução indiscriminada de iniciativas ou projetos que, na pratica, geram pouco resultado.

Agora, vamos supor que você goste bastante de ler e decida ler os três livros ao mesmo tempo! (No caso da organização, ela vai conduzir 3 projetos ao mesmo tempo.) A cada dia, você terá 120 minutos de leitura o que corresponde a 40 minutos em cada livro. Nesse ritmo, você conseguirá terminar o livro C em 15 dias, em 3 dias depois, você terminará o livro B (18 dias) e só ao 30º dia, você terminará o livro A. A situação é retratada no gráfico abaixo com 30 dias para completar a meta.

É exatamente isso que ocorre muitas vezes nas organizações: paralelizam coisas que não precisariam paralelizar e como consequência, estendem o tempo de finalização de suas iniciativas.

Como se não bastasse, a organização decide comprar mais dois livros, o livro D de 560 páginas e o livro F de 600 páginas. Porém, a organização só tem 2 horas de leitura diária. Lembra? Então, com 5 livros, a organização só pode paralelizar 24 minutos por livro, por dia. Além do impacto de mudança de contexto da leitura, a organização estende, sobremaneira, o atingimento de sua meta. Vide gráfico.

O livro C que poderia agregar valor em 5 dias, demorará agora incríveis 25 dias. O livro B que teria 6 dias, partiu para 30. O livro A quintuplicou, partindo de 10 e chegando até 50! Na verdade, todos quintuplicaram. Isso tudo se é que, de fato, haverá a leitura completa de todos os livros. Num caso como esse, o que muito provavelmente ocorra é um dos livros seja deixado na estante.

Moral da estória:

Se você parou a leitura no meio do livro ou parou a execução do projeto no meio do seu curso de implementação, possivelmente ou até provavelmente é porquê você não definiu a correta prioridade.

Se a leitura dos seus livros (a condução dos seus projetos) está demorando muito é provavelmente porquê você deveria rever a estratégia de leitura (execução) e limitar a quantidade de livros (projetos) que você lê (executa) ao mesmo tempo. Quanto mais itens, mais demorado será a conclusão de cada um deles.

Antes de comprar um livro (iniciar um projeto), verifique se ele realmente será lido naquele momento. Ele pode até ser de um assunto interessante, mas pode ser que não seja pertinente para você naquele determinado momento. Não inicie “projetos” para depois deixá-los na estante. Não permita que a “leitura” que poderia ser concluída em dias se torne em meses.

Para refletir:

Você tem deixando os livros na estante? Está lendo o que deveria ser lido e na prioridade correta?

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Olavo Alexandrino
Governança e Gestão de TI na prática

MSc | Agilist | 10x Agile Certified | COBIT 2019 | 7x Salesforce Certified | Researcher in SE