DROPS: Colhendo Tempestades

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4 min readOct 13, 2016

Por Raony Palicer

Furacões fazem parte da realidade caribenha. É inevitável. Não podemos prever com antecedência e precisão o surgimento desses fenômenos destrutivos, nem qual será sua força e alcance, mas podemos ter certeza que eles surgirão eventualmente e atravessarão o Mar do Caribe. Diante dessa estranha combinação de imprevisibilidade e certeza, os furacões deixam de ser um fenômeno apenas natural e passam a ser também um fenômeno político, pois desemboca na forma em que nos preparamos e protegemos enquanto sociedade. Assim, a destruição causada pelo furacão Matthew em sua trajetória pelo Caribe até a América do Norte revela muito da atuação estatal no Caribe e nos Estados Unidos.

A trajetória

Dia 28/09 — São Vicente e Granadinas
Ainda como tempestade tropical, Matthew faz a primeira vítima, um jovem de 16 anos em São Vicente. A tempestade ruma para as “Ilhas ABC” (Aruba, Bonaire e Curaçao, ex-Antilhas Neerlandesas) e se fortalece, tornando-se um furacão.

Dia 29/09 — Ilhas ABC
O furacão passa pelas ilhas sem deixar vítimas e segue para o norte.

Dia 01/10 — Mar do Caribe
Viajando em direção ao norte e se fortalecendo cada vez mais, o furacão atinge o grau máximo da escala Saffir-Simpson (que vai de 1 a 5)

Dia 04/10 — Hispaniola
Após enfraquecer levemente o furacão atinge a ilha de Hispaniola (dividida entre Haiti e República Dominicana) com grau 4 na escala Saffir-Simpson, deixando mais de 900 mortos no Haiti e 4 na República Dominicana.

Dia 04/10 — Cuba
No mesmo dia e ainda em grau 4, o furacão atinge Cuba sem deixar vítimas.

Dia 06/10 — Bahamas
O furacão perde intensidade e passa por Bahamas sem deixar vítimas.

Dia 07/10 — EUA
Primeiro em grau 3 nos estados de Flórida e Geórgia, e depois em grau 2 na Carolina do Sul, o furacão chega aos Estados Unidos contabilizando até o momento 17 mortes.

A Destruição

O Haiti esteve no olho do furacão e foi mais uma vez destruído. Quase mil mortes até o momento e um milhão de pessoas afetadas. Mas porque tantas vítimas no Haiti em comparação com os demais Estados pelo qual o furacão passou? Bahamas, Ilhas ABC e Cuba tiveram casas destruídas, ruas alagadas, cortes de água e de energia, mas não registraram nenhuma morte. Como podemos ver no mapa acima, o furacão não atingiu diretamente todos os países e ao longo de sua trajetória sofreu altos e baixos na potência de seus ventos. Quando surgiu nas Ilhas ABC e ao chegar nas Bahamas, o furacão estava em um grau menor de intensidade. O Haiti foi atingido em cheio, em um dos momentos mais fortes do furacão. Isso, aliado à frágil condição econômica e estrutural desse país, potencializou os números da tragédia.

Cuba e República Dominicana tiveram partes do seu território atingido, no mesmo grau de força que no Haiti. Enquanto a Rep. Dominicana registrou quatro mortes, em Cuba não houve vítimas. De fato, Cuba registrou menos vítimas que os Estados Unidos, onde o furacão chegou consideravelmente mais fraco. Isto não é um caso isolado. O Furacão Katrina, que devastou Nova Orleans em 2006, atingiu Cuba com a mesma intensidade (grau 4) que os Estados Unidos, e enquanto nos EUA o número de mortes chegou à quase 2 mil pessoas, Cuba saiu ilesa. Desde 2004, o sistema de prevenção cubano é reconhecido como exemplar pela Organização das Nações Unidas. Além de medidas constantes — como os treinamentos anuais de prevenção que incluem exercícios de simulação — são tomadas medidas circunstanciais para cada novo alerta. Para o furacão Matthew, Cuba mobilizou em conjunto a Defesa Civil, o Instituto de Meteorologia, o Instituto Nacional de Recursos Hidráulicos, hospitais e companhias de energia, todos a postos e coordenados para a atuação nos níveis locais e nacional, além disso os ônibus e demais meios de transportes são direcionados para a evacuação da população, com isso, mais de 350 mil cubanos foram evacuados. Passado o furacão, a mobilização permanece para evitar a propagação de doenças sanitárias. Nos Estados Unidos, a evacuação é realizada pelos próprios moradores, o que além de causar engarrafamentos nas estradas e crise de abastecimento dos bens básicos, deixa a população mais pobre (sem meios de transporte próprio e por vezes sem dinheiro para uma simples passagem rodoviária) à mercê dos fenômenos climáticos.

Se é inevitável a ocorrência de furacões no turbulento Mar do Caribe, pode-se diferir muito a forma com que serão enfrentados. O pequeno Estado cubano dá exemplo de prevenção e atuação estatal para a proteção de seu povo. O frágil estado haitiano colhe tempestades de ventos que não plantou, enquanto o poderoso Estados Unidos pouco faz para proteger sua população mais carente, as principais vítimas desses desastres, que tem origens naturais, mas é de responsabilidade política.

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