Furto

Texto de Laisa Vitória Lima Guimarães

Photo by Fran Jacquier on Unsplash

Chegou o meu dia. Sei que nem todo mundo gosta do dia da limpeza, mas a poeira que me pertence está acabando com minha superfície. Lá está vindo! Minha dona caminha em minha direção com um paninho e um material de limpar madeiras. Espere. Mas o que ela está fazendo? Vai limpar meu interior. Se tirar meus segredos de mim, será o fim. Está tirando minhas gavetas. Seu rosto transmitiu uma reprovação ao observá-las uma a uma. O que seria isso? Será que irá jogar meus arquivos? Retirou as duas primeiras gavetas, as que se podem abrir normalmente, que ficaram em cima da cama. No interior da gaveta de cima estavam guardadas lindas folhas de papel com desenhos coloridos. Ah! Que nostalgia desse tempo!

Me entristece o fato dele não poder voltar mais, a juventude é um período esplêndido. Ao lado das folhas um documento de compra, uma compra de um móvel de madeira no ano de 1995. Nossa, tem até uma toalha velha amarelada. Essas lembranças poderiam ser alegres se não fosse esse dia cinzento. Um dia de limpeza no qual não me vejo segura ao ver o céu. Ainda está claro, mas não é aquele brilho do sol. É a clareza que traz pensamentos perigosos.

A gaveta do meio me parece bem cuidada. Não sei porque vão limpá-la! Um celular Nokia que não funciona mais, um tênis All Star com cadarços verdes e um pacote de absorvente. Ainda tem um! Parece que esqueceram durante muito tempo essas coisas em mim. Falando nisso, não gosto de recordar essa época. A constante insegurança que me cabia pelo simples fato de não ter companhia. Ninguém procurava a minha presença. Entretanto, tudo tinha mais emoção…

São poucos objetos que trazem muita história. Ainda bem que só eu sei onde está a chave da terceira gaveta. Os segredos de um adulto são mais obscuros. E a vida dele é chata. Minha vida é chata. Com o tempo tudo fica monótono. Parece que já estou chegando ao fim. Já estou chegando ao fim? Por que afirmei isso com tanta convicção sem perceber? Ainda faltam anos para a passagem ao outro mundo, porém, minha força é de um paciente em seu leito de morte. Seriam esses riscos na minha madeira um sinal de velhice? Não posso deixar que minha dona perceba que não posso mais ajudá-la com vigor. Se ela perceber, morrerei antes da hora. Ela entrou no quarto com um martelo e uma caixa de fósforo na mão. Deve estar prestes a colocar a panela no fogo…

O que ela irá cozinhar?

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