Sobre aquela foto de Henri Cartier Bresson e a dança do seu olhar

Dayse Cardoso
Graphia de Luz
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3 min readJun 15, 2018
Derrière la Gare Saint-Lazare — Foto de Cartier Bresson (1932)

A poça que reflete o pulo do homem em pleno ar e a moça bailarina no cartaz ao fundo. Grades, escada caída e semicírculos produzem uma simetria também refletida na água. Tudo em preto e branco. A foto foi tirada em 1932 em Paris Derrière la Gare Saint-Lazare (atrás da estação de trem de São Lázaro) por Henri Cartier Bresson que estava olhando com a câmera através de um dos buracos da grade e foi surpreendido por este momento que, eternizado, tornou-se um dos registros fotográficos mais famosos do mundo.
Formas geométricas dançam estáticas conduzindo o olhar do observador num ritmo harmônico que é surpreendido, por fim, por um bailado particular bem ali naquele momento que o observador caçador captura.
Em meio ao caos e excesso de informações presentes na imagem ,existe um humor discreto, uma leveza revelada pelo salto e pela pose da bailarina. A acuidade visual de Bresson une-se à sorte quando o cartaz colado na parede da estação está escrito Railowsky que num trocadilho significa rodovia. O detalhe curioso é que o cartaz original está escrito Brailowoski e é uma chamada para uma apresentação de musica clássica. E, sim, o homem da foto caiu logo depois.

Henri Cartier Bresson

Cartier, que é considerado o pai do fotojornalismo, gosta de brincar de achar as danças que acontecem na cidade, imperceptíveis para muitos. Para isso ele pode ficar à espreita do acontecimento de algo já imaginado por ele ou contar com a sorte conforme ele mesmo conta quando não consegue explicar determinada foto. A harmonia das linhas contidas em seu trabalho tem influência de sua formação em pintura e desenho. Há quem o tenha chamado de dançarino ao vê-lo em ação com várias câmeras penduradas no pescoço e seus movimentos repentinos quando se esticava e se contorcia ao buscar o melhor enquadramento.

Esta imagem ilustra bem o que um fotógrafo busca ao tirar fotos do cotidiano: mostrar a poesia que passa despercebida. Fotografar na rua é estar preparado para ser surpreendido pelo inusitado e estabelecer relações entre elementos e coincidências presentes na cena.
Cena esta que quase ninguém viu. Nem quem fez a dança talvez tenha consciência de que fez parte de um espetáculo silencioso. O fotografo que tem o olho que dança é que capta este momento e torna espetáculo o que é corriqueiro e banal. Imagens do real, congeladas desta forma, além de nos aquecer com o prazer da contemplação nos desperta uma disposição para observarmos com mais sensibilidade a nós mesmos, nosso dia a dia e nosso entorno uma consciência capaz de imprimir vida à própria vida.

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Dayse Cardoso
Graphia de Luz

Yoguini, reikiana, fotógrafa, mãe, investigadora em dança e palhaçaria e se arrisca em escrever.