Porquê Robótica e Inteligência Artificial devem ser discutida como políticas públicas?

Mateus Batista Santos
Grupo Tesseract
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9 min readJun 6, 2018

Esse texto foi adaptado da minha apresentação para o TEDx Unesp Bauru.

Olá, meu nome é Mateus e antes de mais nada sou homem, branco, hétero, cis e cresci em uma família católica e de classe média/alta. E por que isso importa?

O privilégio que tenho e que vou carregar para o resto da minha vida é o principal motivo de ter as condições de falar sobre esse tema e meu principal combustível para trilhar um caminho de transformação social por esse mundo afora, para devolver para a sociedade tudo o que pude receber.

E são essas palavras “Transformação Social” que talvez sejam minha melhor herança …

Mas esse não é um texto para falar sobre os meus privilégios, nem discutir igualdade de oportunidades, de gênero, sexual, etc. Eu acredito que existem pessoas muito mais capacitadas que eu para realizar essa tarefa.

Então, antes de ir ao tema central eu vou me apresentar melhor.

Sou filho de batalhadores, por definição mercadores, mas para minha sorte, sonhadores.

Nesse contexto não passei fome, não estive na miséria, não tive que trabalhar desde os 8 anos e nem sofri altos danos psicológicos impostos por uma cultura machista e opressora, esse foi o maior presente que recebi dos meus pais, não passar pelos mesmos obstáculos que eles.

Todo esse carinho e cuidado, me colocou em uma posição onde eu não sabia qual era minha identidade. Os sacrifícios que meus pais passaram me distanciaram das minhas raízes e eu cresci sem identidade social ou pessoal, acabei crescendo distante do restante de minha família. Quando passei a trilhar meus próprios caminhos, decidi buscar essa identidade nos mais diversos lugares.

Aos 17 anos vim para Bauru cursar a faculdade de Ciência da Computação e buscar realizar um sonho que alimento desde pequeno. O de trabalhar com robótica. Graças ao Maurício de Souza, eu adorava as histórias do Franjinha e a ideia de fazer ciência.

Foi com essa motivação que fiz parte do time de futebol de robôs da Unesp de Bauru e em 2013 disputei meu primeiro campeonato, sendo vice-campeão brasileiro de uma das categorias. Foi um período muito bom onde me envolvi bastante com a robótica inclusive com a educação e fiz parte de projetos interessantes envolvendo Robótica educacional.

E essa vontade de trabalhar com educação também faz parte da minha busca por identidade, no caso, identidade social. Fui voluntário em diversos lugares e em um deles, o Projeto Formiguinha, fui educador social por 5 anos e em 2 deles Presidente da instituição. Foi um período muito complicado, onde tive que conciliar faculdade e trabalho voluntário, aprendi que transformar a realidade do próximo não é uma tarefa fácil. Porém, muito gratificante. Não precisa de muito para impactar pessoas em seu dia-a-dia e carregar consigo boas lembranças.

E é por isso que eu me sinto tão motivado a ponto de vir falar para vocês sobre um assunto que se tornou meu ideal profissional: tecnologia avançada e seu papel social, vamos focar em inteligência artificial, robótica e seu impacto social. Como a sociedade enxerga essa tema e porque ele é um tema importantíssimo para ser discutido

Primeiro eu quero desmistificar a ideia popular da robótica. Quando pensamos no robô a primeira imagem que vem a cabeça é de uma coisa metálica, humanóide cheia de fios e circuitos expostos que veio do futuro para te matar.

Quando na verdade um robô pode ter formas muito mais simples e funções muito mais humanas, como o de ser uma ferramenta educacional.

Mesmo com esses exemplos presentes em nosso dia-a-dia. Muita gente ainda acha que o fim do humanidade vai acontecer com um robô aparecendo dando cambalhotas e preparado para matar

Pelo menos não ainda!

Os robôs possuem diversas formas, que não são necessariamente físicas, e eles estão em nossas vidas há muito mais tempo do que imaginamos, robô é uma palavra e origem sueca que significa trabalho forçado e é um termo que ganhou força na década de 30 com o boom da ficção científica, principalmente através dos trabalhos de Izaac Asimov, mas muito antes disso já se falava dos autômatos e o ser humano sempre buscou meios de facilitar o trabalho pesado e monótono (e quase sempre bélico).

Nas minhas experiências com a área de educação, quando trazíamos à tona a discussão do uso da tecnologia a favor da educação, o maior temor dos educadores é o da tecnologia substituí-lo. E esse é um pensamento comum, hoje esse medo acontece com diversas áreas e cada vez mais as pessoas estão com medo de serem substituídas por máquinas.

De acordo com estudo da consultoria McKinsey, 50% dos empregos do Brasil poderiam ser automatizados e até 2030 estima-se que aproximadamente 18 milhões de pessoas serão impactadas pela automação. É um número assustador.

E para entender isso podemos usar a ferramenta mais importante da sociedade: a história.

A maioria das funções sociais e empregos existentes hoje são reflexos da primeira revolução industrial, ainda que a principal particularidade dessa revolução foi a substituição do trabalho artesanal pelo assalariado e com o uso das máquinas. Até mesmo a educação tem histórico de criar repetidores de instruções, preparar para o chão de fábrica.

A consequência disso é que hoje vivemos uma realidade onde tudo o que consumimos pode ser produzido por robôs.

Mesmo com a revolução industrial, ainda existem trabalhos repetitivos, difíceis e insalubres. Atualmente estamos vivenciando a substituição desses trabalhos e isso está acontecendo por meio dos avanços da Inteligência Artificial.

O mundo todo está passando por uma revolução nas mãos da Inteligência artificial que foi recentemente apelidada de “possível ditador imortal” e que tem ganhado espaço em obras hollywoodanas e na ficção de um modo geral (black mirror principalmente). Porém, antes de mais nada a IA é um campo de estudo das ciências cognitivas que consiste em tentar reproduzir a inteligência humana através do software.

Hoje existem aplicações extremamente inteligentes e o mercado está se moldando em torno da IA

Porém estamos longe de reproduzir a inteligência humana. Conquistamos muitos espaços desvendado modelos matemáticos bem definidos da nossa sociedade, mas nós ainda temos muito o que caminhar. Mesmo assim as taxas de sucesso são muito boas. O suficiente para que empresas desse segmento sejam líderes de mercado e obtenham crescimentos a cada ano que passa, pois, a IA trabalha com informação e hoje informação é o maior ativo de mercado.

Vivemos uma era de informação e o volume de dados tem sido cada vez maior

Chegamos a um ponto em que se tornou inumano compreender e manipular esses dados e não conseguimos sugerir soluções para problemas complexos, como crises financeiras, distribuição de riqueza e conflitos étnicos. E é nesse contexto onde a IA e a robótica devem ser empregadas, e por isso elas devem ser debatidas abertamente como políticas pública, não apenas desenvolvida em torno de otimização de lucros ou indústria bélica (principalmente essa), que vem sendo debatida por grandes mentes, como Elon Musk, Stephen Hawkins e Bill Gates e temida pelo público em geral.

A principal preocupação em relação a esse tema é que uma máquina serve ao propósito pelo qual foi enviada e pela qual foi criada.

E nesse sentido 2 coisas crescem em paralelo: a tecnologia e a sabedoria em usá-la.

E avançamos tanto na tecnologia que hoje a IA e a robótica são como armas na mão de um bebê.

Como podemos agir para evitar essa situação?

Izaac Asimov criou em seu livro “Eu, robô” três leis fundamentais para que o uso da robótica seja em prol da humanidade

1ª Lei: Um robô não pode ferir um ser humano ou, por inação, permitir que um ser humano sofra algum mal.

2ª Lei: Um robô deve obedecer as ordens que lhe sejam dadas por seres humanos exceto nos casos em que tais ordens entrem em conflito com a Primeira Lei.

3ª Lei: Um robô deve proteger sua própria existência desde que tal proteção não entre em conflito com a Primeira ou Segunda Leis.

Porque, se parar para pensar sobre isso, as três Regras da Robótica são os princípios essenciais que orientam muitos dos sistemas éticos do mundo. Com certeza, todo ser humano deve ter o instinto de autopreservação. Essa é a Regra Três para um robô. Todo “bom” ser humano com uma consciência social e um senso de responsabilidade também deve submeter-se a uma autoridade apropriada; dar ouvidos ao seu médico, ao seu chefe, ao governo, ao seu psquiatra, ao seu semelhante; obedecer às leis, seguir regras, adequar-se aos costumes…. mesmo quando isso interfere em seu conforto ou segurança. Essa é a Regra Dois para um robô. Todo “bom” ser humano também deve amar ao próximo como a si mesmo, proteger seu semelhante, arriscar sua vida para salvar a de outro. Essa é a Regra Um para um robô. Para explicar de forma simples: se um robô seguir todas as Regras da Robótica propostas por Isaac Asimov, pode ser que ele seja um robô, e pode ser que seja apenas um homem muito bondoso.

A forma como vamos utilizar a robótica e a inteligência artificial vai depender de você.

Ainda existem muitas perguntas sem resposta e muito caminho a ser percorrido, mesmo assim, a robótica e a tecnologia tem se mostrado a ferramenta mais factível para se alcançar igualdade social sem perdermos funções essenciais para o funcionamento da civilização moderna.

Uma discussão muito polêmica e muito comum que eu ouço de vez em quando sobre igualdade social é a questão do “mérito” das profissões e porque uma é melhor que a outra, o exemplo geralmente é dado na comparação entre o lixeiro e o médico.

Pois se houvesse igualdade social, e nesse caso econômica, ninguém iria querer passar por todo o esforço do estudante de medicina para se tornar médico, todo mundo iria querer ser lixeiro. Esse é o argumento mais brando que eu ouço. E é através dele que eu gosto de demonstrar o tamanho do impacto social que a tecnologia vai ter em nossas vidas, pois, no futuro o seu lixeiro e o seu médico vão ser robôs. Afinal, o trabalho de coleta de lixo é desumano, mesmo assim, essencial para a sociedade, e a medicina hoje já é um modelo matemático conhecido, as pessoas vão para a mesa de cirurgia sabendo da taxa de sucesso. E o robô vai ter uma taxa de acerto maior que o ser humano breve. O projeto IBM Watson está com foco em uso da IA para medicina e aposta em um aumento na precisão de diagnósticos e tratamentos em um futuro próximo.

E não estamos muito longe dessa realidade, nesse ano de 2018 a FDA aprovou o uso de Inteligência Artificial para diagnóstico sem a necessidade de um médico. O software é projetado para detectar mais do que um nível leve de retinopatia diabética, que causa perda de visão e afeta 30 milhões de pessoas nos EUA. Ocorre quando o açúcar elevado no sangue danifica os vasos sanguíneos da retina.

E por conta disso temos que trazer diversos outros temas para evoluírem junto com a robótica, pois hoje ela é, assim como toda tecnologia avançada que foi criada pela humanidade, realidade e propriedade apenas de um grupo pequenos de pessoas, apenas aqueles que podem financiar.

Por isso, ao falar de robótica, também temos que falar de direitos humanos, temos que falar de luta de classes, temos que falar de igualdade de gênero, temos que falar de igualdade de oportunidades, etc.

Porque a tecnologia está vindo para ocupar tudo aquilo que o ser humano faz que uma máquina deveria estar fazendo, precisamos garantir que ela faça isso de forma justa.

Dessa forma espero que para nós, após termos todas essas tarefas tediosas realizadas de forma automática, sobre tempo para arte, música, relações humanas, enfim, sobre tempo para sermos mais humanos.

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Mateus Batista Santos
Grupo Tesseract

Conhecimento é uma ferramenta importante de transformação social. Com tecnologia e um bom plano político-pedagógico é possível transformar o país.