O Valor do Propósito: uma contraproposta de valor.

Lucas Barone
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5 min readJul 4, 2017

Engraçado como algumas pessoas nos marcam…

Nunca me esqueço de um chefe que eu tive, quando trabalhava em uma distribuidora de equipamentos médicos. A galera do escritório se divertia com suas “aulas noventistas de marketing”. Vire e mexe, ele persistia em nos explicar qual eram os 4Ps, nosso posicionamento e como "era TOP a nossa estratégia". Silenciosamente ouvíamos como se fosse novidade, até ele virar as costas… e as piadinhas começavam.

Deixou de ser engraçado quando a empresa praticamente faliu e quase todos foram demitidos. Eu não fiquei de fora, rodei junto! Porém ainda me lembro, com muito carinho, quando inesperadamente rolou uma discurso caloroso, sobre qual era a nossa Proposta de Valor.

Não quero divagar agora sobre o conceito, mas não houve uma conclusão de quais necessidades estávamos atendendo senão a dele próprio. Resumindo, ficou evidente de que não estávamos gerando valor suficiente para a marca que representávamos, e por mais que houvessem clientes satisfeitos com nosso atendimento, não fazia sentido continuarmos com a parceria.

O mais mágico disto tudo, foi que um dia antes dessa demissão em massa, eu e minha esposa, por acaso, fomos parar em Gonçalves — Minas Gerais, apenas para almoçar e rever a cidade que outrora tanto havíamos apreciado. E de forma ainda mais inusitada acabamos numa incrível conversa com Jay, dono da AMAMA, uma estupenda sorveteria orgânica situada em plena pracinha central da cidade.

Este sujeito simpático brilhava uma aura capaz de fazer até os mais céticos sentirem. Nascido em Dubai e vivendo no Brasil desde 2012, evidencia sua fé e devoção ao seu mestre, portando em seu balcão estatuetas e fotografias. Não sei se foi por eu estar usando uma camiseta, que havia acabado de comprar, estampada com a figura do deus hindu Ganesha, mas de prontidão ele engata a conversa com uma pergunta descompromissada: Me diga Lucas, o que você faz?

Falei com o que eu, até então, trabalhava. E ele sabiamente replicou: Não quero saber o que você está fazendo para ganhar dinheiro. Quero saber quem é você? Para que você existe?

Obviamente, me enrolei e pouco soube responder! Esta pergunta ficou ressoando em minha mente, com aquele mesmo sotaque, por muito tempo…

A partir deste dia, iniciei uma nova jornada, com reflexivas doses de sofrimento que me levou a ter, pela primeira vez na vida, alguma clareza sobre qual o verdadeiro propósito em tudo o que eu havia feito e me prontificado a fazer.

Não sei se é possível prever aonde estou querendo chegar contando estas duas histórias tão distintas…

Qual é a relação entre valor e propósito?

Valor, palavra carregada com tantas concepções! Para facilitar, tomaremos como definição de valor a relação entre uma dor, uma sensação de insatisfação causada pela falta de alguma coisa, com a sua capacidade de satisfazer e de atender expectativas. Assim fica fácil assimilar que todo objetivo a ser cumprido, todo propósito, tem por finalidade atender alguma vontade.

Agora, mesmo se você pode fazer tudo aquilo o que deseja, ou se sequer têm suas necessidades mais substanciais atendidas, gostaria de propor um desafio:

Reflita se você, em suas atitudes mais rotineiras, está “gerando valor” para alguém. Tanto para si próprio, quanto para as pessoas à tua volta.

E se pergunte o quanto é consciente do propósito nas coisas que você faz.

Seguem algumas dicas!

Considere a possibilidade de todos nós sermos mais empáticos, ao ponto de reorganizarmos nossas prioridades entre o que é evitável e inevitável para todos viverem em paz. Sem dividir em hierarquias as necessidades, e sem também distinguir o quão relevante diferentes problemas são para cada pessoa. Aproveitando a onda de tirar sarro de jargões… Tentemos desmoronar a tal pirâmide de Maslow.

Você não precisa esperar todas as suas necessidades pessoais serem satisfeitas para compartilhar um bem-estar, pelo qual estará sempre buscando. Logo, e naturalmente, o próximo em sua própria busca, também se sentirá engajado em garantir que as tuas necessidades também sejam respeitadas.

Pense bem. Há um número finito de pessoas vivendo neste mundo. Uma boa ação que você faz à alguém sem pedir nada em troca, pode se espalhar exponencialmente, se houver discernimento do ato como incondicional. Desta forma, a atitude benfeitora se disseminará em rede, que por consequência, em algum momento voltará a você. A bondade se retroalimenta num ciclo, simples assim.

Mas tem uma parte difícil… Quebrar o ego!

Assim, você se enxerga no outro, sem indiferença. E fica mais fácil aceitar, que para alcançar a felicidade plena, será necessário fazer muito mais do que eliminar as próprias frustrações. E uma vez de olhos abertos, não tem mais volta. Fica difícil se dedicar apenas ao próprio conforto, ainda mais, quando se têm tantos privilégios.

E perceberás que o impulso filantrópico vai muito além da obrigação ética, porque em nenhuma cultura existe uma orientação moral para validar a própria existência recompensando o próximo, por algo que você tenha conquistado por mérito próprio. A caridade é um instinto natural e não há obrigação quanto isto. Portanto, se a fizer, faça de coração!

Independente se há abundância para uns e escassez para outros. Entenda que não há motivo para subtrair de um lado para adicionar de outro. Porque estamos todos no mesmo lado. E também, porque ”na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”, assim como o ar que respiramos e a água que bebemos, a consciência é um recurso natural e deveria estar disponível a todos. Ainda falta discernimento de que todos têm o direito de se beneficiar igualmente de tudo, mesmo que tenha mais valor para um do que para outro.

Gosto muito da analogia da lagarta que se transforma em borboleta, vastamente utilizada, porém de forma muito provocadora, por John Mackey para explicar o significado das pessoas e empresas em tornarem-se mais conscientes: “Em sua breve existência, a lagarta faz pouco mais do que comer, o que parece ser seu único propósito. (…) Em algum momento, porém, inicia-se o processo surpreendente da metamorfose. Quando chega a hora certa, (…) emerge, irreconhecível, uma criatura de beleza encantadora, que desempenha uma função valiosa na natureza por meio do seu papel na polinização vegetal — e, portanto, na produção de alimentos para outros seres.”

Esta metamorfose é uma escolha, pois temos a opção de ajudar o mundo a se tornar um lugar melhor. Assim como as pessoas, as empresas podem ser como as lagartas, tendo seu objetivo principal a maximização de lucros, extraindo recursos da natureza e dos seres humanos. Ou, podem ser como as borboletas, se reinventando como agentes de criação e colaboração, contribuindo na geração de múltiplos tipos de valor em tudo o que fazem.

Diferente da famigerada Proposta de Valor, que nada mais é do que uma promessa de benefício de um produto, feita para incentivar um cliente a compra-lo, creio que o verdadeiro valor que uma pessoa ou empresa realmente possa dar à qualquer outro é, um produto ou serviço que gere impacto positivo. Não para apenas um determinado segmento de clientes, mas para todos. O Valor do Propósito é uma conexão empática que abrimos com quem, de um jeito ou de outro, vai acabar se beneficiando por aquilo que podemos oferecer, e somente é transferível caso seja verdadeiramente genuíno.

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