Amorar, sobre o livro de Natália Borges Polesso

Guia Maria Firmina
guiamariafirmina
3 min readAug 24, 2019

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Texto de Jéssica Carvalho

Antes de lermos Amora, livro de Natália Borges Polesso, no primeiro ciclo do Extra LiteráriA Clube de Leitura, eu não sabia que essa palavra tinha múltiplos significados e podia ser verbo. Amora é a frutinha linda que mancha, é a cor que vem da mesma e ainda é verbo: amorar, que significa enamorar-se e também fugir (de casa).

Amar, para muitas mulheres é fugir de casa, principalmente quando essa casa é construída sob uma estrutura imposta, antiga, naturalizada — a heterossexualidade. Fugir para amar livremente, não importa quando e em que fases da vida, é a sustentação principal do livro de contos de Natália Borges Polesso. Uma galeria de mulheres lésbicas numa potência poética livre, que emociona e causa empatia imediata, seja contando a história de uma garota que se apaixona por sua amiga no colégio, seja pelo netinho que pergunta diretamente sem nenhum fundo de julgamento ou preconceito Vó, a senhora é lésbica?

Quando um livro desses surge, ganha prêmios como o Jabuti 2016 (categoria contos) e tem um trecho no Enem, junto com ele vem o rótulo de literatura lésbica. Qualificar um livro em determinada categoria é uma via de mão dupla — ao mesmo tempo que posiciona um espaço de representatividade necessário, afetiva e politicamente importante, pode aprisioná-lo e direcioná-lo a um único público.

Pensando nisso, Natália Borges Polesso resolveu estudar através do campo da geografia literária autoria e representatividade na literatura em geral escrita por lésbicas, bissexuais, transexuais, queer e não-binárias, através de um extenso mapeamento temporal e territorial, para entender onde estão, quem são e como são produzidas as obras que atravessam essa temática. A autora e pesquisadora nos cedeu alguns dados muito interessantes por e-mail de sua pesquisa de pós-doutorado, que registrou até o momento 222 escritoras pelo mundo, dividindo-as entre brasileiras e estrangeiras, vejam só:

Esse levantamento, que é parcial e de uma pesquisa em desenvolvimento, mostra um produção expressiva do cenário da literatura contemporânea de LBTs. Juntas todas são números e soma, cheias de subjetividades, narrativas, personagens, mas sobretudo vida — de mulheres que se amam e se relacionam sexual e afetivamente umas com as outras.

A literatura é também um dispositivo político que modula a sensibilidade, onde é possível enxergar novas relações entre corpos, criando um fortalecimento social atrelado à pauta de combater a lesbofobia e o preconceito. Num país com altos índices de violência homofóbica e em especial nesse momento de retrocesso político permeado por desinformação e obscuridade, a visibilidade dessas produções torna-se de extremo valor e importância. Dia 29 de agosto é o Dia Nacional da Visibilidade Lésbica, data escolhida na ocasião do 1º Seminário Nacional de Lésbicas ( SENALE), em 1996 no Rio de Janeiro, criado para discutir principalmente a saúde das mulheres lésbicas, trabalho e cidadania.

Celebramos essa data incentivando vocês a refletirem sobre o assunto, convidando-as para ler mais autoras LBTs e apoiar esses trabalhos. Colocamos aqui alguns links muito legais sobre o tema, para quem quiser conhecer mais!

Material do encontro do Extra LiteráriA clube de leitura sobre Amora.

Suplemento Pernambuco sobre duas autoras lésbicas que tiveram produção e alcance muito expressivo durante a ditadura militar brasileira: Cassandra Rios, a primeira autora nacional a vender 1 milhão de exemplares, e Adelaide Carraro, a quem dizem que Marx leria com entusiasmo.

Entrevista com Cassandra Rios para Revista Realidade, onde é possível ver o quanto avançamos no vocabulário e repertório político. A reportagem é um registro de como ela era vista na época.

Lésbicas que Pesquisam: instagram que agrega estudos sobre o tema

A antologia A Resistência dos Vagalumes que, da prosa à poesia, traz toda a força e a diversidade da literatura brasileira atual. Ao todo, são 61 nomes a representar todas as letras da sigla LGBTQ. Entre eles, constam João Silvério Trevisan (que inspirou o tema da antologia), Myriam Campello, Jean Wyllys, Amara Moira, Cidinha da Silva, Raphael Montes, Natalia Polesso e Marcelino Freire; além dos organizadores da antologia, Cristina Judar e Alexandre Rabelo.

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Projeto criado para divulgar o trabalho de mulheres artistas. Por Taís Cruz e Victória Durães