Ilú Obá de Min, a armada feminista que busca justiça (também) no carnaval

Guia Maria Firmina
guiamariafirmina
6 min readFeb 28, 2019

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“O patrono do Ilú é Xangô porque nós, mulheres negras e não-negras, clamamos por justiça, e esse é o orixá que a representa”. Beth Beli comanda um exército de 450 mulheres no Ilú Obá de Min. A batalha é a luta diária contra o racismo, o machismo e a homofobia. As armas? Alfaias, xequerês, djembes, tambores, agogôs e berimbaus. Um exército feminino e feminista pronto para guerrear no carnaval de São Paulo e ocupar o espaço de destaque que a cultura africana e afro-brasileira merece.

Em seu 14º cortejo, o bloco leva às ruas o tema Negras vozes, tempos de Alakan, que significa alianças em iorubá, língua nigero-congolesa do grupo Kwa . Alianças e união do povo negro, o cortejo conta a história do Movimento Negro Unificado, organização pioneira na luta da população negra no Brasil que nasceu em julho de 1978, em um ato realizado nas escadarias do Teatro Municipal em plena Ditadura Militar. “Estamos contando a história dos movimentos negros, de 1978 até agora, mostrando o que aconteceu e trazendo sempre vozes femininas para representar essa trajetória”, explica Beth.

O bloco Ilú Obá de Min nasceu em 2004, com a parceria entre as percussionistas Beth Beli e Adriana Aragão. Depois de passar por muitas baterias compostas quase sempre por homens, as duas se uniram para criar a primeira bateria exclusivamente feminina de São Paulo. Muito mais que um bloco, Ilú Obá de Min — Educação, Cultura e Arte Negra é um projeto sem fins lucrativos com ações que acontecem durante todo o ano e fortalecem a cultura afro-brasileira e a mulher negra .

Foto: Beto Assem

Traduzido do iorubá, o nome criado por Beth significa Mãos femininas que tocam tambor para Xangô. Elza Soares, Conceição Evaristo e mulheres quilombolas — Akotirenes e dandaras — são algumas das homenageadas pelo bloco que preza pela união entre mulheres.

“É uma experiência muito forte e intensa, uma irmandade com almoços coletivos, mulheres se ajudando, conversas sobre auto-cuidado, racismo e qualquer outro tema que possa surgir durante nossos ensaios”, conta Mariana Ferreira. É a primeira vez que a jornalista de 49 anos desfila pelo Ilú Obá de Min tocando a alfaia — instrumento que até outubro de 2018 ela nunca tinha tocado. “Às vezes parece que não vou aguentar a força do som e do toque porque são 100 mulheres sincronizadas tocando alfaia. É nessa hora que penso quão grandioso é, mas sinto que é isso que somos: mulheres fortes, imensas, que carregam a força da vida”.

“Fiquei surpresa ao descobrir que poderia me inscrever mesmo sem saber tocar, para aprender tudo no próprio bloco. No começo eu estava bastante insegura, acha que eu não era capaz”, relembra Rose Silva. A jornalista de 52 anos integra a ala dos agogôs do bloco, e afirma que Ilú vai muito além do carnaval. “Participam mulheres de todas as idades, do 7 aos 70. Acho que a sociedade é muito cruel com pessoas que não são jovens, mas sinto que lá é um espaço em que vou poder envelhecer tendo uma participação social, um espaço de militância… Sem dúvidas é o espaço mais agregador que eu já conheci em toda a minha vida”.

Conversamos com Beth Beli, uma das idealizadoras desse projeto incrível que merece ser mais que um amor de carnaval. No final da entrevista você encontra as datas e horários dos cortejos do Ilú no carnaval 2019 .

Foto: Eliane F. Matos

Depois de 14 anos de existência, qual o maior feito do Ilú Obá de Min?

O maior feito do Ilú foi e ainda é esse trabalho curativo e transmissor de tanta riqueza cultural do continente africano e afro-brasileiro. A partir dele conseguimos empoderar centenas de mulheres, colocando as mulheres negras no lugar de destaque e protagonismo que ela merece.

Esse ano o tema é negras vozes, tempos de Alakan. Pode explicar um pouco mais a proposta do tema?

Os temas do Ilú são sempre políticos, sempre estamos denunciando algo em relação a população negra ou reverenciando mulheres que fizeram história, tanto em África quanto no Brasil.

Esse ano, particularmente, será bem político porque estamos contando a história dos movimentos negros, especificamente do Movimento Negro Unificado. O cortejo narra a trajetória do movimento, de 1978 até agora. O que aconteceu de lá pra lá? O que foi transformado? É o que vamos cantar, tocar, dançar e narrar no carnaval 2019.

Nosso desejo era juntar as mulheres e tocar tambor, para acordar quem insiste em dormir
Beth Beli

O Ilú hoje é muito mais que um bloco, né? Pode explicar rapidamente quais são as outras frentes nas quais vocês atuam?

O projeto ficou gigantesco devido a outras atividades que foram sendo desenvolvidas ao longo desses 14 anos, como o Ilú na Mesa, que são conversas entre uma mulher da oralidade e outra da academia, para mostrar tanto o lado das pessoas que estão na ação quanto das que estão estudando esse fazer.

Outro projeto é a Tenda afro-lúdica, encontros com professores da rede pública para incentivar a lei 10.639 nas escolas, que o ensino da cultura afro-brasileira e indígena nas escolas. Fazemos também vários cursos na nossa sede, para atender aquelas que não integram nossa bateria.

O bloco ensaia aos finais de semana em locais públicos quatro meses antes do carnaval | Foto: Eliane F. Matos

Quais são as suas referências de mulheres artistas?

Sueli Carneiro, Djamila Ribeiro, Conceição Evaristo, Angela Davis, Audre Lorde, Akotirenes e Dandara [mulheres quilombolas], Ruth de Souza, Léliza Gonzalez, Billie Holiday… São muitas mulheres que servem de inspiração e referência, muitas.

Você tem uma porcentagem de mulheres negras e brancas no Ilu? Podemos considerar o Ilu como a primeira bateria só com mulheres em SP?

Hoje somos 450 mulheres na bateria, 80% negras e 20% brancas. São pessoas de diferentes classes sociais e regiões da cidade, que integram a primeira bateria só de mulheres de São Paulo, trazendo a cultura africana e afro-brasileira como base para todo o nosso cortejo.

Para você, o que o Ilu significa? O que você sente ao comandar centenas de mulheres, falando abertamente sobre negritude, política e religiosidade afro para um público que só cresce a cada ano?

Eu sinto muita emoção comandando a bateria, muita força, tenho um exército feminino para guerras, lutas e comemorações. Acredito também que o Ilú reconstrói a história das mulheres negras, empoderando através do tambor.

Nós recontamos a história de 500 anos, porque no Brasil parece que a história do povo preto começou do navio negreiro pra cá, mas nossa trajetória iniciou no continente onde nasceu a humanidade. A partir desse olhar, temos uma infinidade de temas para serem desenvolvidos por muitos e muitos anos no Ilú.

Além da bateria, o bloco conta com dançarinos e pernautas, que representam os orixás | Foto: Beto Assem

Ilú Obá de Min no Carnaval 2019

28/2. Quinta-feira, 19h às 22h
Onde? Galeria Olido | Avenida São João, 473

1/3. Sexta-feira, 19h às 22h
Onde? Concentração na Praça da República

3/3. Domingo, 15h às 18h
Onde? Concentração na Alameda Barão de Piracicaba

4/3. Segunda-feira, 14h às 16h (oficina de percussão para mulheres) e 18h às 19h (cortejo)
Onde? Sesc Belenzinho | Rua Padre Adelino, 1000

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Guia Maria Firmina
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Projeto criado para divulgar o trabalho de mulheres artistas. Por Taís Cruz e Victória Durães