Márcia Kambeba e a poesia de um corpo que resiste

Guia Maria Firmina
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Poeta, compositora, cantora, roteirista, fotógrafa, contadora de histórias, mestra em Geografia… Márcia Wayna Kambeba utiliza todos os suportes possíveis para falar sobre território, identidade, biodiversidade e a memória da mulher indígena.

Nascida na aldeia Belém do Solimões, do povo Tikuna, no Amazonas, a escritora traz um olhar descolonizador em relação à cultura indígena do ontem e do hoje. Seu primeiro livro, Ay Kakyri Tama ( Eu moro na cidade , em português), fala sobre o indígena que nasce na aldeia mas vive na cidade. “Escrevi esse livro para mostrar que não existe uma ‘cara de índio’, mas sim uma identidade que nos torna pertencentes a um povo”, conta.

Além de escritora, Márcia tem um trabalho fortemente ligado à música. “Componho o que canto e escrevo o que recito. Alguns poemas já nascem com melodia ou depois viram música. Já lancei um álbum só com poesias recitadas por mim e agora estou com o projeto novo trabalho de lançar meu disco de músicas autorais”.

Acha que a poesia interna de Márcia se encerra na música e na escrita? Está enganada! A artista também fotografa o dia-a-dia de seu povo, e seus dois livros — o já lançado e o inédito, que sai em outubro — levam os cliques da poeta aos leitores. “Um trabalho está ligado ao outro, a poesia está ligada à fotografia e a fotografia fala de poesia. Elas se complementam e todas são resistência que nascem da necessidade de mostrar um trabalho descolonial”, explica.

O Guia Maria Firmina conversou com a artista, que também é conselheira do selo Ferina. Nesta conversa ela fala sobre suas referências na arte, sua infância e projetos futuros!

Como surgiu o interesse pela literatura e pela música? Você sempre quis ser artista?

O interesse pela música e literatura surgiu quando era criança. Via ainda na aldeia minha avó que me criou fazendo poesia e compondo, e eu recitava seus poemas para os turistas da aldeia. Aos 14 anos comecei a escrever meus poemas, e a música veio com o tempo: passei a compor e a enviar a música pra aldeia, para as crianças cantarem, e quando vi já tinha composições para dois álbuns! Sigo escrevendo e compondo, pois todo o meu trabalho poético e musical gira em torno da cultura indígena e amazônica.

Não pensava em ser artista, e não sei se me vejo assim… Mas aceito pois sei que com isso abre-se um espaço para que nós indígenas, possamos assim adentrar o universo artístico sem perder nossa memória de lugar, de aldeia e de pessoa.

Não existe uma ‘cara de índio’, mas sim uma identidade que nos torna pertencentes a um povo

Quais são suas referências de mulheres artistas?

Como inspirações na arte tenho Henriqueta Lisboa, Cora Coralina e Cecília Meireles, mas minha avó é a maior referência de luta, de arte e de literatura pra mim. Ela era Kambeba e foi professora na aldeia que nasci do povo Tikuna. Viveu 40 anos com esse povo! Foi uma liderança e sempre vi essa força nela, pensando que queria ser assim um dia… E estou tentando! Ela faleceu há anos e eu sempre estive ao seu lado, até o último dia de sua vida. Ela me ensinou valores que jamais esquecerei.

As fotografias de Márcia falam sobre o dia-a-dia de sua aldeia, buscando sempre o olhar descolonizador

Quais são os maiores desafios que você enfrentou e ainda enfrenta no mundo da arte? Acredita que o cenário está mudando para mulheres indígenas na arte?

Hoje o maior desafio para a literatura e arte indígena são os espaços. Eu mesma percebo o quanto é difícil fazer literatura e mais ainda poesia. Algumas editoras falam que poesia não vende, então passei a publicar na minha página. Outras dizem que só trabalham com histórias reais quando mostro, por exemplo, meus contos falando de Matinta, da Amazônia.

Já estava triste e pensando em como lançar meu segundo livro quando veio o patrocínio dos jesuítas. Agora, três editoras nos Estados Unidos, Alemanha e Inglaterra querem lançar meu livro.

Por aqui, sigo sonhando com a poesia descolonial indígena. Pedimos somente respeito à nossa arte e visibilidade à literatura indígena: escrita por mulheres ou homens, queremos que ela alcance as pessoas e assim quem sabe um dia poderemos humanizar a terra e descolonizar o pensamento.

“A poesia está ligada à fotografia e a fotografia fala de poesia”, explica Márcia.

Quais são seus projetos futuros?

Em outubro lanço meu segundo livro, O lugar do saber , pela Editora Casa Leiria, do Rio Grande do Sul. Recentemente me inscrevi em um edital para um documentário sobre meu povo Kambeba, nossa cultura, memória e identidade. O roteiro é meu, foi escrito junto a uma amiga jornalista e é baseado no meu mestrado.

Quer conhecer outras artistas indígenas? Leia também O canto sagrado de Djuena Tikuna e Auritha, a cordelista do povo Tabajara.

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Guia Maria Firmina
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Projeto criado para divulgar o trabalho de mulheres artistas. Por Taís Cruz e Victória Durães