Ocupa Beauvoir luta por mais escritoras nas livrarias

Guia Maria Firmina
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Você gosta de ler? Se sim, pense nos últimos quatro ou cinco livros que leu. Quantos deles foram escritos por mulheres? Esse questionamento incomodou tanto Leila Vilhena que a empreendedora resolveu criar o Ocupa Beauvoir, um coletivo que nasce com a missão de mostrar a desigualdade de gênero no mercado editorial e, com isso, tentar reverter esse cenário.

Essa desigualdade é confirmada em muitos trabalhos acadêmicos. De acordo com pesquisa feita pelo Grupo de Estudos em Literatura Brasileira Contemporânea da Universidade de Brasília, sob a coordenação da professora Regina Dalcastagnè, o perfil do romancista brasileiro publicado em grandes editoras se manteve o mesmo por pelo menos quatro décadas: entre 2005 e 2014, 70% dos autores de romances publicados foram homens.

Hoje você chega em qualquer livraria e em destaque tem os livros (poucos) escritos por mulheres em destaque, principalmente sobre feminismo, não é à toa

Outra pesquisa realizada pela jornalista Jéssica Balbino mostra que na literatura independente, mulheres publicam 21% menos que os homens, mesmo sendo maioria nos saraus e slams. Qual a causa desse apagamento ainda em 2019? “O mercado está ligado no movimento que só cresce em relação a essa militância feminista, mas acho que ainda vai demorar um pouco até conseguirmos uma equidade”, comenta Leila. Para ela, não podemos ser ingênuas e achar que o mercado está mudando porque é legal e bonzinho: livros de mulheres começam a vender mais, logo, é mais dinheiro e lucro, o que incentiva a busca por mais escritoras nos lançamentos das editoras. “Melhor seria se não estivesse tão entrelaçado às vendas e a esse capitalismo predador, mas seguimos na luta”.

Cartaz criado especialmente para a ação feita na FLIP 2019

O foco da Ocupa Beauvoir é falar sobre mais mulheres no mercado editorial, mas esse ano, em parceria com o podcast #rabiscos, fez uma ação multimídia na FLIP (Festa Literária Internacional de Paraty) 2019: dez escritoras criaram cartaz para dez mulheres que, ao longo da história, foram brutalmente assassinadas por defenderem os direitos humanos. Luana Barbosa recebeu uma carta de Cristina Judar, enquanto Rosa Luxemburgo foi relembrada por Luiza Romão. As cartas e os episódios lidos pelas poetas, mais uma rápida entrevista com cada uma delas estão disponíveis no site do Margens.

Batemos um papo com a criadora da Ocupa Beauvoir, Leila Vilhena, e o resultado você lê agora 🙂

O que a literatura significa pra você?

Acho que significa liberdade. Quando você conhece outras perspectivas de mundo, se depara com outras realidades e até mesmo realidades de seu próprio país, mas de outros tempos, você tem a capacidade de ser crítico na atualidade e ser crítico é pensar com liberdade. Por isso ler é tão importante, tem muita gente estudando, tem muita gente com muito a dizer e esse conhecimento não está no canal do Olavo de Carvalho.

Quais são seu gênero literário preferido e suas escritoras preferidas?

Gosto de romances, realismo fantástico e contos. Não tenho uma escritora preferida. Acho que tenho livros preferidos! De não-ficção acho indispensável O Segundo Sexo, da Simone de Beauvoir, e O Calibã e a Bruxa, da Silvia Federici, e um texto que gosto muito da Gloria Evangelina Anzaldúa, Uma carta para as mulheres do terceiro mundo. Ainda na linha de não-ficção, acho sensacional o Persepólis, da Marjane Satrapi. Meu romance favorito da vida se chama Nada, da espanhola Carmen Laforet. Gosto muito também de A Hora da Estrela, de Clarice Lispector.

Como surgiu a ideia de criação do Ocupa Beauvoir? Quem faz o projeto acontecer?

A Ocupa Beauvoir nasceu de um incômodo pessoal de quem trabalha na área da literatura em ver sempre as prateleiras das bibliotecas, das livrarias e até da própria casa tão cheia de livros escritos por homens. De um tempo pra cá isso começou a me incomodar muito e passei a comprar somente livros escrito por mulheres, mas achei que era pouco e que eu tinha que ajudar outras pessoas a se conscientizar disso: foi assim que surgiu a Ocupa Beauvoir.
Acredito que estamos cumprindo bem a função, pois em todos os lugares que vamos dar palestra ou oficinas, ao final, muitas mulheres nos falam “Nossa, não tinha pensado nisso, agora vou ler mais mulheres!”.

Vi que vocês começaram em 2018. De lá pra cá, quais foram as ações que mais te marcaram?

A Ocupa Beauvoir teve início em 2018 quando o projeto piloto foi selecionado no LABIC — Laboratório de Inovação Cidadã da Secretaria Geral Ibero — Americana. Na convocatória, aberta a todos os países da ibero-americanos, foram 760 inscrições. Foi uma experiência muito bacana, lá tivemos a oportunidade de conhecer a cena literária independente e ter contato direto com as escritoras. Fizemos um sarau e ainda saímos com as próprias escritoras pelas ruas de Rosário colando cartazes pelas ruas na madrugada.

Depois estivemos na FLIP, em uma ação em parceria com o podcast Rabiscos. Nos mobilizamos para fazer uma vasta pesquisa e assim conhecer a história dessas mulheres “anônimas” que foram silenciadas durante suas vidas. Além de suas histórias, nos surpreendeu demais o fato que quase todas não tiveram seus assassinos revelados ou punidos. Esse dado nos fez compreender, com convicção, de que seria necessário contar estas histórias. Foi uma ação potente e teve uma repercussão gigante. Os acessos através do QRcode que colocamos nos cartazes — que levava ao áudio com cartas escritas a essas mulheres — foram tantos que o site até saiu do ar por conta do grande número de acessos!

Quais são os próximos eventos e atividades da Ocupa?

Estamos na fase de desenvolvimento de uma série especial de cartazes interativos que conseguimos patrocínio do DME — Departamento Municipal de Energia de Poços de Caldas através da lei de incentivo cultural de Minas Gerais, que nomeamos de Ocupa Beauvoir “ Especial Escritoras Mineiras”. Dessa vez iremos fazer uma exposição com a produção do material na biblioteca. Vai ser bem legal!

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Guia Maria Firmina
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Projeto criado para divulgar o trabalho de mulheres artistas. Por Taís Cruz e Victória Durães