A arte perdida de estar presente

Émerson Hernandez
GUMA-RS
Published in
6 min readOct 23, 2017
Créditos da foto: Hans Veth

Uma frase que você já deve ter ouvido é “dois corpos não podem ocupar o mesmo espaço ao mesmo tempo”. Na metafísica, essa qualidade leva o nome de impenetrabilidade. Essa definição está no mundo da matéria, mas se expandirmos um pouco essa ideia para o universo de ações e pensamentos, ela não continua fazendo sentido?

Achamos que podemos estar concentradíssimos naquela reunião ao mesmo tempo que respondemos um email no computador. Pensamos que somos capazes de conversar com alguém pelo celular e aproveitar bem o que está nos sendo apresentando em uma sala de aula ou de reunião. Será mesmo?

Ao contrário da crença popular, estudos científicos (referências aqui e aqui) nos apresentam o contrário. Humanos não são bons em executar múltiplas ações em paralelo. Na verdade, o que somos capazes de fazer é uma sequência de pequenas tarefas que vão, de tempos em tempos, nos forçando a trocar de foco. Ou seja, a menos que seja algo extremamente trivial ou automático, nós não vamos conseguir realizar duas ações, com efetividade, ao mesmo tempo.

Para piorar a situação, nem sempre são as distrações externas que nos tiram a atenção. Quantas vezes nosso tempo é gasto ou no passado, ou no futuro? Dou dois exemplos: às vezes ficamos digerindo aquele comentário que um colega fez pela manhã; outras vezes, nos pegamos preocupados em planejar a reunião que vai iniciar imediatamente depois da que estamos naquele instante. Com bastante frequência, nossa mente cada vez mais ocupada é a razão de porque, no fim do dia, temos a sensação que não fomos produtivos ou que o dia não teve os resultados esperados. Ou seja, comumente nosso tempo é usado para nos colocar mentalmente em outros momentos ao invés de vivermos o presente.

A boa notícia é que na grande maioria das vezes, esse sentimento é reflexo de nossas escolhas. A dúvida é como seguir adiante, com tantos pensamentos e ideias a nos atormentar. Thoreau nos aconselhou, sobre isso, em Walden:

Você precisa de espaço para que seus pensamentos ajustem as velas e sigam uma ou duas rotas até chegar ao porto.

Créditos da foto: Sarah Crutchfield

A meu ver, a solução para esses comportamentos passa justamente por criar esses espaços que falou Thoreau, que levam a construção da postura de estar presente. A maioria de nós não tem consciência em estar presente, que além de física, deve ser também mental e emocional. E essa percepção não está relacionado a nenhuma incapacidade mas sim ao fato de não a entendermos e praticarmos. Acima de todas as coisas, para haver presença tem de existir intenção. Por isso, o primeiro exercício que comecei a fazer foi o de considerar o que eu estava fazendo no agora: “eu deveria estar participando dessa reunião?” ou “eu estou assistindo a esse filme ou estou conversando no celular?”.

Você, a princípio, está lendo esse texto. Mas será que realmente isso é tudo o que está acontecendo? Você está realmente concentrado nesse texto, ou será que você tem alguns pensamentos distantes, distintos do que esse artigo aborda? E se olharmos pela ótica das emoções, as atuais estão conectadas com a leitura ou estão vinculadas a outras ações ou eventos?

Créditos da imagem: Tim Gouw

Não se sinta culpado se você estiver desconectado da leitura. É fácil não estar aqui, no momento presente. Contas para pagar, mensagens no celular para responder, livros para ler, família demandando atenção e uma lista interminável de desejos, necessidades e responsabilidades nos faz tentar estar em múltiplos lugares ao mesmo tempo. Nesse contexto de distrações múltiplas, o exercício de conexão com o momento atual, pode não ser suficiente. No meu caso, quando isso ocorreu, resolvi tentar a meditação e isso me ajudou bastante.

Para quem nunca fez, existem algumas técnicas de meditação que removem um pouco da complexidade do mundo ao nosso redor. Elas tentam nos fazer focar em atividades mais simples. Por exemplo, em um intervalo de tempo definido, pode-se apenas prestar atenção na própria respiração ou contar repetidamente até 10. Essas práticas, mais fáceis de repetir, faz com que seja mais eficiente centrarmos nossa mente para o momento presente. Ao praticar exercícios de meditação como o da contagem, não se preocupe se sua mente for levada para pensamentos distantes do exercício. Isso é totalmente natural. Não se irrite nem se frustre! Quando isso ocorrer, tome consciência que isso aconteceu e, intencionalmente, volte a repetir a técnica. Não fique aflito caso isso ocorra com frequência. Apenas retorne ao ponto inicial.

Créditos da imagem: Joshua Ness

Como estamos imersos em um mundo cheio de distrações, provavelmente você vivenciou alguma delas na leitura desse texto. Ao contrário do que alguns gurus de auto-ajuda querem pregar, nós não temos controle sobre tudo que acontece ao nosso redor. Mas dentro do nosso dia-a-dia, algumas situações estão dentro de nossas capacidades de atuação. Cito duas delas que funcionaram comigo:

  1. Desligar (ou diminuir) as notificações e a atenção dada a celular e computador. Precisamos mesmo saber quando cada pessoa se relacionar com alguma postagem nossa no Twitter, Facebook, Whatsapp ou afins? Redes sociais e outras distrações digitais só são interrupções se deixarmos. Sim, vai ter vezes que vamos precisar dar atenção a essas coisas. E que assim seja! E que essa ação use nossa presença, por completo.
  2. Concentrar-se na conversa que está acontecendo no momento. Para que se possa aproveitar o máximo de uma reunião ou bate-papo, precisamos estar centrados nela. Muitas vezes, isso vai requerer uma preparação. Tome o tempo necessário para fazer isso. Além de deixar você mais centrado, é também um sinal de respeito pelo tempo de todos os envolvidos nesse evento. E durante sua execução, lembre-se de exercitar os atos de falar com intenção e ouvir com atenção.

Estar presente requer que exercitemos a habilidade de conhecer-se e conectar-se com o agora. É a partir dessa base que somos capazes de ampliar consciência e conexão com o ambiente ao nosso redor. Não há como criar múltiplos vínculos se não há presença individual. Para isso, é importante descobrir quais os estímulos que nos levam para outro lugar que não o presente. Além dos que já citei acima, gosto do exemplo do filme "Uma Mente Brilhante", onde o personagem esquizofrênico validava com outros a presença de uma nova pessoa que se aproximava para falar com ele. Ou seja, ele descobriu como lidar com sua mente.

Portanto, é fundamental tomarmos consciência desse comportamento e treinarmos maneiras de superá-lo. No seu contexto, quais são os gatilhos que te deixam ausente? Como você vai vencê-los?

Créditos da imagem: Jeremy Bishop

Post Scriptum: algumas pessoas que leram esse texto acabaram me pedindo algumas referências de como se aprofundar em alguns desses assuntos, principalmente relacionados a meditação. Por mais que eu acredite muito que cada um tem sua maneira de se conectar com o agora e que talvez a minha solução não sirva para você, vou deixar duas sugestões que pra mim fazem muito sentido. A primeira é a meditação mais tradicional:

A segunda, se você não quer conectar a prática com nenhuma religião, é procurar por materiais relacionados a Mindfulness.

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