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Case: Usando Event Storming para auxiliar uma scale-up em entender suas dores do crescimento

Émerson Hernandez
GUMA-RS
Published in
7 min readSep 21, 2023

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O mercado de reciclagem de materiais sólidos é um setor importante para a sustentabilidade ambiental, a conservação de recursos naturais e a redução de resíduos. O funcionamento desse sistema envolve várias etapas e diferentes entidades, fazendo com que a coordenação de todas essas atividades seja extremamente complicada. De um lado temos todo o trabalho de coleta, triagem e reciclagem de materiais. De outro, empresas que possuem um processo produtivo complexo mas não possuem as capacidades de tratamento de seus insumos. Aí entram companhias que fazem a intermediação da necessidade de compensar suas emissões de embalagens com os créditos disponíveis a partir da reinclusão de materiais sólidos na cadeia produtiva.

Dentre as empresas que fazem o meio de campo desse processo, algumas delas acabam funcionando como certificadoras de logística reversa. Ou seja, certificados de reciclagem são gerados a partir da conexão entre a demanda de empresas que comercializam produtos com a oferta de centrais de triagem parceiras. Para executar esse trabalho, há uma plataforma de rastreamento da cadeia de reciclagem, comprovando que uma quantidade equivalente às que a empresa comercializou foi reciclada. Segundo o Plano Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), o valor mínimo obrigatório é de 22% de embalagens pós-consumo. E essa plataforma, esqueleto da empresa, composta de ações, eventos, pessoas e software estava crescendo assim como a própria companhia. E para a validação de todo o processo, existem os órgãos reguladores.

As agências governamentais costumam monitorar e fiscalizar as atividades de reciclagem para garantir que estejam em conformidade com as regulamentações. Esse conjunto de regras varia de país para país e, em alguns casos, de estado para estado. No entanto, geralmente envolve uma combinação de leis governamentais, políticas públicas e incentivos para promover e controlar a atividade de reciclagem. Em um mercado em amadurecimento, as regras ainda estão bastante dependentes ao pensamento político vigente e, portanto, bastante instáveis.

Ao longo de 2022, a empresa triplicou o número de colaboradores e cresceu 1000% seus operadores.

A empresa do caso em questão, uma startup no setor de tecnologia, estava vivenciando um rápido crescimento. Ao longo do ano de 2022, havia expandindo sua equipe de cinquenta para cento e cinquenta colaboradores e de trinta para trezentos operadores, o que inclui cooperativas e recicladores. No entanto, esse aumento de tamanho trouxe desafios operacionais significativos. Os processos internos não estavam claros para muitos dos novos entrantes, levando a um não entendimento das etapas e criação de gargalos nos fluxos de trabalho. Prazos para relatórios cruciais estavam na iminência de deixarem de ser cumpridos, impactando tanto na tomada de decisões estratégicas quanto nas entregas para os clientes e suas adequações à legislação.

Por essa necessidade de rápida transformação, a startup acabou enfrentando alguns problemas comuns ao crescimento. Entre eles, podemos citar a preocupação em demasia que cada área acabou tendo com suas tarefas, em detrimento de se olhar o todo. Com esse e outros fatores, identificou-se o impacto negativo tanto em comunicação quanto em colaboração. E isso deveria ser estancado o mais breve possível.

Diante desses desafios, a equipe de liderança viu a oportunidade de abordar essas questões através da ampliação de seus sistemas. Primeiramente, entendiam que a resolução dos relatórios em tempo hábil, com entrada de dados automáticos, resolveria suas principais dores. No entanto, após algumas rodadas de conversa, ficou cada vez mais claro para todos os envolvidos que havia um trabalho mais amplo a ser feito do que a criação de um novo software. As conversas envolvendo as áreas responsáveis pelos relatórios e tecnologia fizeram emergir a convicção que muitos dos problemas identificados eram resultado de comunicação inadequada e falta de visibilidade entre as equipes. Isso exigiu uma abordagem sistêmica e tecnológica para tentar ajudar a resolver os problemas.

Dentre as possibilidades de levar o trabalho adiante, veio a ideia de usar a técnica do Event Storming. Criada em 2012 por Alberto Brandolini, tem como objetivo ser uma ferramenta usada para entender visual e diretamente o funcionamento de um sistema. Através de workshops, essa ferramenta mapeia fluxos de trabalho e jornadas de usuário, explorando colaborativamente e de maneira simples os domínios de negócio. Reconhecendo que a ferramenta era adequada para identificar os obstáculos internos e transformá-los em oportunidades de melhoria, começou-se a pensar em como executar o trabalho.

Cada cor de post-it representa uma entidade diferente. Por exemplo, laranja significam eventos e azul comandos.

Um conjunto de reuniões abrangente foi idealizado, com o objetivo de trazer membros de várias equipes para a mesa e representantes de diferentes áreas foram convidados, incluindo RH, TI, Gestão de Projetos, Vendas, Jurídico, Relacionamento com Operadores Parceiros e Relacionamento com Clientes. Para isso, o primeiro desafio foi o de agendas, pois além das inúmeras áreas, ainda enfrentávamos o desafio de conciliar nossos encontro com os horários dos jogos da Copa do Mundo de Futebol. Idealmente feito em formato de imersão, nossa adaptação acabou acontecendo condensando as atividades em turnos. Havia uma preocupação grande em também não estender as reuniões durante muitos dias, para não perdermos as pessoas e seu comprometimento. Como preparação, foi acordado com todos a participação intensiva e exclusiva, onde todos contribuiriam com seus conhecimentos e perspectivas.

A empresa é naturalmente distribuída, tendo funcionários em vários estados da federação. Por essa razão, a aplicação da técnica se deu em evento online através de ferramentas de telecomunicação e quadro branco virtual. No decorrer de várias sessões, a equipe estruturou os eventos e seus desdobramentos, identificando gargalos e pontos de atritos. Focando no processo de construção de relatórios, mapeou questões críticas que afetavam os prazos. Esse procedimento de exploração também permitiu que a equipe enxergasse os silos existentes, destacando a necessidade de maior comunicação e colaboração entre os departamentos.

É importante um alinhamento prévio para que todos entendam qual o domínio a ser explorado. Por essa razão, estabelecemos um dos relatórios como ponto final do fluxo e a partir de então, fomos desenhando todos os eventos que aconteciam até o seu desfecho. Como método de apoio, tínhamos uma área de parking lot para ideias que não conseguíamos encaixar no mapeamento.

Normalmente o primeiro passo é o mapeamento de eventos, representados através de post-its laranjas. Eles foram surgindo naturalmente através do conhecimento das pessoas aliado a suas memórias, em grande quantidade. Um traço horizontal foi então desenhado, criando uma linha do tempo onde então os eventos começaram a ser ordenados. Após os eventos, adicionaram-se novas entidades, como comandos, sistemas externos e atores. Para pessoas que gostam das coisas mais organizadas, esse breve caos pode ser um pouco assustador. Aí entra o importante papel da facilitação para tranquilizar todos os envolvidos, acreditar e seguir o processo do método.

Desde o começo, havia uma preocupação do meu lado quanto à validade e ao impacto da técnica. Já é bastante conhecido e documentado que atividades de construção coletivas, quando bem conduzidas, são bem aceitas por seus participantes. Os membros desse tipo de atividade saem de lá energizados, renovados e motivados. No entanto, sem o patrocínio da alta gestão, esses benefícios podem desaparecer rapidamente. Por essa razão, ao final do mapeamento, criou-se um relatório dos pontos levantados com sugestão de atuação para cada um deles. Coletivamente, foram elencadas prioridade e mapeadas as áreas impactadas.

Após um primeiro mapeamento do domínio, identificamos pontos de ação e os colocamos em uma tabela para auxiliar na formatação do documento que seria apresentado ao C-Level.

A implementação das soluções (digitais ou não) não apenas melhoraram a eficiência operacional, mas também resultaram em um cumprimento mais consistente dos prazos de relatórios, permitindo decisões estratégicas mais informadas dentro de um ritmo mais sustentável para todos os colaboradores da empresa. E além de ajudar a otimizar os processos internos, o trabalho trouxe outros benefícios que transformaram a maneira de como a startup aborda os desafios.

A área de desenvolvimento de produtos digitais foi capaz de identificar os sistemas que deveriam receber atenção de manutenção, as áreas que se beneficiariam de novos produtos e também aqueles projetos que não deveriam mais existir. Bem definidas as iniciativas, ficou evidente a necessidade de aumento de orçamento para 2023, o que acabou acontecendo. Do valor planejado inicialmente, a empresa resolveu triplicar o montante destinado à TI.

Hoje, mais de seis meses depois dos workshops, a ferramenta se transformou em um documento vivo, recebendo atualizações a medida que a empresa cresce. Como ela é usada com frequência em conversas entre áreas, ela mantém-se atual tanto para a comunicação quanto para a evolução dos processos e das iniciativas.

Com o processo bem desenhado e facilmente acessado de maneira visual, mudou-se inclusive o processo de onboarding de novos colaboradores. Atualmente, é parte do treinamento inicial de todos a navegação pelo quadro branco. Com isso, há uma mais rápida absorção do entendimento da empresa como um todo e uma melhora no senso de responsabilidade.

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