Métricas, para além de performance de times

Thiago Mulek
GUMA-RS
Published in
7 min readApr 10, 2020

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Essa publicação é a continuação de uma série de artigos sobre o assunto iniciado com o artigo Leadtime vs Storypoints: Por uma discussão mais profunda sobre performance de times publicado por Vinicius Pacheco.

Falar de métricas já não é mais uma tendência. Além de muito material sobre como aplicar, também já existem muitos cases relatando antes e depois, e os benefícios do uso de métricas. Muito em função da onda de transformação ágil, várias empresas hoje já fazem uso dessa prática e algumas até mesmo sem entender sua necessidade ou seu valor.

De fato, trabalhar com métricas traz benefícios em vários níveis da corporação, mas o que acontece nessa jornada até que esses benefícios apareçam? Quais as dificuldades encontradas, os paradigmas quebrados, os valores e princípios estabelecidos, os obstáculos vencidos para que fosse possível avançar na expectativa de obter resultados? É aqui que muitas organizações “morrem” em seus processos de transformação/evolução por não entenderem essa construção até que se visualize os ganhos.

“Mais importante do que buscar o resultado é garantir uma boa jornada”

Os aprendizados e insights aqui compartilhados não se referem especificamente ao momento profissional atual embora este contexto tenha contribuído, reforçado e consolidado os conhecimentos obtidos e aplicados.

Em um time

O primeiro e mais impactado nesse desafio de se trabalhar sob métricas é o SM. Afinal de contas quem daquele grupo que terá levantar as métricas? “Mas o SM não é responsável por tirar os impedimentos do time?” Sim! Ele também responsável por isso, mas mais importante que resolver impedimentos, é ensinar o time e transformar esses impedimentos em problemas que o próprio time possa resolver caso eles ocorram novamente. Ainda vejo pessoas no papel de SM que usam desse argumento para criar dependência do time para si. Bom, logo se o SM é quem vai extrair as métricas, o que ele vai precisar fazer? ESTUDAR! Chega a ser irônico falar sobre isso, mas é comum pessoas nesse papel que ficam estagnadas por não entender a abrangência de sua atuação. E é comum também ver empresas preocupadas (e cobrando) que o time de desenvolvimento estude, que o PO esteja sempre atualizado, mas o SM fica numa espécie de zona de conforto. Por consequência, e reforçando, SM é um papel, e não uma sigla diferente e moderna para gerente de projetos. Praticamente 20 anos depois do manifesto ágil ainda há “SM” realizando microgerenciamento, preocupando-se com horas alocadas ao invés do resultado final, e no pior dos casos fazendo pressão no time para haja “entregas”.

A partir desse momento, começam os efeitos colaterais. Trabalhar sob métricas reforça valores comumente proclamados, mas praticados com dificuldade como transparência, colaboração, multidisciplinaridade , que é onde se encontra o DNA da cultura do time e da organização. Aqui vale salientar que embora ações e comportamentos sejam refletidos nos números, o trabalho com métricas vem para facilitar o diagnóstico do sistema e não para julgamento das pessoas. Além disso, como um espécie de ciclo virtuoso, o SM também terá insumos suficientes para direcionar seus estudos para seu crescimento profissional no intuito de contribuir na evolução do time, seja sobre gestão, processos, pessoas, ou desenvolvimento de software — sim, o SM pode necessitar desse conhecimento para colaborar com o time.

Em Times

Imagine esse movimento em todos os times da corporação. Afinal, cada time agora sabe o que esperar de seu SM e cada SM tem dados para provocar ricas discussões e ajudar seus times a focar no que devem se desenvolver. Trabalhar com métricas como prática padrão facilita de modo orgânico a conversa entre times tanto no nível de dependência (o que já é conhecido), mas também simplifica a troca de informação, fazendo pessoas de diferentes times possam se auxiliar independente do papel. Outra reação natural é o desapego a pessoa sob algum papel específico, tornando possível por exemplo que os SMs periodicamente se organizem em qual time cada um pode contribuir melhor.

Na organização

Mesmo nessa onda ágil, ainda é normal presenciar reuniões de gerência e diretoria de acompanhamento de roadmap ou portfólio, por exemplo, acontecendo às cegas ou com dados que não auxiliam na tomada de decisão — quantidade de horas alocadas ou story points entregues, por exemplo. Trabalhar com métricas também traz a tona e esclarece quais informações são relevantes para cada nível e seu respectivo contexto. Isso não significa que elas não possam ser expostas, mas é necessário que as pessoas nesses cargos também dominem esse assunto. É aqui que comumente surge a necessidade de uma pessoa no papel de agile coach ensinando, educando e mentoreando a gestão assim como os SMs fizeram com seus times. Métricas aqui também dão uma visão à gestão para outras áreas além dos times como infra, suporte, etc, elucidando o impacto que a corporação tem nos times e vice-versa.

Um outro efeito colateral dessa prática é a mudança do perfil da gestão no nível de coordenação. Com tomadas de decisão baseadas em dados cada vez mais rápidas e óbvias, os gestores têm a oportunidade para melhorar ou passar a fazer uma gestão de produto/negócio. Como consequência, POs até então “tiradores de pedido” ou então envolvidos com questões de time, passam a ter que se preocupar cada um com seu produto. Tais aplicações têm impacto considerável no conjunto de valores da cultura dessa gestão, pois essas ações implicará aos envolvidos numa saída de zona de conforto, onde pessoas no cargo de gestão/coordenação e no papel de PO, precisarão aprender sobre práticas de gestão de produto e para isso, terão e precisarão aprender a se orientar pelos resultados abrindo mão do controle e microgerenciamento dos times e confiando-as para os times.

Consultoria

Por último, é normal e prática de mercado que empresas contratem consultorias especializadas em agilidade na busca de segurança na transformação ágil. No entanto, tenho ficado surpreso com o quão abstratas e pobres são alguns assessments e abordagens de trabalho. Gosto de lembrar aqui da primeira frase do manifesto ágil: “Estamos descobrindo maneiras melhores de desenvolver software”. Ou seja, agilidade é sobre entregar software! Tenho visto propostas sobre fazer várias coisas, menos entregar software. E tendo isso como premissa, chegar a ser alarmante como algumas consultorias “especializadas” continuam a não fazer uso da prática de métricas em seus assessments e trabalhos. Um assessment por métricas clareia o trabalho de toda a organização e deixa explícito quais pontos do fluxo de trabalho deve ser investidos facilitando inclusive a proposta e a compreensão do trabalho a ser feito.

Concluindo…

Assim como implantar scrum num time, ou mudar a gestão projetizada para foco em produtos, ou mudar a cultura organizacional para uma abordagem ágil, trabalhar com métricas obriga e sujeita a organização a um jornada que é refletida basicamente em tempo e em conflitos. Dessa forma, mais importante do que buscar o resultado é garantir uma boa jornada. Se ela for bem conduzida, os resultados além de garantidos se tornam exponenciais. Importante frisar que uma boa jornada não é sinônimo de tempo, mas sim de que as decisões e ações tomadas estejam fundamentadas e alinhadas entre conhecimento/teoria, contexto e objetivo.

Agradecimentos

A todas as pessoas que atuam em posições de gestão e demais colegas da Unicred pela abertura e colaboração na criação desse ambiente que tem proporcionado crescimento e evolução de modo orgânico em toda a organização. À toda a área de Crédito e Investimento pelo engajamento na execução das propostas de trabalho e experimentação de novas idéias, e em especial aos times Ursau e Area51 com os quais atuo diretamente. Agradecimento especial ao Vinicius Pacheco, no qual tenho o privilégio de dividir esse e outros trabalhos, e também agradecimento ao Jonatan Aguiar pelo apoio do trabalho em toda a corporação.

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